É a economia, estúpido!
James Carville
A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de
rua e desorganizar a economia.
Castelo Branco
Em 1991, logo após a Guerra do
Golfo, noventa por cento da opinião pública apoiava Bush pai. No ano seguinte,
por conta de problemas econômicos, sessenta e quatro por cento da opinião
pública estava contra o presidente. James Carville, assessor da campanha do
então candidato desafiante Bill Clinton, cunhou a frase “É a economia,
estúpido!” (It is the economy, stupid!), querendo realçar o fator que seria
determinante para a vitória eleitoral.
No último texto, o terceiro da
série, falei sobre minha impressão do governo Castelo Branco. Não há como
negar, foi um momento de grande avanço na reorganização e modernização da
economia e das finanças públicas. Houve um quê de verdadeiramente revolucionário
na nova conformação do Estado brasileiro, principalmente no campo político e
econômico. Os outros governantes militares foram meros administradores da
herança castelista. Em boa medida, não estiveram à altura da herança recebida.
Castelo Branco [foto], ao que tudo
indica, achava que a intervenção militar seria encerrada com o seu governo,
quando seriam realizadas as eleições para escolha do novo presidente, mas teve
de engolir não só a prorrogação de seu mandato, como também perdeu o controle
da escolha do seu sucessor militar. Seu grupo perdeu a disputa para uma forte
base militar, carimbada de “linha dura”. Se a intervenção militar terminasse
com o governo Castelo Branco, eles, os militares, daí em diante, face à grande
obra realizada, seriam vistos como uma referência, um referencial de solução
alternativa para os períodos de crise. Para o povo, passariam a ser tidos como
uma espécie de poder moderador, até onde a vista alcançasse. Essa visão só
seria diluída ao longo dos anos, caso o retorno da sociedade civil ao comando
da política nacional seguisse uma senda de eficiente normalidade
político-administrativa.
Dada minha visão sobre o
governo Castelo Branco, gostaria de apreciar os demais governantes, em bloco,
destacando, todavia os pontos relevantes de cada um e apontando os equívocos e
fracassos.
Após o governo Castelo Branco,
houve mais quatro períodos governamentais sob o comando militar, a saber: Costa
e Silva, o triunvirato formado pelos ministros das três armas, Médici, Geisel e
Figueiredo.
Frise-se de logo que o chamado
grupo castelista perdeu a disputa para a turma da linha dura, e o general Costa
e Silva, então ministro da guerra, teve seu nome imposto ao colégio eleitoral.
Costa e Silva deu continuidade às linhas gerais do governo Castelo Branco, mas
a linha econômica sofreu uma inflexão com a chegada de Delfim Neto ao
ministério da fazenda.
Delfim Neto, que já se
declarou uma espécie de socialista Fabiano, era um homem que acreditava em um
estado intervencionista, protagonista de forte dirigismo econômico,
contrariamente à postura dos seus antecessores, a notável dupla Roberto
Campos/Otávio Gouveia de Bulhões, que tinha colocado a economia nacional e as
finanças públicas na linha, sobre ter combatido paulatinamente a inflação,
trazendo-a para níveis, no mínimo, toleráveis, face ao descalabro anterior.
O sucesso de um governo será
sempre apreciado, em dose maior, pelo que aconteceu com a economia. O povo ama,
conscientemente ou não, a ordem e a estabilidade, mas o que mais influencia a
sua opinião é sentir que sua vida está melhorando, que há emprego disponível e
salários crescentes. Havendo isso, logicamente tudo corre melhor também para os
autônomos e os empresários. É uma espécie de jogo em que todos ganham. Como
disse James Carveille, “É a economia, estúpido”. Delfim amava e tinha gana pelo poder. Almejou, em determinado
período, quando seu prestígio estava bem alto, ser a alternativa civil na
sucessão militar. Cortejava os militares, batendo continência para os de cima,
enquanto empurrava para baixo quadros civis que pudessem ameaçar o seu pequeno
reinado.
Estou-me detendo nele porque,
ao meu ver, ele representa o sucesso e o fracasso no período militar. E, aqui,
vem uma indagação: pode o sucesso trazer em si mesmo as sementes de sua destruição.
Acho que sim e gosto de dar exemplos para ser melhor entendido, eis que a
simples hipótese muitas vezes não basta.
As políticas econômicas pelos
políticos chamadas de “indução do desenvolvimento pelo Estado” não passam de um
desenfreiamento do Keynesianismo, uma espécie de Keynesianismo desnaturado. E
por que desnaturado? Porque Keynes advogava a injeção de liquidez na economia
mediante aumento dos empréstimos e gastos públicos somente como remédio
anticíclico, a ser aplicado para reverter um momento de forte depressão
econômica. Como a fórmula do aumento dos gastos públicos soa como música aos
ouvidos dos políticos, que assim veem suas reivindicações, por mais
estapafúrdicas, atendidas, e como nos primeiros anos tal política tem
resultados positivos no aumento da produção, da renda e do emprego, o povo
também adora.
É como aquele filho que assume
o comando da economia da família e põe de lado a austeridade econômica do pai e
começa a atender as reivindicações de todos: carro novo para um, viagem de
férias para outro, troca de casa menor por uma maior e em local mais chique
etc. No início é uma farra, mas, quando as faturas começam a chegar, o desastre
vem junto.
Isso aconteceu na Argentina
com os Kirchners, e com o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma, quando
a farra comeu solta. Muita gente advertiu que a festa, que parecia para sempre,
terminaria em tragédia econômica, assim na Argentina como no Brasil. E não deu
outra coisa.
Governo nenhum produz riqueza;
governo se apropria da riqueza gerada pelos contribuintes para gastar, no mais
das vezes, mal e, sempre, a custos fora da realidade.
A dupla Roberto Campos/Bulhões
deixou o Brasil crescendo em bom e duradouro ritmo. Delfim resolveu tirar
coelhos da cartola, mas a cartola de Mandrake não produz realidades, produz
ilusões.
O governo Médici, o ponto alto
do emprego da força, foi o período mais aplaudido, mas naquele sucesso estavam
as sementes dos problemas que viriam.
Quando Geisel vem como
sucessor, o modelo estava esgotado, mas ele parte para uma respiração
boca-a-boca aprofundando um grande projeto de substituição de importações, com
a adoção de todo tipo de protecionismo para assegurar a criação de fábricas de
custos altíssimos e de qualidade ruim. Esse tipo de política tem sido uma
verdadeira praga na América Latina, que seguiu a receita do estruturalismo
econômico de Raúl Prebisch e outros, sob inspiração dos postulados da Cepal.
Assisti em São Paulo, no
início dos Anos Noventa, uma palestra do CEO de uma grande multinacional
petroquímica. Ele contava que fora chamado pelo governo para abrir uma
indústria de um determinado insumo petroquímico. Ele ponderou que a indústria
era economicamente inviável produzindo somente 30 mil toneladas, que era o
consumo nacional para o tal produto. Aduziu que essa fábrica só poderia ser
competitiva com o produto importado a partir de uma produção mínima de 150 mil
toneladas. Foi dito pelo governo que
seria criado uma alíquota de importação que equalizasse o baixo custo externo
com o alto custo interno. Naquele exato momento estava sendo criado mais um
“campeão nacional” e por esse caminho foram sendo criados novas e ineficientes
indústrias. Quando uma grande alíquota de importação não era aplicada ao
produto estrangeiro, esse produto passava a receber subsídios governamentais,
ou simplesmente entrava na lista de itens de importação proibida. A coisa
chegou a um ponto que, quanto Collor foi eleito, havia cerca de três mil itens
de importação proibida, inclusive computadores e seus implementos.
Acontece que essas indústrias
substitutivas de importação a um custo exorbitante contaminam toda a cadeia
produtiva, inclusive das indústrias dantes competitivas, eis que no mais das
vezes a produção de uma indústria é insumo para outra. Por exemplo, a produção
de fertilizantes, herbicidas e inseticidas são insumos para a produção
agrícola. Não preciso continuar na análise das consequências da contaminação da
cadeia produtiva por produtos nacionais de custas altos e baixa qualidade
porque isso está à vista de todos.
O sucesso inicial de um
acelerado desenvolvimento deveu-se também à contração de uma enorme dívida
pública em dólar. O Brasil era praticamente um país sem débito externo. Como
havia uma grande liquidez internacional propiciada pela reciclagem dos chamados
petrodólares, caracterizado pelo enorme acúmulo de reservas pelos países
exportadores de petróleo, cujas economias, pequenas, não podendo absorver tal
volume de divisas, reciclavam-nas, via grandes bancos, no mercado de crédito
internacional. O governo, em vez de deixar que somente as empresas privadas
fossem se financiar no mercado internacional, a juros então baixíssimos,
contraiu fortes empréstimos para a execução de um grande projeto de obras
públicas, algumas faraônicas e de necessidade discutível. Quando a inflação
internacional explodiu, os juros foram para a estratosfera levando o governo ao
corner, engolfado em problemas cambiais.
Essa trilha, de um
voluntarista e pueril nacionalismo econômico, contaminou outros governos
militares da América Latina, como os da Argentina e do Peru. Em todos, o final
das intervenções militares, por isso mesmo, foi melancólico.
Parece que assim dizendo estou
fazendo uma condenação tout court do
período militar vis-à-vis ao período civil, chamado de redemocratização, que se
seguiu. Não é bem isso que quero dizer porque, na verdade, tirante o retorno da
liberdade no campo político, no mais, o período militar dá de goleada. Mas isso
não quer dizer que não se possa crescer sustentadamente em regime de democracia
plena. É possível, sim, e os países mais avançados do mundo dão esse
testemunho. Acontece que os políticos brasileiros, acantonadas em verdadeiras
pocilgas morais a que dão o nome de partidos, continuaram com a errada política
de intervenção do Estado na economia, criação de entraves burocráticos e
regulamentares que tolhem o empreendedorismo, e, pior, criaram, como os fatos
estão a demonstrar, com o nome de democracia, uma verdadeira cleptocracia, uma
espécie de olimpíada para ver quem rouba mais.
Na próxima semana concluirei
essa série fazendo um balanço geral do período, sempre segundo minha particular
visão dessa rica fase da nossa história.
Um bom domingo (de Páscoa) para
todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 28-9-2017
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