sábado, 29 de junho de 2019

E a tua irmã, ela joga futebol?

Élisabeth Lévy

Em nome de uma utilização fraudulenta da igualdade, nos impõem um espetáculo que sai do seu enquadramento esportivo para se tornar um instrumento de reeducação das massas julgadas “sexistas”.

Nós fizemos a nossa parte. Conscientes do nosso lugar na lista premiada dos países women friendly, nós ligamos o nosso televisor para assistir aos jogos das Bleues (nome dado à seleção francesa feminina de futebol, NdT) – “um ato militante”, reconhecia um sociólogo no Libération.

Élisabeth Lévy, foto: Hannah Assouline
Durante alguns dias, a mídia se prestou à grande operação publicitária destinada a nos persuadir que a Copa do Mundo de Futebol Feminino nos entusiasmava, a todos nós. As gentes que passavam pelas calçadas disseram aos jornalistas o que estes queriam ouvir. Nosso caro Alain Finkielkraut tendo tido a audácia de expressar um gosto pessoal, no caso a sua inapetência pelo espetáculo de mulheres jogando futebol, aí o campo progressista ganhou uma cara de sofrência simbolizando um mundo predestinado a desaparecer. Estas bravas gentes não gostam que sigamos um caminho diferente do deles.

Infelizmente, apesar de toda a propaganda entusiasta, a grande festa do futebol não aconteceu. Certamente, nos lembraram exaustivamente que os jogos das “Bleues” tinham audiências estratosféricas. Alguns, como em Valenciennes, suscitaram mesmo um verdadeiro regozijo popular. Mas as ruas e os bistrôs permaneceram indiferentes à injunção de entusiasmo.

Pessoalmente, a perspectiva de ter doravante dose dupla de futebol, com dois Europeus, duas Copas do Mundo e tutti quanti, não me diz nada, mas se mulheres e meninas querem jogar futebol, até profissionalmente, elas devem ter a liberdade de o fazer. Todavia, essa liberdade não pode significar a proclamação urbi et orbi que se trata de um espetáculo fabuloso. Afirmação desmentida por inúmeros amantes de futebol, assim como as arquibancadas e as tribunas dos estádios muitas vezes vazias, apesar das bravatas da Fifa. Neste aspecto, o público – portanto, o mercado – decide.

Neste caso, o programado entusiasmo não tem a ver nem com o esporte, nem com o mercado. O futebol feminino, de agora em diante, faz parte da panóplia das boas causas feministas, e se tornam ocasiões para reeducar as massas e de as livrar dos seus preconceitos sexistas. Aqueles que repugnam a ideia de ver mulheres se enfrentar num campo de rugby não querem mandar as mulheres para as cozinhas? (Por isso, repetimos, não se vê sob qual argumento proibir-se-ia as mulheres de jogarem rugby.)

O chato aqui é que se trata de uma utilização fraudulenta da igualdade. Efetivamente, o esporte não é a última fronteira da igualdade, é um dos últimos refúgios da diferença dos sexos – enquanto a reprodução ela mesmo está a um passo de sê-lo. Nenhuma PMA (Procriação Medicamente Assistida) permitirá a campeãs de tênis ou de atletismo competirem com os homens (do mesmo nível).

A prova que não se dispensa tão facilmente esta divisão matricial da humanidade, muitos comentadores trocaram de lado para explicar que o futebol das mulheres era melhor que o dos homens porque elas não transformam o jogo em um confronto de testosterona... As mulheres podem atualmente fazer o que entenderem, inclusive se transformar em homens. A mais bela vitória do feminismo é, precisamente, o fato de que não precisam fingir de homens para serem livres. 
Título e Texto: Élisabeth Levy, Diretora de Redação da revista mensal “Causeur”, na semanal “Valeurs Actuelles”, nº 4308, de 20 a 26 de junho de 2019
Tradução: JP, 29-6-2019

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