O som do tambor dissipa pensamentos; por isso é instrumento
eminentemente militar.
Joseph Joubert
Não há vento favorável para marinheiro que não sabe para onde ir.
Sêneca
Examinei como um todo os
governos militares, sem me deter em minudências. Ative-me mais ao aspecto
econômico. Mas resta ainda dizer algo sobre o governo Figueiredo. A conta dos
erros de política econômica dos governos Médici e Geisel foi apresentada para
ser paga. Um período lamentável. Se os militares fizeram algo de bom – e
fizeram muito – o governo do general Figueiredo dilapidou o espólio. Sem
instrumentos de força e sem élan, governou atabalhoadamente, como o marinheiro
de Sêneca, sem saber para onde ir. Delfim Neto deu um chega para lá em Mário
Henrique Simonsen e assumiu, até o fim do governo, o ministério da Fazenda. Foi
o coveiro da revolução. Não sabia como pagar a conta em grande parte por ele
próprio criada. A inflação que no primeiro ano do governo Castelo Branco chegou
a oitenta por cento, foi revertida ao final daquele período a menos de quarenta
por cento, pelo método do combate gradual. Abro parênteses para dizer que se
não tivesse havido a intervenção militar teria sido de muito mais de cem por
cento em 1964. Pois bem, Delfim Neto, então ministro da Fazenda de Figueiredo,
entrega aos civis uma inflação de duzentos por cento ao ano! Um fracasso! Nada
a comemorar no Governo Figueiredo, salvo o fato de ter encaminhado bem a
redemocratização do País.
Esse balanço econômico não
muito bom atingiu todos os governos militares da América Latina, com exceção de
um deles, como veremos.
Dos governos militares, o do
Chile foi o único que adotou o liberalismo econômico e a austeridade nos gastos
públicos; reformou o sistema de ensino público e seu custeio, através da adoção
da política de vouchers para os
estudantes que preferissem escolas particulares; transformou o sistema
previdenciário em um sistema de fundos, ou seja, a aplicação nos fundos
previdenciários e os rendimentos gerados e reinvestidos ao longo dos anos
gerariam aquilo a que teria direito o futuro aposentado, isto é, criou um
sistema previdenciário infenso ao déficit, embora, como todos os sistema de
aposentadoria, também falho. Entretanto, tais fundos, capitalizados por
recursos imensos, pelo aporte mensal dos milhões de participantes e reinversão
dos resultados, seriam, como efetivamente foram, os principais investidores
para o fomento do progresso econômico. Não é à toa que esses fundos chilenos
têm participado das privatizações no Brasil e alhures. Além disso,
contrariamente às políticas de restrições às importações adotadas pela
Argentina e pelo Brasil, o governo Pinochet transformou a economia chilena em
uma das mais abertas do mundo, com alíquota de importação média baixa, para não
falar na desregulamentação das atividades empresariais e a segurança jurídica
dos contratos. Isso implicou a pavimentação de todos os caminhos conducentes ao
desabrochar de todo o potencial produtivo do país.
Assim o Chile avançou mais do
que todos os outros países latino-americanos, ao ponto de, num futuro próximo,
estar em condições de sair do pelotão de país em desenvolvimento para alcançar
o galardão de país desenvolvido, deixando para trás, mais ainda, o resto do
continente.
A adoção dessa política só foi
possível pela atuação de mais de duas dezenas de jovens economistas,
pós-graduados na Escola de Chicago, um dos centros do liberalismo econômico.
Essa característica os fez conhecidos como “Chicago boys”. Tais jovens
economistas formaram o núcleo duro da grande equipe que implantou no Chile uma
política econômica de cunho liberal, isso cerca de dez anos antes de Margareth
Tatcher fazer o mesmo na Inglaterra e Reagan, logo em seguida, nos Estados
Unidos.
Enquanto o general Pinochet,
com mão de ferro, reprimia os guerrilheiros e impunha uma política fechada, os
“Chicago boys” implantavam uma vitoriosa paisagem econômica no Chile cujos
lineamentos persistem até hoje. É só fazer a comparação entre o Chile e o
Brasil. Se fizerem, hão de ver que o Chile, a despeito de sua problemática
geografia, além de ter uma condição bem melhor do que a do Brasil, tem uma
carga fiscal em torno dos 20% do PIB, enquanto o Brasil sufoca o contribuinte
com carga tributária de 34% do PIB, além de o governo apresentar déficit
público primário de 10%. Isto significa que o Estado Brasileiro, entre tributos
e empréstimos contraídos, se apodera de cerca de 44% da riqueza gerada por
todos os brasileiros! Um país nesse descalabro de finanças públicas não pode
crescer sustentadamente, mesmo porque esse verdadeiro confisco deixa a
iniciativa privada, que é quem gera a riqueza e o crescimento, sem condições de
grandes investimentos, o que explica em grande parte nosso atual deprimente
desempenho econômico.
Essa é a grande diferença
entre a ditadura chilena e as ditaduras do Brasil, da Argentina, do Uruguai e
do Peru. Por ter sido um governo vitorioso, com base no liberalismo econômico,
as esquerdas odeiam o período Pinochet e, pasmem, chegam a flertar e fazer
elogios ao período militar brasileiro pela sua forte intervenção na economia.
Lula, ele mesmo, cansava de elogiar as medidas estatizantes do período militar.
O Brasil, por exemplo, com
mais ênfase no governo Geisel, quase socializa a economia. As estatais foram-se
multiplicando, controles de preço foram estabelecidos, o câmbio foi manipulado
e restrições aos negócios estabelecidas. O próprio Delfim chegou a obrigar o
registro de notas promissórias e outros títulos cambiais, com a exigência de
CPF, por força de uma reles portaria, cuja nulidade o judiciário não teve
coragem de decretar.
O engraçado em tudo isso é que
ainda dizem que os governos militares, principalmente pós Castelo Branco, foram
de direita, quando a direita, na verdade, sustenta os princípios do
capitalismo, do liberalismo econômico. Os militares fizeram governo de
centro-esquerda, fizeram governo de capitalismo de estado; espalharam estatais
para todos os gostos, calculadas em cerca de quinhentas! Nelas, coronéis e outras
patentes iam sendo empilhados para o desfrute de altos salários.
Antes das privatizações,
aprofundadas no governo Fernando Henrique, a economia brasileira estava mais
estatizada do que a economia chinesa é hoje!
Se o Brasil continuasse com a
linha econômica liberal da dupla Roberto Campos/Bulhões, o país seria hoje um
Chile de grandes dimensões. Já teria saído do pelotão de país em
desenvolvimento para o pelotão dos países desenvolvidos, com uma economia maior
do que a da Alemanha, com renda per capita bem acima dos vinte mil dólares.
Esses erros econômicos
sucessivos impediram os militares de deixarem o poder sob aplausos. Perderam o momentum, poderiam ter saído
ordenadamente do campo de batalha ao fim do governo Castelo Branco. Não se
esqueçam que, no jargão militar, uma retirada ordenada, impeditiva de uma
derrota, pode valer por uma vitória.
Sumariando, o movimento
militar de 1964 teve forte apoio da sociedade civil como um todo; o governo
Castelo Branco foi um regime de exceção, mas não foi uma ditadura; após a
edição do AI-5, quando a luta armada já se tinha iniciado e sido perpetrado o
trágico atentado terrorista do aeroporto de Guararapes, em Recife, o regime se
caracteriza como um ditadura, embora sem caráter totalitário, que abrange o período
da junta militar e o de Médici. A ditadura começa a amainar e a se desfazer com
Geisel e volta à quase plena normalidade com Figueiredo.
De qualquer sorte, deve ficar
bem registrada a desfaçatez da esquerda revolucionária. Tenta vender a ideia de
que pegaram em armas para derrotar a ditadura e redemocratizar o País. Isso não
passa de manobra solerte para engabelar tontos. Lutaram para implantar no
Brasil o totalitarismo comunista, nada mais do que isso. Esse projeto
tresloucado impediu o retorno mais cedo à normalidade constitucional e
justificou o endurecimento do regime.
Se hoje o povo brasileiro
começa a sentir saudades daquele tempo, a culpa é exclusiva dos governos
incompetentes que os sucederam, exceção feita ao governo Fernando Henrique, que
liquidou a inflação, mas, por outro lado, jogou a carga fiscal, já alta, para
um patamar insustentável. Na saída – consultem as notícias da época – fez um
acordo com Lula, seu candidato in pectore,
e aprovou, com a ajuda da bancada petista no congresso, lógico, mais um aumento
da carga tributária da ordem de 2,4 pontos percentuais do PIB! Na verdade, os
governos civis levaram a carga tributária a níveis insuportáveis. Pouco sobra
para a iniciativa privada investir e gerar crescimento mais acelerado.
O grande erro após a
redemocratização decorreu de um evento equivocadamente saudado pela maioria.
Refiro-me ao desastre chamado de “Constituição Cidadã”. Realmente a
Constituição de 1988 é a soma de todos os erros. Acredito que isso se deveu à
morte de Tancredo Neves, que dizia ser uma loucura convocar uma constituinte,
principalmente pelo fato de que havia uma boa constituição em vigor, a de 1967.
Bastava que se fizessem reformas pontuais para retirar alguma coisa que
exageradamente era chamada de entulho autoritário.
Como todos sabemos, Sarney
assumiu em razão da morte de Tancredo Neves, ficou sob a tutela de um
nefelibata chamado Ulisses Guimarães, que comandou, através da malsinada
constituinte, uma verdadeira “farra do boi”, ou “festa da uva”. Foi uma carta
redigida por marxistas e esquerdistas de todos os matizes. O núcleo de
resistência não pôde evitar o desastre e recebia o epíteto desmoralizante de
centrão. Essa equivocada constituição distribuiu benesses a todos, como se o
governo tivesse recursos ilimitados. O desastre ainda não foi maior porque
inúmeras emendas já foram feitas. Mesmo assim, o problema ainda persiste. Por
ela, a máquina governamental adquiriu status de verdadeiro senhor feudal. A
massa brasileira trabalha para sustentar o setor público e um projeto
insustentável de assistência e previdência social. Não foi à toa que Roberto
Campos, então constituinte, resistiu o quanto pode em assiná-la. Outro homem
lúcido, o então ministro da fazenda, Maílson da Nóbrega, dizia, com toda razão,
que o Brasil não cabia naquela constituição e que o desastre viria.
A Constituinte foi de 1988 e o
muro de Berlim só foi derrubado em 1989. Como alguns participantes daquela
farra já disseram, se o muro tivesse caído antes, a constituição teria sido
outra.
Da saída dos militares para
cá, o Brasil só foi governado pela esquerda. Aliás, as disputas sempre se deram
entre um mais esquerdista do que o outro. Mas todos marxistas, ou mais ou menos
ex-marxistas, e, de qualquer forma, adeptos de um estado agigantado,
burocrático, regulador a não mais poder, hostil ao capital e ao
empreendedorismo. Esses homens, todos políticos profissionais, gostam de viver
à tripa forra do governo, sustentados pelas pessoas que realmente trabalham:
empresários e empregados.
Não satisfeitos, manobraram
até onde possível e entregaram o país a marxistas cleptocráticos cuja intenção
era a socialização do Brasil. Só foram impedidos desse intento porque a
roubalheira foi descoberta acidentalmente, tanto no caso do mensalão como no
caso do petrolão; caso contrário, estaríamos numa situação próxima ou pior do
que a da infelicitada Venezuela.
Essa classe política que está
no poder é composta, com poucas exceções, de ladrões empedernidos, homens que
perderam todo e qualquer senso moral; os que não merecem esse rótulo estão como
os marinheiros de Sêneca, não sabem para onde ir.
Mas o roubo flagrante não é o
pior. O pior é o roubo legalizado. É a criação de dezenas de milhares de cargos
de confiança, ministérios, autarquias, agências reguladoras e empresas de
economia mista completamente dispensáveis para servir de campo de caça para
essa nova classe de nobres feudais.
Aí as comparações são
inevitáveis e o povo começa a sentir saudades do período militar, em que os
homens públicos eram ínclitos, não roubavam, não havia licenciosidade de
costumes, o crime não campeava e as pessoas não viviam encarceradas em seus
próprios lares e impedidos de terem uma arma para a sua defesa pessoal. Se
voltarem, a culpa será das lideranças políticas civis, que não estiveram à
altura do seu tempo e estão levando o País ao desespero.
Entendo esse desespero. As pessoas
almejam que um poder interventivo faça com rapidez as reformas e a
reestruturação do Estado brasileiro e limpe a vida pública da escumalha que a
domina. Todos querem que sejam estabelecidas condições mínimas (cláusulas de
barreira) para criação e manutenção de partidos políticos; todos querem que as
contas públicas sejam ajustadas; todos querem a unificação e a racionalização
da previdência social; todos querem a eliminação das travas que impedem e
dificultam a vida econômica e o empreendedorismo; todos querem redução da carga
fiscal; todos querem maior liberdade contratual, inclusive nas relações
trabalhistas. E por aí vai. Mas, para isso, há os que ganham e os quer perdem
num primeiro momento. Aí começam as divergências.
Agora, quem garante que uma
nova intervenção militar seria eficiente e breve?
Para manter a democracia,
precisamos de uma grande limpeza nos quadros políticos, ou, mais uma vez, o
povo irá à rua, como foi em 1964, apoiar a intervenção militar.
Em minha mente há sempre um
temor: todos os países que chegaram ao totalitarismo socialista, chegaram
através dos militares. Revisem a história e verão que não estou exagerando. Na
Rússia, sem a tomada do Palácio de Inverno por soldados e marinheiros, os
comunistas não teriam triunfado; o Leste Europeu foi comunizado pelo vitorioso
Exército Vermelho; a China pelo vitorioso exército de Mao Tse-tung, após bater
o exército de Chiang Kai-shek; Cuba por uma milícia revolucionária que enganou
todos os cubanos e os americanos dizendo que só queriam derrubar o ditador
Fulgêncio Batista e restaurar a democracia.
Quer dizer que os militares
brasileiros poderiam comunizar o Brasil? Claro que não, mas a negativa não quer
dizer que não tenham tendência a uma forte estatização da economia. Entregar
todo o poder aos militares significa entregar o poder a funcionários públicos,
embora fardados.
Estamos ouvindo de novo o som
do tambor: que o pensamento não seja dissipado e que tenhamos melhor
alternativa.
Qual a moral de tudo isso?
Para mim, muito simples: na juventude, pichava paredes; na maturidade, procuro
limpá-las.
Encerro com a sutileza de
Mário Quintana: “Que fique mal explicado, quem faz sentido é soldado.”
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 5-10-2017
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