Helena Matos
Basta colocar um cravo ao peito para os
vigaristas passarem a incompreendidos; os ditadores a democratas e os atuais
ministros a oposição. Já o BE esquece as PPP com Salazar e Bolsonaro.
Depois de assistir à última
manifestação do 25 de Abril tenho a certeza de que os milagres acontecem nesta
terra predestinada. Falo naturalmente do milagre dos cravos. Aliás estou mesmo
convicta de que o milagre das rosas não é nada ao pé do milagre dos cravos.
Álvaro Cunhal apoiava e admirava o terror soviético, mas de cravo ao peito transformava-se num combatente pela liberdade.
Jerónimo de Sousa pega num cravo pronuncia “abril” com fervor beato e lá se esfumam os seus ditirambos sobre a Coreia do Norte e a mordaça que impõe ao movimento sindical. Aos militares então, a junção entre fardas e cravos garante-lhes o estatuto da santidade.
Álvaro Cunhal apoiava e admirava o terror soviético, mas de cravo ao peito transformava-se num combatente pela liberdade.
Jerónimo de Sousa pega num cravo pronuncia “abril” com fervor beato e lá se esfumam os seus ditirambos sobre a Coreia do Norte e a mordaça que impõe ao movimento sindical. Aos militares então, a junção entre fardas e cravos garante-lhes o estatuto da santidade.
Não há incredulidade ou ceticismo
que não se rendam diante do milagre dos cravos: em Portugal, basta colocar um
cravo ao peito para os terroristas passarem a combatentes pela liberdade; os
vigaristas a incompreendidos; os ditadores a democratas; os medíocres a
intelectuais e os parasitas a solidários.
Mas a esta transfiguração que
já estávamos mais ou menos habituados acresceu este ano um mistério que a
teologia não explica, mas a política esclarece: os ministros e os parceiros do
Governo puseram cravo ao peito e de imediato deixaram de ser Governo para se
tornarem oposição. Na avenida da Liberdade, cravo na mão, a ministra da Saúde
já não é a ministra que tem de explicar como foram retirados nomes das listas
de espera para se tornar numa manifestante defensora do mesmo SNS que deixa
degradar a níveis nunca vistos. Já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes transfigurou-se em jovem e desfilou com os manifestantes da Juventude Socialista que gritavam: “Queremos revolução, socialistas em ação“. Sendo
certo que a única revolução que está por fazer em Portugal é precisamente
a que derrube a ditadura fiscal presidida pela secretaria de Estado dos
Assuntos Fiscais, cabe perguntar se o senhor secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais quando miraculado em jovem manifestante nos toma por parvos ou se faz
parvo?
Por fim o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, desembaraçado do Porsche, além do cravo muniu-se de calças de ganga, o que para o caso faz do seu um milagre ainda mais promissor.
Por fim o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, desembaraçado do Porsche, além do cravo muniu-se de calças de ganga, o que para o caso faz do seu um milagre ainda mais promissor.
Segundo o Expresso aconteceram
ainda outras manifestações que não tenho força terrena nem fé q.b. para analisar,
como ouvir as criancinhas ditas “afetas” ao PCP cantar “Somos a esperança,
em cada criança há sinais de mudança“.
E é claro, tivemos Mariana Mortágua entoando rimas e Catarina Martins, que além de entoar também sabe fazer os gestos, transfiguradas em arrebatadas opositoras. De quê e de quem? Do Governo que como aqui assinala Cristina Miranda maquilha as contas daSegurança Social? Da transformação do aparelho de Estado numa rede familiar a que já nem os cemitérios escapam?… Nada disso.
E é claro, tivemos Mariana Mortágua entoando rimas e Catarina Martins, que além de entoar também sabe fazer os gestos, transfiguradas em arrebatadas opositoras. De quê e de quem? Do Governo que como aqui assinala Cristina Miranda maquilha as contas daSegurança Social? Da transformação do aparelho de Estado numa rede familiar a que já nem os cemitérios escapam?… Nada disso.
Opositoras de Salazar e
Bolsonaro. Um longe no tempo – Salazar morreu em 1970! – e o outro, Bolsonaro,
está a quilômetros de distância. Assim devidamente munidas dos seus
demoniozinhos úteis, mais o Santo António, os cravos na lapela e o megafone, as
dirigentes do BE protagonizavam não apenas o milagre de passarem de suporte do
governo a contestatárias do sistema, mas também levavam a cabo o exorcismo que
as desembaraçava do fantasma da negociação das PPP.
"Ó meu rico Santo António! Ó meu Santo Popular! Leva lá o Bolsonaro para ao pé de Salazar."
Tendo em conta que apesar de
tudo a descrença se pode instalar entre os assistentes destas transfigurações o melhor
será a manifestação do 25 de Abril passar da avenida da Liberdade para o
Parque Mayer. A revista à portuguesa já viu coisas piores.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
28-4-2019
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