sexta-feira, 19 de abril de 2019

[Daqui e Dali] Ter nome, é o que interessa

Humberto Pinho da Silva

Naquele fim de tarde, de verão de 1971, estava na livraria Figueirinhas, na companhia de meu pai, folheando as últimas novidades expostas nos escaparates.


O senhor Ferreira, chefe de balcão, passou por nós, cumprimentando-nos efusivamente:
 “Lindo dia! …Hem!?” – Perguntou, de semblante risonho. Afirmativamente, respondemos.

De súbito, aproximou-se o senhor Fernando Figueirinhas – sócio da firma, – cumprimentando-nos apressadamente, estendendo a mão:
 “Senhor Pinho da Silva, gostava de conhecer, pessoalmente, António Lopes Ribeiro?!”
 Antes que meu pai respondesse, acrescentou: ”Está no meu gabinete. Venha daí! …”

António Melo (ao piano) e António Lopes Ribeiro
Meu pai acompanhou-o, e eu fiquei a conversar com o senhor Ferreira, que me revelou que o cineasta tinha vindo negociar o seu novo livro: “Anticoisas & Telecoisas”.

Em breve, caminhavam em minha direção meu pai e o apresentador do programa “Museu do Cinema” – popular rubrica da RTP. Pararam junto de mim. Conversavam animadamente, sobre teatro e da obra que o realizador de cinema ia publicar.

A determinado passo da conversa, meu pai, interrompe, para interrogá-lo sobre o Maestro António de Melo, tratando-o por senhor doutor. António Lopes Ribeiro, recurvou-se ligeiramente, e pedindo desculpa, disse-lhe:
“Ó Sr. Pinho da Silva, vou-lhe pedir um grande favor, não me trate por doutor!... Eu tenho nome... Chame-me António ou António Lopes Ribeiro. Sabe? Só é doutor quem não tem nome… Já reparou? Aos grandes homens, ninguém os trata por doutor?!”

Meu pai concordou, sacudindo afirmativamente a cabeça. Quem chama de doutor Egas Moniz ou Carrel?

A conversa terminara. O cineasta estava com pressa. Tinha compromissos inadiáveis, e retirou-se, desaparecendo entre a multidão dos transeuntes da Praça.

O senhor Ferreira, que tudo ouvira, ainda ficou a remoer nas palavras que escutara:
“Na verdade, ninguém trata por doutor os grandes homens da ciência! Não é verdade, senhor Pinho da Silva?…”
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva

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