Áurea Sampaio
Receia-se que uma escavadela na contabilidade de Teixeira dos Santos e Cia. revele buracos negros indesejáveis
1. Lá vamos nós para eleições... outra vez. E vamos às urnas sem estarmos na posse de todos os dados... também outra vez. Como aconteceu em 2002, com Durão Barroso, e em 2005, com José Sócrates, um e outro a prometerem o mundo ao eleitorado e a desfazerem as promessas logo que chegaram ao poder. Para quem não se lembra, vale a pena um flashback. Tanto no primeiro caso como no segundo, o governador do Banco de Portugal foi chamado a apurar os valores reais do défice, após cada ato eleitoral, tendo concluído por dados alarmantes, em ambas as situações. O então líder do PSD ficou tão estupefacto com os resultados que retratou lapidarmente a situação com uma frase sem hipóteses de qualquer leitura enviesada: "O País está de tanga!", vociferou. E tratou de aumentar impostos.
Alguns anos depois, Sócrates, que tinha passado a campanha eleitoral a garantir que o aumento da carga fiscal era coisa para incompetentes, não recorreu a plebeísmos, quando Vítor Constâncio fez saber que os números eram deprimentes. Mas decidiu fazer subir, de imediato, a carga fiscal sobre os portugueses, mesmo sabendo que tal medida contrariava a opinião de Campos e Cunha, o seu ministro da Finanças, que acabou por se demitir.
Tudo isto passado, devíamos ter aprendido com os erros e exigir saber qual a realidade da qual partimos para o futuro. Qual a verdade quanto às contas públicas, afinal? Que evolução têm tido? Onde está centrado o maior problema - é na Administração Central, nas autarquias, nas empresas públicas? Só uma linguagem de verdade, por mais dolorosa que seja, permite apurar responsáveis e travar demagogos. Infelizmente, já se percebeu que ainda não será desta que os portugueses vão ser tratados como gente crescida e não como meninos sem idade para enfrentar cenários ameaçadores. As contas do Estado serão assunto tabu e isso mesmo ficou bem patente quando às primeiras exigências de transparência, altos responsáveis responderam com a necessidade de manter sob o manto diáfano da fantasia o número real do défice. Tal segredo, afiançam, é por uma boa causa. Receia-se que uma escavadela na contabilidade de Teixeira do Santos e Cia.
![]() |
Charge: wehavekaosinthegarden.blogspot.com |
revele buracos suficientemente negros para espicaçar mais a ira dos mercados contra nós e contra a própria União Europeia, incapaz de aplicar mecanismos de controlo suficientemente rigorosos aos seus membros.
Terá sido a sra. Merkel a dizer isto a Durão Barroso, que disse a Cavaco, que disse a Passos Coelho, que disse aos seus mais próximos, que contaram logo tudo ao Expresso. Eis o segredo de polichinelo mais ridículo dos últimos tempos. Ridículo, mas suficientemente perigoso para permitir a mais violenta, mentirosa e imprevisível campanha de que há memória.
2. Quando a palavra de ordem devia ser poupar, o Governo elabora um decreto-lei aumentando os valores que podem ser gastos por ajuste direto e sem concurso público pelo primeiro-ministro, ministros, autarcas e diretores-gerais. Cavaco Silva assinou, tornando-se ética e politicamente corresponsável por um diploma que é um verdadeiro atentado contra as medidas de austeridade e sacrifício impostas a tantos portugueses. Esta "magistratura ativa" está a revelar-se um poço de (desagradáveis) surpresas.
Áurea Sampaio, Visão, 31-03-2011
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-