Péricles Capanema
Amigos me solicitaram que escrevesse de novo sobre o chamado marxismo cultural — de momento tão relevante e na moda em decisivos meios de esquerda e na direita — e, de forma congruente, pusesse no texto informações pertinentes à Escola de Frankfurt [foto acima], atemorizador negotium perambulans in tenebris para tantos e com bons motivos. Apenas como informação provavelmente inócua, o artigo anterior “Esclarecimentos sobre o marxismo cultural”, está em meu blog desde 25 de fevereiro último.
Obediente, volto ao assunto.
De passagem, o hoje denominado marxismo cultural foi também chamado de marxismo
ocidental, aqui e ali é qualificado de Teoria Crítica, marxismo
da Teoria Crítica, um dos fundamentos doutrinários da revolução
cultural. Nem faz falta realçar a importância da revolução cultural (e a
consequente necessidade de estudar doutrinas e métodos seus e como a eles fazer
frente).
Para cortar caminho, deixar
claro o desatino da escola, embarafusto antes por atalho pouco trilhado,
pinceladas rápidas sobre dominação e emancipação, duas das obsessões da
referida escola. Seus mais conhecidos representantes blasonavam (não custa
lembrar, o marco inicial da escola poderia ser cravado em 1923, estamos em sua
terceira e quarta geração) o ideal de extinguir a dominação e levar até limites
ainda impensados a emancipação humana. E continuam a alardeá-lo. Não custa
lembrar por cima, cada vez que líderes de orientação igual ou parecida
afirmavam aplicar o marxismo à sociedade, na prática levavam a dominação e
sufocavam a emancipação a extremos delirantes. A Coreia do Norte está aí, Cuba
que o diga, a Venezuela sofre efeitos dantescos dos partidários da emancipação.
Sempre é bom lutar contra a
dominação? Em todas as situações deve ser buscada a emancipação? Dominação vem
de dominus, senhor. Dominação é o ato próprio do senhor. Se é má a
condição de senhor, maus serão seus atos. Emancipação, o que é? Emancipação
igualmente tem origem latina (mancipium, qualidade do proprietário).
Emancipar é extinguir a tutela do proprietário sobre outro ser.
Acontece que é boa e nobre a
condição de senhor. E assim, seus atos são bons. E são bons e nobres a condição
de súdito e o ato de obedecer. Censuráveis, excessos e carências em ambos os
casos, senhor e súdito.
Com efeito, a autoridade
existe para o bem do súdito. Removê-la em determinadas circunstâncias lesa o
inferior. De forma análoga, a emancipação prematura prejudica o emancipado.
Enquanto dura em condições adequadas, favorece o tutelado. Retirar o filho
menor da tutela do pai, emancipá-lo antes da hora, compromete presente e
futuro. Mais ainda, a autoridade e a dependência prolongam bons efeitos vida
afora, perfumam-na. Anos atrás, conversei com prima distante, três filhos
criados, casada com advogado rico em Belo Horizonte. Aparentemente tudo ia bem.
Uma queixa ia e vinha, a morte da mãe anos antes, fazia pouco o pai. Fechava e
abria a mão direita. “Me sinto um cachorro sem dono”, espetou o
dedo.
Em suma, é destruidor para o
desenvolvimento pessoal arrebentar todas as formas de dominação e promover a
desenfreada emancipação. Que o digam em lamentos lancinantes algumas regiões da
pobre e devastada África. Aqui rui nas bases o edifício da Escola de
Frankfurt, verdadeira Torre de Babel de incontáveis correntes de esquerda,
laboriosamente edificado ao longo dos anos.
Em boa hora para a esquerda
(péssima para nós) brotou a Escola de Frankfurt. Abriu-lhe
horizontes, pôs em evidência matérias imprescindíveis que a doutrina marxista
empurrava para o canto ou negava na bruta; enfim, fincou estacas doutrinárias a
uma ação revolucionária de maior profundidade que latejava por se expandir.
Movimento intelectual,
sobretudo filosófica e sociológica, passou longe do grande público, o que não
significa que teve pouca importância. Lembro a propósito, cinco camadas
envolvem a Terra: troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera.
Existem fenômenos nas quatro camadas superiores, que influenciam a troposfera,
ainda que desconhecidos de nós nela imersos. Assim na sociedade humana. A Escola
de Frankfurt influenciou a vida acadêmica e os estratos
intelectualizados dos movimentos revolucionários no mundo inteiro. E daí seus
conceitos embeberam meios de divulgação, a política, outros ambientes
intelectualizados e, finalmente, a sociedade em geral. Apenas uma pequena
ilustração, o maior guru do maio de 1968 e das agitações de Berkeley, um pouco
antes, foi Herbert Marcuse (1898-1979), um dos principais representantes da
referida escola.
O marxismo, materialista,
determinista e evolucionista procura explicar toda a realidade pela economia,
de outro modo, pelas forças de produção. Afirmei no artigo acima
mencionado: “Segundo o marxismo, o determinante na história é a
economia. E na economia os meios de produção, […] base das relações de
produção. As forças produtivas e as relações de produção dariam origem aos
modos de produção. Existem sete modos de produção: primitivo, asiático,
escravagista, feudal, capitalista, socialista e comunista. Um leva ao outro.
Temos aqui a infraestrutura. A superestrutura são as ideias e instituições
(entre elas, o Estado) que justificariam e garantiriam os modos de produção. O
socialismo nasceria apenas depois de a sociedade capitalista estar bem
desenvolvida. Por sua vez, o comunismo só depois do desenvolvimento do
socialismo. Para o momento, o importante é o determinismo da doutrina marxista.
Em doutrina, por ser determinista, desvaloriza o ato volitivo e relativiza por
inteiro o bom, o mau, o belo, o feio, o justo e o injusto, colocados na
superestrutura, dependentes das relações de produção. Até a ação política e o
proselitismo. Na prática, os partidos comunistas nunca agiram segundo a pura
doutrina marxista. Não foram deterministas, esperavam da ação partidária a aceleração
do dia em que surgisse o homem novo sonhado pela utopia.”
Antes, tínhamos o marxismo
focado em fatores econômicos. Não só deformava, limitava o horizonte. A Escola
de Frankfurt propôs a revolução não só na sociedade, mas no interior
do homem, privilegiou instintos, advertiu contra os perigos da razão [em
especial denunciou a razão instrumental, instrumento favorecedor da sociedade
capitalista em suas digressões].
capitalista em suas digressões].
Propugnou a liberação moral,
como atividade emancipadora. Enfatizou o papel central dos hábitos, das
mentalidades, das ideias. Enfim, do que se chamou a cultura e não apenas do
econômico. Daí ser titulada de marxismo cultural. Era marxismo ainda? Nas
bases, não. Mas era doutrina profundamente revolucionária, que servia como luva
para o avanço do comunismo no interior do homem e na sociedade. Voltarei ao
tema.
Título, Imagem e Texto: Péricles
Capanema, ABIM,
27-6-2019
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