domingo, 21 de abril de 2019

[Pensando alto] Reflexões sobre o período militar – parte IV (Acertos e equívocos)

Pedro Frederico Caldas

É a economia, estúpido!
James Carville

A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia.
Castelo Branco

Em 1991, logo após a Guerra do Golfo, noventa por cento da opinião pública apoiava Bush pai. No ano seguinte, por conta de problemas econômicos, sessenta e quatro por cento da opinião pública estava contra o presidente. James Carville, assessor da campanha do então candidato desafiante Bill Clinton, cunhou a frase “É a economia, estúpido!” (It is the economy, stupid!), querendo realçar o fator que seria determinante para a vitória eleitoral.

No último texto, o terceiro da série, falei sobre minha impressão do governo Castelo Branco. Não há como negar, foi um momento de grande avanço na reorganização e modernização da economia e das finanças públicas. Houve um quê de verdadeiramente revolucionário na nova conformação do Estado brasileiro, principalmente no campo político e econômico. Os outros governantes militares foram meros administradores da herança castelista. Em boa medida, não estiveram à altura da herança recebida.

Castelo Branco [foto], ao que tudo indica, achava que a intervenção militar seria encerrada com o seu governo, quando seriam realizadas as eleições para escolha do novo presidente, mas teve de engolir não só a prorrogação de seu mandato, como também perdeu o controle da escolha do seu sucessor militar. Seu grupo perdeu a disputa para uma forte base militar, carimbada de “linha dura”. Se a intervenção militar terminasse com o governo Castelo Branco, eles, os militares, daí em diante, face à grande obra realizada, seriam vistos como uma referência, um referencial de solução alternativa para os períodos de crise. Para o povo, passariam a ser tidos como uma espécie de poder moderador, até onde a vista alcançasse. Essa visão só seria diluída ao longo dos anos, caso o retorno da sociedade civil ao comando da política nacional seguisse uma senda de eficiente normalidade político-administrativa.


Dada minha visão sobre o governo Castelo Branco, gostaria de apreciar os demais governantes, em bloco, destacando, todavia os pontos relevantes de cada um e apontando os equívocos e fracassos.

Após o governo Castelo Branco, houve mais quatro períodos governamentais sob o comando militar, a saber: Costa e Silva, o triunvirato formado pelos ministros das três armas, Médici, Geisel e Figueiredo.

Frise-se de logo que o chamado grupo castelista perdeu a disputa para a turma da linha dura, e o general Costa e Silva, então ministro da guerra, teve seu nome imposto ao colégio eleitoral. Costa e Silva deu continuidade às linhas gerais do governo Castelo Branco, mas a linha econômica sofreu uma inflexão com a chegada de Delfim Neto ao ministério da fazenda.
               
Delfim Neto, que já se declarou uma espécie de socialista Fabiano, era um homem que acreditava em um estado intervencionista, protagonista de forte dirigismo econômico, contrariamente à postura dos seus antecessores, a notável dupla Roberto Campos/Otávio Gouveia de Bulhões, que tinha colocado a economia nacional e as finanças públicas na linha, sobre ter combatido paulatinamente a inflação, trazendo-a para níveis, no mínimo, toleráveis, face ao descalabro anterior.

O sucesso de um governo será sempre apreciado, em dose maior, pelo que aconteceu com a economia. O povo ama, conscientemente ou não, a ordem e a estabilidade, mas o que mais influencia a sua opinião é sentir que sua vida está melhorando, que há emprego disponível e salários crescentes. Havendo isso, logicamente tudo corre melhor também para os autônomos e os empresários. É uma espécie de jogo em que todos ganham. Como disse James Carveille, “É a economia, estúpido”.    Delfim amava e tinha gana pelo poder. Almejou, em determinado período, quando seu prestígio estava bem alto, ser a alternativa civil na sucessão militar. Cortejava os militares, batendo continência para os de cima, enquanto empurrava para baixo quadros civis que pudessem ameaçar o seu pequeno reinado.
               
Estou-me detendo nele porque, ao meu ver, ele representa o sucesso e o fracasso no período militar. E, aqui, vem uma indagação: pode o sucesso trazer em si mesmo as sementes de sua destruição. Acho que sim e gosto de dar exemplos para ser melhor entendido, eis que a simples hipótese muitas vezes não basta.
               
As políticas econômicas pelos políticos chamadas de “indução do desenvolvimento pelo Estado” não passam de um desenfreiamento do Keynesianismo, uma espécie de Keynesianismo desnaturado. E por que desnaturado? Porque Keynes advogava a injeção de liquidez na economia mediante aumento dos empréstimos e gastos públicos somente como remédio anticíclico, a ser aplicado para reverter um momento de forte depressão econômica. Como a fórmula do aumento dos gastos públicos soa como música aos ouvidos dos políticos, que assim veem suas reivindicações, por mais estapafúrdicas, atendidas, e como nos primeiros anos tal política tem resultados positivos no aumento da produção, da renda e do emprego, o povo também adora.
               
É como aquele filho que assume o comando da economia da família e põe de lado a austeridade econômica do pai e começa a atender as reivindicações de todos: carro novo para um, viagem de férias para outro, troca de casa menor por uma maior e em local mais chique etc. No início é uma farra, mas, quando as faturas começam a chegar, o desastre vem junto.
               
Isso aconteceu na Argentina com os Kirchners, e com o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma, quando a farra comeu solta. Muita gente advertiu que a festa, que parecia para sempre, terminaria em tragédia econômica, assim na Argentina como no Brasil. E não deu outra coisa.
               
Governo nenhum produz riqueza; governo se apropria da riqueza gerada pelos contribuintes para gastar, no mais das vezes, mal e, sempre, a custos fora da realidade.
               
A dupla Roberto Campos/Bulhões deixou o Brasil crescendo em bom e duradouro ritmo. Delfim resolveu tirar coelhos da cartola, mas a cartola de Mandrake não produz realidades, produz ilusões.
               
O governo Médici, o ponto alto do emprego da força, foi o período mais aplaudido, mas naquele sucesso estavam as sementes dos problemas que viriam.
               
Quando Geisel vem como sucessor, o modelo estava esgotado, mas ele parte para uma respiração boca-a-boca aprofundando um grande projeto de substituição de importações, com a adoção de todo tipo de protecionismo para assegurar a criação de fábricas de custos altíssimos e de qualidade ruim. Esse tipo de política tem sido uma verdadeira praga na América Latina, que seguiu a receita do estruturalismo econômico de Raúl Prebisch e outros, sob inspiração dos postulados da Cepal.
               
Assisti em São Paulo, no início dos Anos Noventa, uma palestra do CEO de uma grande multinacional petroquímica. Ele contava que fora chamado pelo governo para abrir uma indústria de um determinado insumo petroquímico. Ele ponderou que a indústria era economicamente inviável produzindo somente 30 mil toneladas, que era o consumo nacional para o tal produto. Aduziu que essa fábrica só poderia ser competitiva com o produto importado a partir de uma produção mínima de 150 mil toneladas.  Foi dito pelo governo que seria criado uma alíquota de importação que equalizasse o baixo custo externo com o alto custo interno. Naquele exato momento estava sendo criado mais um “campeão nacional” e por esse caminho foram sendo criados novas e ineficientes indústrias. Quando uma grande alíquota de importação não era aplicada ao produto estrangeiro, esse produto passava a receber subsídios governamentais, ou simplesmente entrava na lista de itens de importação proibida. A coisa chegou a um ponto que, quanto Collor foi eleito, havia cerca de três mil itens de importação proibida, inclusive computadores e seus implementos.
               
Acontece que essas indústrias substitutivas de importação a um custo exorbitante contaminam toda a cadeia produtiva, inclusive das indústrias dantes competitivas, eis que no mais das vezes a produção de uma indústria é insumo para outra. Por exemplo, a produção de fertilizantes, herbicidas e inseticidas são insumos para a produção agrícola. Não preciso continuar na análise das consequências da contaminação da cadeia produtiva por produtos nacionais de custas altos e baixa qualidade porque isso está à vista de todos.
               
O sucesso inicial de um acelerado desenvolvimento deveu-se também à contração de uma enorme dívida pública em dólar. O Brasil era praticamente um país sem débito externo. Como havia uma grande liquidez internacional propiciada pela reciclagem dos chamados petrodólares, caracterizado pelo enorme acúmulo de reservas pelos países exportadores de petróleo, cujas economias, pequenas, não podendo absorver tal volume de divisas, reciclavam-nas, via grandes bancos, no mercado de crédito internacional. O governo, em vez de deixar que somente as empresas privadas fossem se financiar no mercado internacional, a juros então baixíssimos, contraiu fortes empréstimos para a execução de um grande projeto de obras públicas, algumas faraônicas e de necessidade discutível. Quando a inflação internacional explodiu, os juros foram para a estratosfera levando o governo ao corner, engolfado em problemas cambiais.
               
Essa trilha, de um voluntarista e pueril nacionalismo econômico, contaminou outros governos militares da América Latina, como os da Argentina e do Peru. Em todos, o final das intervenções militares, por isso mesmo, foi melancólico.
               
Parece que assim dizendo estou fazendo uma condenação tout court do período militar vis-à-vis ao período civil, chamado de redemocratização, que se seguiu. Não é bem isso que quero dizer porque, na verdade, tirante o retorno da liberdade no campo político, no mais, o período militar dá de goleada. Mas isso não quer dizer que não se possa crescer sustentadamente em regime de democracia plena. É possível, sim, e os países mais avançados do mundo dão esse testemunho. Acontece que os políticos brasileiros, acantonadas em verdadeiras pocilgas morais a que dão o nome de partidos, continuaram com a errada política de intervenção do Estado na economia, criação de entraves burocráticos e regulamentares que tolhem o empreendedorismo, e, pior, criaram, como os fatos estão a demonstrar, com o nome de democracia, uma verdadeira cleptocracia, uma espécie de olimpíada para ver quem rouba mais.
               
Na próxima semana concluirei essa série fazendo um balanço geral do período, sempre segundo minha particular visão dessa rica fase da nossa história.

Um bom domingo (de Páscoa) para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 28-9-2017

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