Helena Matos
A direita é em Portugal um problema
poético: um sujeito lírico que não sabe o que é; pede desculpa por aquilo que
nunca foi e lastima o que não pode ser.
Mais para a direita. Não, um
bocadinho para a esquerda. Agora para o centro… A direita em Portugal não é um
espaço político, é uma prova de modista: ora sai uma alfinetada no reacionarismo,
ora tesourada no liberalismo. A primeira coisa a ter em conta quando se fala da
direita é que a direita além de falar de si mesma, do que é, do que deveria
ser, do que já foi… não deve falar de mais nada. Ou seja, deve abster-se acerca
da realidade. Inibir-se na apresentação doutras propostas. Enfim,
autolimitar-se enquanto alternativa de poder. Afinal para isso já cá está a
esquerda, não é?
Desprovida de projeto, a
direita é avaliada não pelo que diz, mas sim pela intencionalidade das suas
palavras, mesmo quando elas parecem acertadas. Por exemplo, quem senão uma
direita ressabiada para chamar a atenção para o que aconteceu no batismo do
navio de cruzeiro construído nos estaleiros West Sea? O sucedido conta-se em
poucas palavras e para o caso as do JN e da Lusa são eloquentes: “Uma cerimônia com passadeira vermelha onde desfilaram o primeiro-ministro e um
extenso rol de figuras do jet-set nacional marcou, este sábado, o batismo, nos
estaleiros de Viana do Castelo, do primeiro navio de cruzeiro construído em
Portugal. (…) O primeiro-ministro disse hoje que os estaleiros da West Sea, em
Viana do Castelo, são “uma referência da capacidade de renovação da indústria
naval do país”, apontando como exemplo o primeiro navio oceânico “integralmente
concebido e fabricado” em Portugal.”
Acontece, e agora é que entra
o ressabiamento, que estes estaleiros, agora designados West Sea, tão
expressivamente elogiados pelo primeiro-ministro são os mesmos cuja
privatização o PS combatia em 2013 e, pasme-se, continua a combater em 2019.
Porque enquanto o primeiro-ministro veste de gala para desfilar na passadeira
vermelha em Viana, o grupo parlamentar do PS, em Lisboa, não só vota contra o
voto de congratulação apresentado pelo PSD aos “trabalhadores, gestores e
sociedade civil” de Viana do Castelo pela “viabilização dos estaleiros
materializada num conjunto de entregas civis e militares“, como continua a
dizer-se contra “a forma como o anterior Governo procedeu à liquidação
dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e deitou para o lixo mais de 450
milhões de euros dos contribuintes portugueses”.
Resumindo, em Viana do Castelo,
António Costa exalta os empresários dos estaleiros West Sea e o seu cliente Mário
Ferreira e depois em Lisboa os mesmíssimos socialistas voltam aos tempos em que
a privatização dos Estaleiros de Viana do Castelo era deitar para o lixo o
dinheiro dos contribuintes. Percebido? Convém mesmo perceber por que este
esquema de atuação se repete a cada privatização em Portugal: os socialistas
são sempre contra e depois, continuando a ser contra, ostentam uma política de
“proximidade-palmada nas costas” com essas mesmas empresas e empresários.
Denunciar tudo isto é que não vale a pena porque é ressabiamento. Tal como é
ressabiamento – ou será antes populismo? – denunciar esse outro desdobramento
físico do líder socialista, entre o primeiro-ministro António Costa que forma
um governo em que é difícil encontrar alguém que não seja primo, marido,
mulher, cunhado… e o governante António Costa que celebra a aprovação de
legislação para impedir a endogamia nos governos.
Esta ideia de que não existe
um discernimento moral, mas apenas o julgamento da lei é uma das marcas mais
degradantes do nosso tempo. Mas como dizer a palavra proibida – moral – sem que
logo surja o terror de se ser acusado de reacionarismo? Levamos os anos dos
governos Sócrates sob este diktat: os julgamentos morais são uma manobra da reação.
Apenas o império luminoso da lei conta. Ou contava. Porque agora a lei
tornou-se reacionária e os juízes tornaram-se objeto de pressões e ações de
dinamização ideológica que se toleram e calam não venha de lá o apodo de reacionário.
Afinal o ressabiamento não é a
pior categoria das obscuras motivações que levam a direita não só a não ser esquerda,
mas sobretudo a ter a veleidade de querer ser outra coisa. O reacionarismo esse
sim é que é o motor da coisa, da anomalia por assim dizer. Assim, a cada
intuição de que a acusação de reacionarismo lhe está para cair em cima, logo a
alegada direita que não sabe se é direita explica que ela, antes pelo
contrário, concorda com tudo aquilo que esquerda diz e até iria um pouco mais à
frente.
O temor de ser considerado reacionário
é tal à direita que segue impune a imposição da ditadura do progressismo que
nos há de levar ao vazio, caso ninguém à esquerda denuncie o óbvio. Foi assim
em França, onde já não se podem montar presépios nas escolas; em Espanha, onde
o PP acabou a questionar-se sobre se deve ou não se contar a história de
Pelágio nas grutas de Covadonga e de caminho que posição tomar sobre a expulsão
do “Capuchinho Vermelho” das bibliotecas escolares. Por cá, o problema nem se
coloca: sobre o que ideologicamente está a acontecer nas escolas nem uma
palavra. E falar da qualidade do ensino ainda menos pois logo vinha a acusação
da direita retrógrada que defende os exames e consequentemente o sofrimento das
criancinhas e suas famílias.
Sendo que já vai longa a lista
das obscuras motivações que levam a direita a manifestar-se – obscuras
motivações essas de que a direita fez seu principal objetivo demarcar-se nem
que para tal tenha de ficar calada e tolhida quanto a tudo mais – não se pode
deixar de referir esse verdadeiro estigma que é ser de direita liberal pois,
como se sabe, a direita liberal tem uma irmã escondida no armário que é a
direita dos interesses, a tal que quer destruir a escola pública, o SNS… e
reduzir os portugueses à miséria, à doença e à ignorância que lhe estão
garantidas caso os serviços pagos pelos contribuintes – vulgo serviços públicos
gratuitos – deixem de ser prestados por organismos estatais.
O acantonamento da direita
nesta matéria é tal que perante a passividade das instituições, o pendor
esquerdista de boa parte dos jornalistas, a incapacidade de concentração do
Presidente da República e as contas de somar e diminuir votos do espaço à
direita do PS (é preciso esclarecer que a direita em Portugal não existe, o que
existe é o espaço à direita do PS), Portugal tornou-se uma ditadura fiscal, com
a Autoridade Tributária a ter acesso a um nível de informação sobre a vida de
cada um de nós que faz de qualquer polícia política um grupo de amadores.
Esta monstruosidade vai
obviamente revelar-se na sua tirania quando afetar a pessoa-empresa errada. Ou
quando se perceber o impacto entre as pequenas e médias empresas desta devassa
fiscal. Até lá vai acrescentando o seu poder. Porque denunciá-la, tal como tem
acontecido a todos aqueles que ao longo dos anos têm alertado para a
insustentabilidade da Segurança Social nos atuais moldes, leva a que logo surja
a acusação de não se estar a querer discutir a sustentabilidade da Segurança Social,
mas sim a querer fazer negociatas com as seguradoras.
Poderia juntar centenas de
exemplos. E todos eles levam à mesma conclusão: chamem-se como quiserem, mas
façam alguma coisa!
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
14-4-2019
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