O objetivo da turba violenta é claro:
eliminar o que não pode criar, mudar a realidade escolhida nas urnas. A
história mostra que rupturas bruscas não funcionam
Ana Paula Henkel
Após os violentos protestos
por algumas grandes cidades de todo o país motivados pela morte de George
Floyd, os Estados Unidos agora encaram uma segunda onda de muita quebradeira e
violência depois que um vídeo viralizou no domingo mostrando um policial atirando
em Jacob Blake, um homem negro morador de Kenosha, no Estado de Wisconsin. No
vídeo, Blake se afasta dos policiais com armas em punho enquanto outras pessoas
gritam ao fundo.
Na quarta-feira, o
Departamento de Justiça de Wisconsin disse que a polícia de Kenosha foi chamada
à casa de Blake depois que uma mulher ligou e disse que o namorado dela estava
no local, onde ele não poderia estar devido a uma ordem de restrição. Blake
fora acusado de agressão sexual de terceiro grau e conduta desordeira. Seus
crimes tiveram agravamento de pena porque estavam ligados a violência
doméstica.
Os policiais foram alertados
sobre a existência de um mandado de prisão contra o rapaz e, assim que chegaram
ao local, tentaram usar uma arma de choque para imobilizar Blake, que resistiu
à prisão. Mas a arma não funcionou. Ele então ignorou todos os comandos dos
policiais, deu a volta em seu carro, abriu a porta do motorista e se abaixou
para pegar algo. Foi quando um policial atirou em suas costas. Blake permanece
internado num hospital.
É difícil dizer do que se trata a atual violência revolucionária nas
grandes cidades
Imediatamente protestos
violentos tomaram conta da cidade. Em pouco tempo, pequenas lojas e grandes
estabelecimentos comerciais estavam em chamas. Rapidamente, membros do
movimento negro marxista Black Lives Matter apareceram em vários
bairros. Espalharam terror e medo, queimando prédios e destruindo carros. A
polícia não enfrentou, mais uma vez, apenas manifestantes raivosos, mas
coquetéis molotov, armas, tacos de beisebol, tijolos e pedaços de concreto.
Kenosha agora se junta a um
grupo de cidades administradas por democratas que ardem em chamas há semanas,
ou até meses. Os poucos movimentos pacíficos que se iniciam por justas pautas
tornam-se violentos protestos em pouco tempo. E à polícia, cada dia mais acuada
por administrações que sucumbiram aos movimentos sociais da esquerda radical,
não é dada a autorização para que se faça cumprir a lei. Protestos em cidades
como Portland, Seattle e Nova York, que se iniciaram após a morte de George
Floyd, há mais de dois meses, ainda estão longe de ser contidos.
Mas o que querem esses
movimentos? É difícil dizer do que se trata a atual violência revolucionária.
Até agora, centenas de policiais foram feridos, dezenas de pessoas foram mortas
e bilhões de dólares em propriedades viraram cinzas — literalmente.
Para o professor, escritor e
historiador Victor Davis Hanson, é importante notar que os manifestantes têm
poucas demandas fora do corte no orçamento policial (“defund the police”), mas
este “não é o real propósito deles”.
Hanson, que é membro do Hoover
Institution em Stanford, na Califórnia, diz que os democratas veem nesses
manifestantes sua melhor chance de tirar o presidente Donald Trump da Casa
Branca depois de várias tentativas frustradas durante três anos e meio. Na
avaliação do historiador, os ativistas violentos estão essencialmente dizendo
aos democratas que vão proporcionar anarquia, caos e tornar a vida ainda mais
miserável para o norte-americano médio que ainda está lidando com o coronavírus
e o lockdown. Hanson acrescenta que, para os democratas, isso
poderia aumentar as chances de vitória de Joe Biden, como uma mensagem aos
eleitores que “podemos fazer tudo desaparecer se você votar em nós”.
O discurso de Trump sobre o avanço do caos caso os democratas vençam em
novembro está repercutindo
Para o norte-americano médio,
tudo parece surreal e distante da realidade. Aqueles que apoiaram o Reinado do
Terror jacobino queriam violência, não uma república constitucional para
substituir a monarquia francesa. Os bolcheviques não estavam interessados em
substituir o czar russo por um primeiro-ministro eleito. Mao Tsé-Tung não
odiava apenas os senhores da guerra, proprietários de terras ou nacionalistas.
Ele desejava a recriação de milhões de chineses à própria imagem narcisista,
mas para isso precisava matar outros milhões.
Richard Nixon foi eleito
presidente em 1968, um ano tumultuado que testemunhou o assassinato de Martin
Luther King Jr., ativista negro pelos direitos civis. Protestos violentos
aconteciam em várias grandes cidades. Nixon abraçou o discurso de Law
and Order, e cidades até então democratas, como Chicago, votaram nos
republicanos por algum tempo. Revoluções culturais são incoerentes e niilistas
e novas pesquisas já começam a apontar uma pequena vantagem de Donald Trump em
cidades que normalmente votam com os democratas.
O atual discurso de Trump e do
Partido Republicano sobre o avanço do caos caso os democratas vençam em
novembro está repercutindo. Em Kenosha, onde o presidente venceu por menos de
250 votos em 2016, aqueles que já o apoiavam disseram em entrevistas que os
eventos dos últimos dias simplesmente reforçaram sua convicção de que ele é o
homem certo para o trabalho. Para alguns eleitores que estavam menos seguros de
sua escolha, a desordem e a incapacidade dos líderes eleitos de cessar os
protestos violentos estão empurrando-os para os republicanos.
Alguns democratas continuam
nervosos em condenar os saques e a violência, já que muitos disseram que
entendiam a raiva por trás disso e têm o apoio de movimentos como o Black
Lives Matter. Apenas há três dias, o candidato democrata à Casa Branca, Joe
Biden, pediu que a violência cessasse depois de ver que seus números em Estados
importantes como Wisconsin começaram a cair.
O objetivo da turba violenta é
claro: eliminar o que não pode criar, mudar a realidade escolhida nas urnas. A
história, no entanto, nos mostra que rupturas bruscas não funcionam. Derrubar
estátuas para eliminar o que não se consegue compreender nunca funcionou. Os
ativistas incendiários podem produzir certo pânico. Ao mesmo tempo, expõem a
obviedade de que a marca do anarquista não é movida pela lógica, mas pela
inveja. Tomar o poder e mantê-lo a todo custo para usá-lo contra supostos
inimigos é algo impossível para os jacobinos — do passado ou do presente — em
tempos de paz nas ruas ou nas urnas.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 28-8-2020
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