Aparecido Raimundo de Souza
O MENINO SE CHAMAVA JOÃOZINHO. Morava num subúrbio de São Paulo, numa
rua tranquila, povoada por muitas árvores copadas que dividiam espaços com uma
centena de casas e carros estacionados. Nessas plantações de frondes enormes,
pássaros os mais diversos vinham pousar, formando uma linda orquestração jamais
vista ou ouvida por seres humanos.
Parecia coisa de Deus. E era! Mas o garoto, escondido e de atiradeira
nas mãos e muitas pedras nos bolsos, não se constituía propriamente em alguma
coisa de alvitre necessário que Papai do céu, lá do alto de seu Paraíso,
aprovasse em sua Santa Sabedoria. Ficava o danado, por conta da sua arma e à
espreita, amoitado, para matar os pobres voadores. Bastava ver um, dando sopa,
mirava sem dó nem piedade.
O tiro ia certeiro, de encontro à avezinha, que atingida, coitada, caía
abatida em meio ao asfalto. Outras vezes, ao errar os alvos, as pedradas
acertavam nas asas ou nos pezinhos, fazendo com que elas morressem pelas
calçadas, esmagadas pelas pessoas que passavam, ou por carros velozes que
cruzavam, de um lado para outro.
Criaturas que se entrelaçavam com ele, ao vê-lo fazendo tamanha safadeza
e crueldade, ralhavam, batiam boca, davam conselhos, mas qual o quê! Joãozinho
não ligava. Não dava a mínima. Fazia cara feia, de poucas acolhidas ao sensato
e ainda, de roldão, respondia aos mais velhos com palavrões obscenos e
escabrosos.
Um dia, um pardalzinho pousou feliz, num dos fios de eletricidade perto
de um poste onde ele, recostado, vigiava, maquiavelicamente. Mais que depressa,
puxou a funda do bolso, colocou a pedra e apontou em direção onde a ave
pousara. Cuidadosamente, mirou. Ia atirar, quando uma das alças da arma
imprevistamente se desprendeu e diretamente veio bater, certeira e
irrefragável, em seu olho direito, causando por conta desse azar, uma dor
imensamente insuportável.
Atordoado, e sangrando bastante, o piá saiu em desabalada carreira
chorando e com as mãos encobrindo a parte do rosto esmigalhada. Correu claro,
debandou em direção à sua casa. Lá chegando, relatou como pode, aos gritos de
dor e desespero, o acontecido, à mãe. A coitada, pega de surpresa, e, sobretudo,
penalizada e aos clamores dos berros, convocou alguns vizinhos contíguos que o
levaram, a carro emprestado, para o pronto socorro mais próximo.
Quase nada, de súbito, pode ser feito, a não ser um papel com o devido
encaminhamento para um profissional atuante no ramo. Seis horas depois, o tal
médico de plantão, que atendeu, num primeiro momento e forneceu a guia
fatídica, informou, em rápido escorço, que o cordão do brinquedo havia
inutilizado, para sempre, a visão do desgraçado moleque.
Todavia, que a mãe capitaneasse o infante a um especialista sem mais
delongas. Sua opinião, como clínico geral, dava conta que Joãozinho ficaria
cego para o resto de seus dias, porém, a palavra derradeira deveria ser
sedimentada por alguém de peso e profundidade no assunto. Pois bem! A lição que
fica e queremos passar a vocês, notadamente aos petizes que vivem desfalcando a
natureza, é esta. Simples e direta. Sem subterfúgios ou meios termos. Se vocês
vivem de estilingues nas mãos, cerceando estupidamente a vida dos passarinhos,
cuidado: tomem como exemplo a lição infortunosa e sinistra de Joãozinho.
Ele, por não obedecer, e, igualmente, por ser mau, e, no lugar do
coração, carregar um monte de pedras brutas, se viu duramente castigado,
molestado na sua consciência. Embora a depois, seus pais (como de fato o
levaram a trocentos profissionais em centros de oftalmologia renomados), numa
corrida desenfreada contra o tempo, gastando, sem ter, mundos e fundos, em
conclusão da desdita, nada puderam fazer de real e palpável para a restituição
da antiga normalidade do órgão da visão afetado.
Em resumo, meus pequenos leitores: tomem este texto singelo como
exemplo. Não façam com os outros seres viventes (principalmente com os animais
indefesos), o que não gostariam arquitetassem, ou construíssem, jamais e
particularmente às suas próprias pessoas. De um detalhe importantíssimo lembrem
sempre. Hoje em dia, o INESPERADO não vem a cavalo. Voa, prezados, se movimenta
na velocidade inverossímil da Internet.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de
Freitas, no Rio de Janeiro. 25-6-2019
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