Entrada em vigor da parceria deve demorar
alguns anos
Pedro Rafael Vilela
Os países do Mercosul e da União Europeia formarão uma das maiores
áreas de livre comércio do planeta a partir do acordo anunciado ontem (28), em
Bruxelas. Juntos, os dois blocos representam cerca de 25% da economia mundial e
um mercado de 780 milhões de pessoas.
Quando se considera o número
de países envolvidos e a extensão territorial, o acordo só perde para o Tratado
Continental Africano de Livre Comércio, que envolve 44 países da África e foi
assinado em março deste ano. Mesmo assim, União Europeia e Mercosul fecharam o
maior acordo entre blocos econômicos da história, o que deve impulsionar
fortemente o comércio entre os dois continentes.
O acordo de livre comércio
eliminará as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos
comercializados entre os dois blocos. Para os produtos que não terão as tarifas
eliminadas, serão aplicadas cotas preferenciais de importação com tarifas
reduzidas. O processo de eliminação de tarifas varia de acordo com cada produto
e deve levar até 15 anos contados a partir da entrada em vigor da parceria
intercontinental.
De acordo com a Confederação
Nacional da Indústria (CNI), o acordo reduz, por exemplo, de 17% para zero as
tarifas de importação de produtos brasileiros como calçados e aumenta a
competitividade de bens industriais em setores como têxtil, químicos,
autopeças, madeireiro e aeronáutico. Um estudo da confederação aponta que, dos
1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a União Europeia,
68% enfrentam tarifas de importação. Com a abertura do mercado europeu para
produtos agropecuários brasileiros, que são altamente competitivos, mais
investimentos devem ser aplicados na própria indústria nacional, já que dados
do setor mostram que o agronegócio consome R$ 300 milhões em bens
industrializados no Brasil para cada R$ 1 bilhão exportado.
Para os países do Mercosul,
bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (e Venezuela, que está
suspensa), o acordo prevê um período de mais de uma década de redução de
tarifas para produtos mais sensíveis à competitividade da indústria europeia.
No caso europeu, a maior parte do imposto de importação será zerada tão logo o tratado
entre em vigor.
"Esse acordo dá nova vida
para o Mercosul, que nunca tinha feito uma negociação com grandes países, mas
apenas com nações de economia pequena, como Egito e Palestina. Agora, de fato,
demonstra-se valor do Mercosul", afirma Ammar Abdelaziz, consultor da BMJ
Consultoria.
Na opinião do embaixador José
Botafogo Gonçalves, vice-presidente do Centro Brasileiro Relações
Internacionais (Cebri) e ex-ministro da Indústria e Comércio do governo
Fernando Henrique Cardoso, além das vantagens comerciais do acordo, há uma
perspectiva de melhor coordenação regulatória entre os países do Mercosul.
"Esse acordo aumenta a responsabilidade da união aduaneira, que é o
Mercosul, na coordenação de suas políticas macroeconômicas, de maior
convergência nas políticas de comércio. Argentina, Paraguai e Uruguai têm que
se dar conta que o destino deles é comum", afirma.
Comércio e investimentos
Estimativas do Ministério da
Economia indicam que o acordo representará um aumento do Produto Interno Bruto
(PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país) brasileiro de US$
87,5 bilhões em 15 anos, podendo alcançar até US$ 125 bilhões se forem
considerados a redução das barreiras não tarifárias e o incremento esperado na
produtividade. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da
ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações
brasileiras para a União Europeia apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos
até 2035.
"Com a ampliação da pauta
de comércio, tanto importações e exportações, você favorece as trocas
comerciais com quem você fez acordo, você cria comércio com essa parte e desvia
comércio com outra parte. Vejo como uma estratégia de geopolítica importante,
ficamos menos dependentes, por exemplo, da exportação de commodities para
países como a China. Se a China trava o mercado, você não tem para quem
exportar. Agora, esse cenário fica mais favorável", prevê a economista
Danielle Sandi, professora do Departamento de Administração da Universidade de
Brasília (UnB).
Multilateralismo
O acesso privilegiado ao
mercado europeu é considerado uma das negociações mais complexas de se costurar
e, por isso, o anúncio desse acordo cria um ambiente positivo para que o
Mercosul possa consolidar outras negociações.
"É um acordo com um dos
blocos mais difíceis em questões de exigências sanitárias ou fitossanitárias,
por isso creio que vai facilitar negociações com outros países e blocos, como
os que estão andamento com o Canadá e os países do norte da Europa",
afirma Ammar Abdelaziz.
O acordo também legitima o
livre comércio e o multilateralismo, que têm estado sob constante ataque por
causa da guerra comercial entre China e Estados Unidos e adoção de medidas
protecionistas por diversos país. "O acordo pode mostrar um fôlego nessa
questão do multilateralismo. O comércio é o principal motor disso, mas isso
pode ser possível em outras áreas das relações internacionais também sejam
estimuladas", aponta Danielle Sandi.
Para o embaixador José
Botafogo Gonçalves, há uma crise do multilateralismo, por isso o acordo de
livre comércio entre União Europeia e Mercosul tem um peso geopolítico
fundamental no momento. "Quando se fala de multilateralismo comercial, que
é o objetivo da OMC [Organização Mundial do Comércio], nós temos que reconhecer
que há uma crise. O mundo não está preparado nem sei se vai voltar ao momento
anterior a essa crise. Enquanto isso não ocorre, você tem que ir para o
regionalismo, então o acordo entre Mercosul e UE preenche um vácuo deixado pelo
multilateralismo", avalia.
Ratificação
Mesmo após 20 anos de
negociação, ainda falta um longo caminho para que o acordo entre Mercosul e UE,
de fato, entre em vigor. Isso porque o tratado precisa ser ratificado e
internalizado por cada um dos Estados integrantes de ambos os blocos econômicos.
Na prática, significa que o acordo terá que ser aprovado pelos parlamentos e
governos nacionais dos 31 países envolvidos, uma tramitação que levará anos e
poderá enfrentar resistências.
"Tem uma tendência de
haver resistência nos Parlamentos de países europeus, especialmente de partidos
nacionalistas e também os ambientalistas", diz Ammar Abdelaziz, da BMJ
Consultoria. Segundo ele, não dá para estipular um prazo para a finalização
dessa ratificação por parte dos europeus. No caso brasileiro, o acordo agora
será analisado pelos ministérios envolvidos e depois será enviado para o
Congresso Nacional, onde tramitará por comissões e terá de aprovado tanto pela
Câmara dos Deputados quanto pelo Senado. "Em média, o Brasil leva em torno
de três a quatro ano para ratificar acordos internacionais, não vai ser menos
que isso".
É só no médio prazo que os
efeitos mais concretos do acordo de livre comércio poderão ser sentidos pela
população em geral, como eventuais quedas no preço de produtos importados e,
principalmente, aumento de investimentos e crescimento da economia. "A
perspectiva desse acordo para o cidadão comum é que a expansão do comércio se
reflita na expansão do PIB, e a partir do crescimento da economia haja mais
geração de emprego e renda e aumento da arrecadação para o governo",
explica Danielle Sandi, da UnB.
Título: Pedro Rafael Vilela;
Edição: Valéria Aguiar – Agência Brasil, 29-6-2019
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