Edição 659, 01-01-2011 |
Helio Gurovitz
De acordo com uma pesquisa divulgada recentemente, o brasileiro é um dos povos mais otimistas do mundo. Dados do Instituto de Pesquisa Pew, uma organização americana que costuma fazer levantamentos internacionais, revelam que um em cada dois brasileiros acredita que o país está caminhando na direção certa. Entre 22 países, ficamos em segundo lugar em satisfação, atrás apenas dos chineses (com 87% de confiança) e à frente de franceses (26%), americanos (30%), britânicos (31%) e indianos (45%), entre outros. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu do poder embalado nos maiores índices de popularidade já vistos em nossa história, e uma sensação de esperança contagiante tomou conta dos festejos da posse de sua sucessora, a – como ela é chamada pelo cerimonial do Palácio do Planalto – presidenta Dilma Rousseff, a primeira mulher a governar o Brasil.
A herança que Lula deixa para Dilma, porém, tem duas faces. A primeira, presente em todos os discursos feitos no sábado passado em Brasília, é o país de economia dinâmica que desponta entre as maiores potências emergentes do planeta. É o Brasil da nova classe média, com seu novo poder de consumo e seus novos valores culturais. É o Brasil que dá, mais uma vez, prova de maturidade institucional e se consolida como uma democracia moderna e vibrante. É o Brasil do otimismo detectado na pesquisa Pew.
A segunda face da herança do ex-presidente Lula não foi, previsivelmente, tema dos discursos da posse. Mas ela é tão real quanto a primeira – e explica por que metade dos brasileiros não está tão otimista. Trata-se do Brasil do Estado inchado, aparelhado por sindicatos e organizaçōes que defendem interesses privados. É o Brasil dos impostos escorchantes, da saúde precária e da educação de péssima qualidade. É o Brasil da inflação que volta a surgir no horizonte. É o Brasil que apoia os mais abjetos ditadores e tiranos do planeta. O Brasil em que o próprio governo Lula, tributário de ideologias mofadas, falava em “controle da liberdade de imprensa”, uma construção de tons orwellianos cujo significado prático só pode ser um: a censura.
Nossa presidenta já deu sinais de que compreende todas essas questōes. Na política, porém, compreender não basta. É preciso agir. Conseguirá Dilma vencer as resistências de seu próprio partido, reduzir o peso do Estado e fazer as reformas de que nossa economia tanto necessita para crescer com vigor? Conseguirá ela afugentar os fantasmas autoritários que volta e meia nos assombram? Conseguirá ela, enfim, promover um choque de qualidade na educação brasileira, algo que deveria ser a prioridade de qualquer governo? Em todos esses pontos, o otimismo exagerado precisa ceder lugar à cautela. Que nossa nova presidenta tenha a sabedoria necessária para não se embriagar pelo otimismo e consiga deixar a quem for lhe suceder um legado melhor que o herdado do ex-presidente Lula.
Helio Gurovitz, revista Época, 659 - 01/01/2011
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