Rui Verde
Apesar do título, este artigo não se debruça sobre a polêmica auditiva que estalou entre o presidente João Lourenço e a empresária Filomena Oliveira. Esse foi um mau momento de Lourenço, que se enquadra na política comunicacional da pós-modernidade e a que devemos adaptar-nos. O que aqui nos interessa é tentar ouvir, para além de todo o barulho, o que se passa com a implementação do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) em Angola.
Comecemos por tentar entender
o que é o IVA e quais as suas possíveis vantagens. O IVA é um imposto que incide
sobre o valor adicionado por cada contribuinte; ou seja, é um imposto que vai
cobrar um determinado montante ao valor que cada contribuinte adiciona a
determinado produto ou serviço, antes de este chegar ao consumidor final.
Imaginemos um par de sapatos e
tomemos como exemplo uma situação muito simples: um sapateiro fabrica os
sapatos, depois de comprar a um fazendeiro a pele e a borracha para a sola.
Quando os sapatos ficam prontos, o sapateiro vende-os a uma loja do centro
comercial. O lojista coloca os sapatos em exposição na montra, para então serem
comprados por quem os queira usar.
Calculemos, agora, que o
sapateiro pagou 50 ao fazendeiro pela pele e pela borracha para fazer os
sapatos, e que depois vendeu os sapatos por 75 ao dono da loja. Isto quer dizer
que comprou o material por 50, transformou-o, e então vendeu-o por 75. Logo, o
valor acrescentado foi de 25. É sobre o montante de 25 que vai incidir o IVA
sobre o sapateiro.
Em seguida, o lojista que
comprou os sapatos por 75 vai vendê-los ao consumidor final – isto é, àquela
pessoa que olha para a montra, gosta dos sapatos e quer usá-los – por 125. Quer
isto dizer que o valor acrescentado é de 50. O IVA vai incidir sobre estes 50.
O sapateiro paga IVA sobre o seu valor acrescentado, enquanto o lojista paga
IVA sobre o valor que também ele adicionou: 50.
A partir deste exemplo,
facilmente se percebe quais são as vantagens em termos de técnica fiscal do
IVA: como é um imposto plurifásico, pois é liquidado em diferentes fases do
circuito econômico, acaba por não ter um efeito cumulativo. Isto é, cada um vai
pagando uma parcela, sem ser demasiado sufocante para nenhum dos agentes
econômicos. Por essa razão, quando comparado com outros impostos, há menos
hipóteses de evasão fiscal. O IVA minimiza a evasão fiscal devido ao facto de
ir acompanhando os vários intervenientes no processo produtivo e comercial. No
caso que analisamos, para ser possível a fraude, o fazendeiro, o sapateiro e o
lojista tinham de estar em conluio, o que sempre é mais difícil.
A isto acresce que o IVA é
transparente e tem um peso mínimo para cada um dos contribuintes, uma vez que é
recolhido em pequenos fragmentos nas várias fases de produção e distribuição.
Pelo facto de se basear no valor acrescentado, e não no valor total, o preço
dos produtos e serviços não aumenta em resultado do IVA. E, finalmente, o IVA
prevê a participação em massa dos contribuintes.
As vantagens do IVA do ponto
de vista fiscal são reforçadas pelas vantagens em termos de política econômica.
O IVA é um imposto que angaria muitas receitas ao Estado de forma razoavelmente
indolor. Isso acontece porque abrange todos os agentes econômicos, todos
aqueles que participam no processo produtivo. É por isso que o IVA é uma das
formas prediletas que os governos têm de aumentar impostos, pois consegue-se
aumentar em muito as receitas, dividindo o embate pelo maior número possível de
pessoas.
Obviamente que também há
desvantagens na introdução do IVA. A primeira das quais é a forma de cálculo do
valor acrescentado e a sua implementação. A isto acresce que a população tem de
estar consciente, para não existir uma evasão generalizada. Se ninguém pedir fatura
ou recibo, não há qualquer imposto para cobrar.
Significa isto que o Governo,
para aplicar e cobrar o IVA, tem de ter uma máquina oleada, tal como as
empresas têm de ter contabilidade organizada, tal como os consumidores devem
adquirir o hábito de pedir fatura ou recibo.
E é neste ponto que têm
surgido os grandes problemas, que levam a consequentes adiamentos. Alega-se que
a máquina fiscal angolana não funciona, que as empresas não têm contabilidade,
e que as pessoas não estão preparadas para pedir fatura.
Na verdade, sempre que existe
uma tentativa de reforma, levanta-se um coro de impossibilistas, que colocam
obstáculos a tudo e preferem manter-se na constante modorra do queixume.
Sejamos claros: a introdução
do IVA é um dos passos necessários para livrar Angola da excessiva dependência
do petróleo como fonte de receita do Estado, bem como para obrigar a máquina
fiscal a ser eficiente e as empresas a finalmente se organizarem de modo
profissional e com contabilidade organizada. O IVA é um patamar incontornável
para a modernização econômica e para a independência do petróleo.
Em última análise, a
introdução do IVA é, também, um elemento fulcral para a democratização do país,
pois a partir do momento em que as receitas do Estado dependam da população que
paga IVA e não só do petróleo, o governo fica obrigado a ouvir as pessoas. A
democratização da fiscalidade é um forte contributo para a democratização
política.
Em termos de fiscalidade
comparada, se olharmos para os vizinhos mais capazes de Angola, veremos que o
Botswana tem IVA desde 2002, a Namíbia pelo menos desde 2000, e na África do
Sul encontramos legislação ainda de 1991. Portanto, temos exemplos de países
próximos de Angola onde já existe IVA há muito tempo. Seria útil analisar de
que modo funciona o IVA nesses países, quais os problemas com que se defronta e
que vantagens trouxe.
Se clamamos por um presidente
da República reformista, temos de apoiar a reforma fiscal e a implementação
desta medida, e buscar os ensinamentos de outros países africanos para resolver
os problemas que vierem a colocar-se.
Título, Imagem e Texto: Rui
Verde, Maka Angola, 22-6-2019
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