Cada época é salva por um punhado de homens que têm a coragem de
não serem atuais.
Chesterton
Para todo problema complexo existe sempre uma resposta simples,
elegante e completamente errada.
Henry L. Mencken
Prometi pronunciar-me a
respeito dos apontamentos e comentários feitos aos cinco textos que publiquei
sob o título “Reflexões sobre o Período Militar”. Dei um tempo para a chegada
de novos apontamentos. Agora, me pronunciarei, como prometido.
Primeiramente, devo dizer que
nada tenho a opor ao que me disseram os que me deram a honra de ler meus textos
e tecer os comentários que consideraram oportunos. Esses apontamentos me foram
lançados no próprio texto, ou através de mensagem, ou via e-mail.
Ninguém mandou nada que fosse
contra a verdade factual. Cada um fez, a partir de fatos e dados verdadeiros,
uma leitura impelida por sua mundividência, assim como, dos mesmos fatos e
dados nutri a visão histórica que tenho daquele período.
Quando interpretamos os fatos
sociais, operamos embebidos em nossos conhecimentos, nossas crenças, nossa
perspectiva filosófica, trazendo vieses que construímos através de nossa
trajetória intelectual e de nossa experiência de mundo. A ninguém falta isso,
mesmo àqueles que se não consideram, em qualquer medida, intelectuais. Está
sempre presente portanto o risco de nossa interpretação refletir, no todo ou em
parte, as posições preconcebidas sobre o mundo e seus fenômenos sociais. Esse aparato de que se serve o observador
pode perturbar, em maior ou menor escala, o objeto analisado, fazendo-o extrair
da análise encetada conclusões não condizentes com a realidade diversa daquela
que suas convicções gostariam que fosse, embora mais verdadeiras se mostrassem,
se o observador tivesse a necessária isenção para tanto.
Não há na língua portuguesa,
que me recorde ou me ocorra, uma palavra que bem traduza esse fenômeno. Na
língua inglesa há. Os anglófilos usam o termo “bias” para traduzir tal
fenômeno, cuja melhor translação para o português talvez seja os termos “viés”,
“inclinação”, “tendência”. Assim é que se diz que o viés ideológico do
intérprete dos fatos sociais pode estar perturbando a tradução do que seria a
verdade factual, substituída por interpretação tendenciosa.
Como às vezes tenho
dificuldade em ser claro no raciocínio, pelo mau manejo das palavras, gosto
sempre de recorrer a exemplos esclarecedores.
Assim, como exemplificação e
somente para tal fim, examinemos o pretenso papel dos Estados Unidos na tomada
do poder pelos militares em 1964. Há teorias não alicerçadas em fatos cabais de
que os Estados Unidos teriam incentivado o golpe e teriam aprestado uma
esquadra para uma eventual guerra civil.
Dificilmente esse país não
teria acompanhado com vivo interesse o que ocorreu antes, durante e após o
movimento militar. Isso seria a coisa mais natural, principalmente em se
tratando, como se tratava, de um aliado da importância do Brasil, além do fato
de estar localizado em uma zona de incontrastável influência americana. Mais importante
ainda quando se leva em conta o pano de fundo que tratei no texto inaugural
desta série, traduzido na luta, em escala global, contra a expansão do
comunismo, ou de regimes favoráveis ao fortalecimento do poderio soviético e
seus naturais desdobramentos geoestratégicos.
O que quero dizer é que um
fato que poderia ser encarado com certa naturalidade pelos que temiam a
expansão do bolchevismo é visto como um escândalo pelos que torciam pela
derrocada do capitalismo e que, por isso mesmo, sempre têm os Estados Unidos
como alvo predileto pelo seu papel inegável de líder da democracia e do
capitalismo. Verdade ou não, essa hipótese sempre será brandida pelos
adversários do movimento militar, mesmo que não tenha influído em seu bom
sucesso, sequer tenha sido historicamente comprovado. É como a história das
duas pessoas que encontram uma concha gigantesca na praia. Postado de um lado,
uma delas diz que ela e côncava, a outra, do lado oposto, diz que é convexa.
Meu relato, como disse no
início, era uma visão, para mim muito clara, do que se passou. Não poderia em
pouco mais de três dezenas de páginas analisar mais de vinte anos de história
repletos de fatos e mais fatos que se desdobraram à vista de quem viveu aquele
período.
Fui lembrado, por exemplo, com
muita razão, não ter abordado as possíveis resistência à tomada do poder. Não o
fiz por economia de relato e mesmo porque tal resistência jamais se
materializou, ficando somente no campo das potencialidades e daqueles relatos
que se traduzem num “poderia ter sido assim”, que mais alvejam um irrealizado
desejo. A realidade última é que o poder foi tomado sem a deflagração de um só
tiro, um mísero tirozinho, sequer.
Alguns apontamentos referem-se
a possíveis, mas nunca provados atos de corrupção imputados ao Cel. Mário David
Andreazza e ao ministro Delfin Netto, este, alvo do chamado “Relatório
Saraiva”, feito por um adido militar, quando Delfim era embaixador brasileiro
na França. Por tudo que li, o famoso relatório quedou sem nenhuma demonstração
cabal de alguma corrupção praticada pelo então embaixador Delfim Netto. Quanto
a Mário Andreazza, nada também se conseguiu apurar, restando provado somente
que quando deixou o governo continuou com sua vida modesta de coronel do
exército e, uma vez morto, o inventário retratava a modéstia de seu patrimônio.
Portanto, não seria eu o instrumento adequado para continuar a espicaçar a
memória de um e a biografia do outro. Aliás, nada pode mais incomodar o Delfin
do que lhe pespegar, como fiz, o título de criador da híper inflação
brasileira, legado do qual jamais ele irá se orgulhar ou admitir sem rebuços. O
biombo onde se esconde dessa vergonha sempre foi e sempre será o da crise do
petróleo.
Ser ingênuo e pensar que
nenhuma corrupção houve, jamais. Principalmente uma pessoa que pensa, como
penso, que o estado é corrupto e corruptor. Como já advertiu Ronald Reagan “não
espere que solução venha do governo, o governo é o problema”. Quanto mais
estado, maior a possibilidade de corrupção. Vejam que a corrupção nasce e é cevada
nas entranhas do Estado e de suas empresas: Petrobrás, Correios, Caixa
Econômica, BNDES, Nuclebrás, Valec, fundos de pensão estatais...
Houve anotações sobre o papel
da imprensa. Os grandes órgãos deram apoio ao movimento militar, sob o
pressuposto de que estavam evitando o mal maior, a implantação de um regime
comunista, ou, no mínimo, uma república sindicalista perdida na demagogia e na irresponsabilidade
econômica, financeira e administrativa.
Dos grandes jornais, só a
Última Hora não deu apoio. O Estadão, de quadros conservadores e democratas,
como um natural reflexo da família proprietária, os Mesquitas, que lutou
bravamente contra a ditadura varguista, deu apoio. O Globo, de propriedade da
família Marinho, lançou editorial de apoio entusiástico.
Inclusive, um dileto e sempre
atento amigo enviou-me a cópia do editorial. Um jornal de grande expressão,
salvo engano o Correio da Manhã, depois do comício da Central do Brasil, ocupou
a primeira página com uma manchete de três palavras: BASTA/CHEGA/FORA!, pedindo
retumbantemente a deposição de Jango.
Em termos gerais, os meios de
comunicação apoiaram por todo o Brasil o movimento militar. Depois do governo
Castelo Branco, quando ficou claro que uma ditadura se instalava, o Estadão
muda de trincheira e começou, dentro de sua melhor tradição, a resistência
democrática. Instalada a censura à imprensa, aquilo que era censurado o jornal
substituía por receitas e versos dos Lusíadas, o que dava a todos a senha de
que a edição estava sob censura. Enquanto isso, a Rede Globo de Televisão se
expandia e a família proprietária colaborava galhardamente com o regime, num
processo incessante de enriquecimento de seu império. Assim continuou, até
hoje, apoiando todos os governos, com exceção do final do segundo período de
governo Fernando Henrique, que não abrira ilimitadamente, como eles queriam, as
burras dos bancos estatais, principalmente do BNDES, a juros subsidiados pelos
contribuintes, para livrá-los de uma situação de quase derrocada econômica,
provocada por errôneos investimentos na Net. Logo que Lula foi eleito, os
próceres do novo governo deixavam claro que o socorro à Globo era algo de
interesse nacional(!). José Dirceu, por exemplo, deixou isso claríssimo no
programa de televisão Roda Viva. Lula, aparentemente um antípoda para
capitalistas como os Marinho, ancorou todo um Jornal Nacional, sob o ar
embevecido de seu principal jornalista e locutor. Ali se selava um improvável
conúbio político.
Presentemente, algo de muito
estranho ocorre, pelo seu apoio incondicional à derrubada do governo Temer. Não
me parece que isso se dê por questões morais, ou nobre tentativa de restaurar
os bons costumes políticos. Negócios da Globo...
Fico com a impressão final de
que desagradei a quase todos meus caros leitores, ou frustrei suas melhores
expectativas. A muitos, defensores do período militar, porque procurei
demonstrar que o chamado “Milagre Brasileiro” não passou de medidas tomadas
que, mais cedo ou mais tarde, resultariam na reversão do boom econômico; outros
muitos, porque considerei o período do governo Castelo Branco o melhor momento
da República. Foi uma pena que essa linha de atuação não tivesse sido mantida
ao longo do tempo. Se assim fosse, a situação econômica do Brasil teria
continuado numa senda virtuosa, como aconteceu no Chile. Os mais radicais devem
ter ficado incomodados por ter assoalhado uma verdade para mim inconteste.
Trata-se do fato de a motivação da luta armada não ter sido a restauração da
democracia no Brasil, mas uma tentativa solerte, quase louca, de implantar o
totalitarismo comunista. Entretanto, uma coisa parece que restou patente, não
dá para comparar o desempenho do período militar com o da restauração da
democracia. No plano econômico, administrativo, moral e do combate à
criminalidade aquele período ganha, como sublinhei, de goleada.
Mas é assim mesmo, a história
das nações é talhada por fatos positivos e negativos. Ao cabo de tudo, o que
interessa mesmo é a soma algébrica de tudo isso, que se mostrará positiva, ou
negativa, como se diz vulgarmente, “ao frigir dos ovos”.
Uma coisa tentei: ser
verdadeiro e ter usado ingente esforço em evitar o “bias” direcionando a minha
pena. Em dívida e em falta, aqui e acolá, com meus amigos leitores, só me resta
desejar:
Um bom domingo para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 26-10-2017
Colunas anteriores:
Verdades incômodas (1) e a coruja do beiral
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