O sangue nos torna parentes, mas a lealdade é que nos torna
família.
Minhas duas queridas
cunhadinhas, Cristie (Cristiane) e Telinha (Maristela), estão conosco há cerca
de vinte dias. A casa, nessas ocasiões, fica mais feliz ainda, se tanto é
possível.
Nêga, a tal, leva-as quase
todos os dias para o mall (shopping center), lojas de departamento, lojas
especializadas etecetera e tal. Como todas as mulheres, mais olham do que
compram, compram e devolvem para de novo comprar e devolver, até que algo reste
comprado. Por aqui, os departamentos de atendimento aos clientes aceitam
qualquer desaforo, ou qualquer abuso do consumidor, com um sorriso nos lábios.
A ordem parece ser: atendam qualquer absurdo que, ao final, sempre lucraremos
alguma coisa e manteremos a fidelidade da clientela. Coisas do Capitalismo, ou
“o reino do consumidor”. Já vi gente usar um objeto meses e depois devolver
porque não gostou. O cliente, esse ser indecifrável, sempre tem razão: o dono
do dinheiro, que faz a economia rodar, sempre tem razão, por mais estapafúrdica
que seja. Mas deixemos esse negócio de compras para lá, que isso não me
interessa.
Entretanto, não chutarei o
tema para escanteio antes de lhes contar uma estorinha pessoal. Em uma das
minhas frequentes idas ao querido Brasil, estava eu, euzinho mesmo, no shopping
center do meu querido bairro de Higienópolis, para mim o melhor de São Paulo,
do que juro e dou fé. Aliás, para provar que é o melhor da Paulicéia não
precisa argumento maior do que dizer que lá mora meu amigo-irmão Salazar, com a
“Nêga” dele, a queridíssima Gabi. E esse fato, por si só, faz de Higienópolis o
que há de melhor em São Paulo? Pergunta boba se responde com golpes de lógica.
Se Salazar, mais que inteligente, ungido de sabedoria, mora lá, isso para mim
transforma a hipótese em constatação, em verdade auto evidente, e não aceito
mais discussão ou pergunta absurda sobre tema sabido e consabido. Pronto,
acabou!
Mas lá estava eu, no bonito e
famoso Shopping Pátio Higienópolis. Tinha saído do cinema, tomado um café com
rum na Ofner. Cumprido esse ritual, desci dois lances de escada e me quedei,
não sei bem por que, na contemplação de umas duas vitrines. Uma gentil e bonita
jovem, vendedora, perguntou se podia me ajudar. Com um sorriso de Buda Contente
– a la Salazar –, agradeci e disse-lhe que somente estava olhando quanto coisa existia
que eu não precisava comprar para ser feliz.
Em verdade vos digo, queridos
amigos, que o que eu disse à jovem vendedora é uma verdade modus in rebus.
Gosto de comprar, que Buda não sou, livros, iguarias, finas bebidas e ingressos
para shows que valham a pena, porque para shows de axé music só tenho uma
palavra: vade retro!
Feito esse introito, mais
longo do que o desejado, voltemos ao tema em epígrafe, que de conversa fiada já
deveis estar cheios.
Como quem não tem o que fazer
procura, fomos passar o aniversário da minha cunhada Telinha próximo daqui, a
duas horas de carro, no que existe de mais próximo do conceito de “paraíso na
terra”. Fomos para a linda, a escrupulosamente linda Naples, cidade pequena que
jaz às margens das cálidas e transparentes águas do Golfo do México.
A partir de pertinho daqui,
cerca de cinco milhas, saímos da estrada interestadual 95, de sentido
Norte-Sul, e começamos a cortar toda a Flórida, do Atlântico para o Golfo do
México, no sentido Leste-Oeste, vencendo somente pouco mais de 100 milhas (160
km), 77 das quais uma reta só, cortando os Everglades.
Ao cabo da estrada, lá está
ela, como uma princesinha linda, toda arrumada e cheia de amor para dar: Naples.
Os pontos mais quentes são a
Quinta Avenida (5th Avenue) e a terceira rua (3rd Street), e os entornos,
cheias de bares, restaurantes, casas de chá, lojinhas, pequenos, lindos e
idílicos bequinhos, como se deles alguma fadinha fosse aparecer a qualquer
momento.
Nos dois dias que lá passamos,
deixei o carro no hotel e “pernas para que te quero?”.
Todos os postes, de cor preta,
de ferro batido, encimados por lampiões, são abraçados por floreiras lindas e
multicoloridas. As calçadas, as gramas, as árvores, as flores e floreiras,
tudo, absolutamente tudo, de fina arte e beleza. Andar ao leu e parar de vez em
quando para “molhar a palavra”, faz parte do ritual. Nada de pressa. O dia, por
aqui, deveria ser de quarenta e oito horas, no mínimo, para podermos dobrar o
prazer e a leveza de viver. Passar umas férias e poder abandonar os corpos nas
areias brancas e finas de suas praias, aguá-los, como se regam flores preciosas
e delicadas, nas cálidas e transparentes águas do Golfo é algo que, em se
podendo, todos devêramos fazer, pois, como já disse em texto anterior, “If
you don´t indulge yourself, who will?”.
Após esse ritual de praia,
percorrer, a pé, não uma “via dolorosa”, mas sim “una dolce vita”, parando para
mimar o seu delicado estômago, molhar a palavra e se deixar baldio na mesa de
um bar, ou restaurante, ao ar livre, desesquecido de toda e qualquer agrura,
para oferecer a si próprio e a quem você ama tudo aquilo de bom que se merece.
Se acha que o nome disso não é
felicidade, redefina, por favor, seus melhores conceitos e procure ser mais
feliz. Há uma música popular brasileira, cujo nome não me lembro, que tem um
verso que diz: “felicidade não existe, existem momentos felizes”. Embora não
diga que isso seja uma verdade absoluta, diria que que o autor do verso não
estava tão longe do conceito.
Reservar uma parte do dia e,
de carro, percorrer o entorno, para ver as casas, plantadas em ruas parecidas
terem saído de um competente salão de beleza, com jardinagem primorosa, arcos
de madeira envoltos por lindas bougainvilles, flores variadas e em profusão,
tudo provando que os moradores sentaram âncoras no paraíso em que todos nós
aspiramos viver.
Na noite do dia em que
chegamos, nos abandonamos, com grande alegria, na mesa de um restaurante
italiano, deliciamo-nos com pratos de fino sabor, regados por vinho reserva de
fino aroma, retro olfato soberbo e sabor prolongado, mais que apropriado e bem
harmonizado com os pratos principais, e as entradas de cogumelos recheados
(stuffed mashrooms) e outras delicadezas. Após
o café, os garçons e outros serviçais do restaurante compareceram, sob o ritmo
de um tambor, para puxar um “happy birthday”, por todos entoado, inclusive
pelos gentis comensais das mesas vizinhas, em homenagem à nossa querida
aniversariante.
Por último, mas não menos
importante, saquei um fálico Montecristo, club selection, e, a
vagueantes passos lentos, com aprumo e galhardia, incensei a belíssima Quinta
Avenida. O imponente charuto passeou de boca em boca enquanto fotos eram
tiradas. Como vocês devem imaginar, para as minhas lindinhas os registros
fotográficos são mais importantes do que efémeras baforadas, ainda que de um
Montecristo.
No dia seguinte, após mais
passeios pelas encantadas ruas e pelo píer da cidade, sobre as águas do Golfo,
voltamos felizes e enlevados para casa, onde continuamos a badalar com nossas
hóspedes. Não, hóspede não é a palavra adequada para pessoas tão amadas e que
fazem parte necessária e querida de nossas vidas.
Hoje, como prolongamento e eco
do aniversário, fomos almoçar, bem tarde, no simples e bom Rendez-vous. Os
trabalhos começaram com entradas de escargots e duo terrine du chef,
antecedentes de steak au poivre vert e maigret de canard, escoltados por
deliciosa gratin dauphinois, feita na textura e consistência certas, comida
francesa honesta e saborosa cometida por verdadeiro chef francês, tudo sob a
supervisão do competente e encantador casal proprietário, ela parisiense, ele
madrilenho. Como a casa aceita, levei meu próprio vinho (serviço de rolha, onze
dólares), um aveludado zinfandel, de sotaque californiano, rotulado de
mischievous, safra 2014, da vinícola Macchia.
Como observação importante
devo registrar que já publiquei no Facebook fotos de nossa estada em Naples.
Isto posto, vida longa e feliz
para Telinha e um bom fim de semana para todos.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas, 4-3-2017
Colunas anteriores:
“Dará certo o governo Trump?”, perguntava Pedro Caldas, em janeiro de 2017
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