Alberto Komatsu
No dia 23 de março, a Comissão
Nacional da Verdade, instituída em 16 de maio de 2012 pela presidente Dilma
Rousseff para apurar violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988,
vai investigar, pela primeira vez, atos de perseguição da ditadura militar
contra uma empresa. Em audiência pública no Rio de Janeiro, será debatida a
extinção da companhia aérea Panair do Brasil, que teve suas operações
abruptamente encerradas no dia 10 de fevereiro de 1965, por meio de um decreto
governamental. Cinco mil funcionários, além da história da aviação brasileira,
foram afetados.
"A gente quer agora uma
reparação moral. Eu não penso em dinheiro. A família Panair se reúne porque não
tem uma causa mortis", diz Rodolfo da Rocha Miranda, filho de um dos donos
da Panair, Celso da Rocha Miranda, que tinha como sócio Mario Wallace Simonsen.
Família Panair é o termo que nasceu do encontro periódico de ex-funcionários e
seus descendentes, que se reúnem até hoje. Esperam uma espécie de certidão de
óbito daquela que já foi considerada a companhia aérea de bandeira brasileira.
A Panair chegou a voar para Beirute, capital do Líbano.
![]() |
Seleção brasileira embarca para a Copa do Mundo de 1962 em avião da Panair:
fechamento favoreceu a Varig, que tinha relações privilegiadas com os militares.
Foto: Arquivo/Agência O Globo, 21-05-1962
|
Responsável pelo grupo da
comissão que investiga o golpe civil-militar de 1964, Rosa Maria Cardoso da
Cunha diz que a audiência pública será uma mesa de debates sobre o caso Panair.
O objetivo é colher dados, depoimentos e documentos que vão integrar o
relatório final da Comissão Nacional da Verdade, com prazo de conclusão em maio
de 2014, quando a comissão será extinta.
Esse relatório conterá
recomendações da comissão, disse Rosa. Será entregue à presidente Dilma e
encaminhado aos poderes Legislativo e Judiciário. Se as investigações
concluírem que pessoas físicas cometeram atos ilícitos para prejudicar uma
pessoa jurídica, no caso a Panair, esse relatório poderá recomendar a
responsabilização dessas pessoas pelos crimes cometidos.
"O caso Panair é exemplar. O objetivo é tornar públicas as arbitrariedades das quais [a empresa] foi vítima. Não é somente uma pessoa física que tem destituição de direitos", diz Rosa. "Uma empresa tem significado social, não é apenas uma ficção jurídica. Por trás dela tem uma coisa muito viva, humana e social", acrescenta.
Rocha Miranda e Simonsen
adquiriram o controle da Panair em meados de 1961. A companhia teve origem em
1929, quando foi criada a aérea americana Nyrba (abreviação de Nova York, Rio,
Buenos Aires). Em agosto de 1929, a Nyrba obteve autorização especial e
temporária para voar no Brasil, mas sem o transporte de passageiros ou carga,
por causa de um regulamento de 1925 que visava proteger a aviação nacional.
A alternativa foi fundar a
Nyrba do Brasil, em outubro de 1929. Em setembro de 1930, a Nyrba, a sua
subsidiária brasileira e a Pan American (PanAm) formaram uma terceira
companhia, que em outubro ganhou o nome de Panair do Brasil S.A.
Em meados de 1942, lembra
Daniel Leb Sasaki, autor do livro "Pouso forçado: a história por trás da
destruição da Panair do Brasil pelo regime militar", de 2005, cerca de 70%
do capital da companhia foi diluído na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Os
30% restantes eram da PanAm. Depois de vários desdobramentos, em 1961 a companhia
se tornou 100% brasileira, nas mãos de Rocha Miranda e Simonsen.
"Fecharam essa companhia
porque queriam prejudicar dois empresários que apoiavam o Juscelino Kubitschek
[presidente do Brasil de 1956 a 1961]", afirma Rodolfo da Rocha Miranda.
"O que justificaria a cassação seria má prestação de serviço, insegurança
de voo. Em momento algum a Panair foi acusada disso. Ela tinha a maior
estrutura de manutenção do país [Celma, em Petrópolis] e fazia a manutenção de
aviões da FAB [Força Aérea Brasileira]", acrescenta Sasaki.
![]() |
Rocha Miranda, foto: Nelson Perez, 06-02-2013 |
De acordo com o jornalista,
diversas alternativas foram apresentadas, mas sem sucesso. "Várias
empresas, como a Vasp, tentaram comprar a Panair. Mas, para o governo, não
havia solução a não ser deixar a Panair fechada e distribuir suas linhas
internacionais para a Varig ", diz Sasaki.
A Varig que o jornalista
menciona não tem relação com a marca que ainda existe em alguns aviões e que é
de propriedade da Gol Linhas Aéreas. A antiga Varig entrou em recuperação
judicial em junho de 2005. Foi feita uma cisão da Varig que resultou no leilão
da marca e de suas linhas em julho de 2006. Um ano mais tarde, foi revendida
para a Gol. A parte "podre", com dívidas, permaneceu em recuperação
judicial com o nome Flex, que faliu.
"Tudo violado, roubado,
destruído, porque os militares não gostavam dos acionistas brasileiros que
nacionalizaram a companhia americana ao adquirir o controle acionário da
empresa aérea mais eficiente do Brasil. E desejavam beneficiar o concorrente,
Ruben Berta, dono da Varig, que claramente corrompeu os brigadeiros
encarregados da execução do contrato de concessão das linhas aéreas",
afirma o advogado de Simonsen, Saulo Ramos, no prefácio do livro sobre a
Panair.
"No dia em que o governo
cassou as concessões da Panair, a Varig já estava com os aviões prontos para
realizar os respectivos voos na mesma noite das cassações", acrescentou o
jurista, ex-ministro da Justiça do governo de José Sarney.
Sasaki prepara uma segunda
edição, "uma versão mais ampliada", que poderá ser lançada até o fim
deste ano. Ele também participa da produção de um longa metragem sobre
Simonsen, em parceria com a família do empresário.
Rodolfo da Rocha Miranda, por
sua vez, afirmou estar 100% focado nos desdobramentos da comissão da verdade.
Mas ele tem planos antigos de usar a marcar Panair em alguns produtos. A Panair
existe como pessoa jurídica, apesar de ter sua concessão cassada pela ditadura.
Poucos dias depois disso acontecer, a empresa pediu concordata na 6ª Vara Cível
do Rio, para ganhar tempo.
"Pois o ministro da
Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes, foi pessoalmente ao fórum carioca falar
com o juiz da causa. Proibiu-o de deferir o pedido e mandou decretar a
falência", afirma Saulo Ramos, no prefácio do livro.
O jurista lembra que a Panair
tinha recursos, mesmo após a liquidação de alguns de seus bens pela ditadura.
Por isso, em 1969, a companhia tentou converter a falência em concordata.
"Requerido o remédio legal, o governo baixou um decreto-lei proibindo que companhias
aéreas pedissem concordata", acrescenta Saulo Ramos. A falência da Panair
só foi levantada em 1995.
Curiosamente, dez anos antes,
auge da crise da antiga Varig, a concordata não pôde ser uma alternativa de
salvamento para a Viação Aérea Riograndense, por causa desse decreto de 1969.
Sasaki recorda que os vestígios da Panair na burocracia brasileira perduraram
até 2009, quando o "Diário Oficial da União" publicou, finalmente, a
perda de suas linhas aéreas.
"Por que fecharam a
Panair? Alguém tem de responder. Espero que a comissão da verdade consiga a
resposta. Com base nos documentos que eu tenho, espero que se chegue à
conclusão de que esses dois empresários [Rocha Miranda e Simonsen] foram
perseguidos políticos, cujas consequências e torturas, em vez de serem na pele,
foram feitas nas suas organizações", afirma Rodolfo, um dos herdeiros do
espólio da Panair.
Título e Texto: Alberto Komatsu, Valor Econômico, 15-03-2013
Que interessante! A Comissão da Verdade também deveria investigar a falência da Varig!
ResponderExcluir
ResponderExcluirJa se passaram tantos anos...
Mas foi uma injustiça contra a Panair.
Entra governo sai governo e as injustiças continuam.
Porque turaram a minha pensao de ex combatente, o governo do PT?
BEIJOS TRISTES COM CERTAS RECORDAÇOES
JANDA
Prezado Editor.
ResponderExcluirConcordo Plenamente que a Comissão da Verdade também deveria investigar a falência da VARIG e suas Coligadas.
O numero de desempregados e caloteados pelas falidas e pelo Governo Federal é incalculável.
Na SATA pelo Brasil a fora existem milhares de Equipamentos e viaturas amontoados e se deteriorando ao tempo, só valerá como sucata e ninguém faz nada.Chego a pensar que tem gente sucando as ultimas gotinhas das tetas das falidas, principalmente daquelas que estão com "Liminar" suspendendo a falência e os Administradores inertes como se nada estivesse acontecendo com os Ex-funcionarios e os poucos colaboradores.
Abraços
Nelson Schuler
Hi, Jim!
ResponderExcluirTeu comentário está certo. Mas será feita por outra Comissão da Verdade que abranja período depois de 1998, e será criada pelos vitoriosos do confronto que virá. Ou você acha que a nossa Ditadura do Proletariado é para sempre?
Abraços,
Marcio
Bom dia Jim gostaria de saber se o Governo deste partido chamado dos trabalhadores fará também uma comissão da verdade sobre a Falência provocada da VARIG, será que a ministra Maria do Rosário fará alguma coisa? Afinal tambem merecemos que a verdade sobre a VARIG seja dita a quem beneficiou esta falência aos amigos do presidente, quais os verdadeiros interesses deste governo com a falência da VARIG, só queremos a verdade pois o que estão fazendo com os aposentados e funcionários da ativa é um verdadeiro crime. Um grande abraço a Todos,
ResponderExcluirTaiani
A varig se afundou por méritos próprios, ao longo de sua vida ela destruiu várias companhias aéreas pra dominar o mercado da aviação sozinha! Depois os roubos descarados nos cofres da companhia foi muito grande. A VARIG plantou e colheu nos tempos atuais... se juntou ao militares pra destruir a panair do brasil e outras cias do brasil com a ambição desenfreada. GRAÇAS A DEUS VARIG NUNCA MAIS.!!!
ExcluirÉ mais uma coisa que precisa ser passada a limpo, espero. Quando vejo alguns nomes de ruas e de escolas, me embrulha o estômago e penso nestas coisas.
ResponderExcluir