Jorge Pontes
A farsa do “escândalo” causado pelo
vazamento das conversas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da
República Deltan Dallagnol nos traz algumas lições importantes.
A primeira é que ainda há
efetivamente um Brasil do atraso, atuando como um bandido velho e decrépito,
que reage desesperadamente com todas as suas energias, contra as forças das
mudanças, tão desejadas pela imensa maioria da nossa população.
A segunda é que já decorridos
cinco anos da primeira fase da Operação Lava Jato, e depois de duas eleições
para o Congresso Nacional, o nosso Parlamento aparentemente não passou pela
renovação política que a sociedade brasileira tanto almejava e necessitava.
A terceira é que o jogo jogado
pelas velhas oligarquias – e os partidos políticos que as sustentam – não têm
limites éticos nem freios para o enfrentamento da (talvez) última batalha
contra a onda de moralidade que vem varrendo suas bases. Os atores dessa
delinquência institucionalizada são capazes de se associarem ao underground da
espionagem internacional, de buscarem apoio em potências estrangeiras, e em
toda sorte de gangsterismo e mercenarismo periféricos. Não há fundo nesse poço
chamado velha política brasileira.
A quarta, e mais triste de
todas, é que alguns ministros do Supremo Tribunal Federal parecem estar
dispostos a concorrer para que essas forças do atraso prevaleçam. Aparentemente
não conseguem se livrar da influência daquelas lideranças políticas que os
indicaram para as suas respectivas cadeiras. Parecem não se importarem em funcionar
como guardiões do retrocesso.
A verdade é que nunca
estivemos tão perto de começar um processo eficaz para a desconstrução do
edifício do crime institucionalizado, que é capitaneado por grande parte dessa
elite política anacrônica. E é sabido que a presença de Sérgio Moro no
Ministério da Justiça e Segurança Pública será instrumental para que tal
processo avance.
Tudo o que se deseja com a
celeuma causada pelo vazamento criminoso desses diálogos (absolutamente
corriqueiros e que não encerram nenhuma irregularidade) é travar o avanço da
onda trazida pela operação de Curitiba. Os objetivos são claros: retirar o
ministro Moro de sua cadeira, enterrar o seu pacote anticrime, torpedear sua
indicação para o STF e, dessa forma, fazer a roubalheira voltar ao estágio
pré-Lava Jato, obviamente com a absolvição e soltura de todos os políticos
incriminados nos processos criminais julgados por Sérgio Moro.
Com tudo isso, percebemos que
a reforma a ser operada com o pacote anticrime é ainda mais relevante do que a
reforma da previdência, pois a primeira viabilizaria o início de um processo
que nos levaria, mais adiante, a um ambiente político e de negócios livre da
corrupção desenfreada das últimas duas décadas.
A reforma proposta pelo pacote
anticrime do ministro Sergio Moro deve preceder ou, no mínimo, ser operada em
concomitância com a reforma proposta pelo ministro Paulo Guedes. São dois
pilares necessários para o Brasil seguir em frente e se desenvolver. Não
podemos imaginar a economia do país saneada, gerando enormes superávits, com
centenas de bilhões de Reais injetados em investimentos de infraestrutura, e a
velha política pilotando os mesmos esquemas da delinquência institucionalizada
que nos levaram a crise atual. Estaríamos assim promovendo uma reforma para
enriquecer ainda mais essa mesma elite política criminosa que nos sequestrou.
As conquistas da Lava Jato
nunca correram um risco tão grande. Essa talvez seja a última das reações dos
operadores do crime institucionalizado contra os desejos da sociedade, mas
talvez seja a mais forte de todas, pois dela advirá um verdadeiro concerto de
contramedidas e ataques. Vão aproveitar para rever a prisão após sentença de
segunda instância e para travar o pacote anticrime, entre outros expedientes
escusos. A hora é da sociedade estar mais atenta do que nunca.
Título e Texto: Jorge
Pontes é delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol, Estadão,
13-6-2019
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