Rui A.
Há uma velha frase indevidamente atribuída a Voltaire, mas que é, na verdade, da sua biógrafa
Evelyn Beatrice Hall (1868-1939), que sumaria exemplarmente o que não pode
nunca deixar de existir numa sociedade liberal ou livre, se preferirem evitar
conotações ideológicas, sob pena de deixar de o ser, por mais que se engane a
si mesma. A máxima é universalmente conhecida, reproduz muito bem o que era o
espírito do velho filósofo das «luzes» francesas, e é mais ou menos isto: «Eu
desaprovo o que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo».
O significado desta afirmação
é de elementar compreensão, e quer dizer que a liberdade de expressão – sem a
qual não existe sombra de democracia e liberdade – é exatamente para os
pensamentos e as pessoas com as quais não concordamos e que até por vezes nos
ofendem. Numa sociedade de pensamento uniforme – ou único, conforme se prefira
uma nomenclatura ocidentalizada ou soviética – é que ninguém se pode atrever a
sair da norma e, sobretudo, a dizê-lo em voz alta.
A propósito disto está, ou
parece estar, o artigo «racista» da Maria de Fátima Bonifácio. Mas não está.
Por mim, muito mais preocupante do que a senhora ter escrevinhado algumas
coisas insensatas, no meio de outras que até eram bastante ponderadas, têm sido
as reações ao que ela escreveu, no suposto uso daquele princípio atribuído a
Voltaire, e que a Constituição da nossa República consagra em vários lados, mas
muito especificamente no seu artigo 37º, nº 1, sob a forma de direito
fundamental, logo intangível até pela própria república em uníssono, assim ela
para aí estivesse virada: «Todos têm o direito de exprimir e divulgar
livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro
meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem
impedimentos nem discriminações».
As reações persecutórias a
Maria de Fátima Bonifácio, que não as de indignação, que são, obviamente, elas
também, formas de uso da liberdade de expressão, deviam-nos envergonhar a
todos, porque são próprias de regimes e mentalidades ditatoriais, fascistas ou
comunistas. A pretexto, já li e ouvi dizer que a senhora – que é uma acadêmica
notável, já agora – tem de ser expulsa da sua Universidade; já li e ouvi dizer
que a senhora tem de ser expulsa do Público e, quiçá, proibida de escrever na
imprensa portuguesa; já li e ouvi dizer, num discurso, esse sim, de ódio
incontido, que a senhora «tem que pagar pelo que fez» (mas que raio fez ela,
senão expressar o seu pensamento), e por aí vai. Enfim, um verdadeiro nojo,
próprio de pides e de bufos, mas um nojo que não é acidental, nem sequer
casuístico, porque tem precedentes, e tampouco é da responsabilidade da autora
do artigo.
Por conseguinte, Portugal tem
que decidir se quer ser, de facto, uma sociedade livre, tal e qual o 25 de
Abril lhe prometeu, ou se prefere manter a PIDE em exercício de funções e
importunar quem usufrui de uma liberdade que, se calhar, não termos. Enquanto
admitirmos «delitos de opinião», não seremos nunca uma sociedade livre, e
devemos envergonhar-nos daquilo que somos como comunidade.
Título, Imagens e Texto: Rui
A., Blasfémias,
13-7-2019
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