segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Carta aberta aos professores do município do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 07 de outubro de 2013
Há dias preparo esta carta. Há dias busco coragem para enviá-la. Vi através do Facebook, dezenas de imagens onde colegas, ao invés de estarem preparando suas aulas, lendo um livro, assistindo a um filme, tomando café ou chope com amigos, estavam apanhando de policiais por se recusarem a desocupar a Câmara e o Palácio do governo, espaços públicos, que por serem públicos, devem ser protegidos, sim.

Recebi também vídeos onde professores agrediam verbalmente diretores e artistas de nosso cinema, na abertura do Fest Rio, na Cinelândia. Os gritos de “vendido!”, para aqueles e aquelas que, além de cinema, fazem TV e atuam na Globo, chegam a soar obsceno.

E vi as fotos de professores feridos por PMs, e a praça de guerra em que se transformou o entorno da Câmara de Vereadores, no dia da votação do Plano de Cargos e Salários da Secretaria Municipal de Educação, uma contraproposta ao plano do SEPE.

As imagens se superpõem e percebo, através delas, o nível de degradação a que chegamos. A sensação que tenho é que professores, que até há pouco tempo éramos respeitados tanto por sermos os responsáveis pela formação das gerações seguintes, quanto por ocuparmos um lugar privilegiado na sociedade, estamos fora do lugar.

Senhorinha às vésperas da aposentadoria, pergunto-me se foi para isto e por isto que em final dos anos 70, quando a palavra sindicato era proibida, que timidamente iniciamos as discussões em Niterói e Campos, para a fundação de uma entidade que representasse os professores do Estado do Rio?

Foi para isto que lutamos, para que funcionários públicos pudessem se sindicalizar e ter o direito à greve?

Quando fui pras ruas lutar pela redemocratização do país, queria que todos, principalmente os que discordassem de mim, pudessem se manifestar. E no fim das contas o exercício de ensinar, de formatar o caráter, que é a principal missão do professor, não se baseia neste princípio? Mas, vamos parar e pensar. Que lição estamos passando para os alunos, ao invadir prédios, ocupar espaços públicos, depredar bancos e imóveis particulares, fechar ruas, becos, vielas impedindo o livre-trânsito dos cidadãos pela cidade, aceitar que o confronto e o quebra-quebra substitua o diálogo? Então, ao fim e ao cabo, o que vale é “ganhar na marra, no grito?”

Justificando a onda de quebra-quebra, colegas me alertaram: “mas, nem todo profissional de educação é professor”. É, eu já pensava assim em 1986, quando numa assembléia tumultuada, nós, resolvemos abrir mão do título e nos igualar a todos as pessoas que trabalhassem numa escola, sob o argumento de que “os professores eram trabalhadores como todos os demais, e que portanto não deveriam ter um sindicato só para si, nem receber tratamento diferenciado”.

Sem constar da pauta, sem discussões acerca da proposta, a oposição liderada pela então professora Florinda Lombardi, de triste memória e triste figura, que era da Convergência Socialista, conseguiu aprovar por aclamação, que nosso sindicato passasse a ser Sindicato dos Profissionais da Educação, além de extinguir a hierarquia na composição da diretoria. Desde então não temos mais presidente, vice-presidente e etc. Todos são diretores e coordenadores e toda e qualquer pessoa que trabalhe numa escola mesmo sem nenhuma formação pedagógica pode representar a categoria, co-dirigir o sindicato e falar em nome dos professores sobre todo e qualquer assunto referente à escola, educação e ensino-aprendizagem, em qualquer lugar do país e/ou do mundo. Para alguns é tudo muito democrático, igualitário. Para outros, é demagógico, populista, oportunista e falso. Para a sociedade, perdemos o status, a dignidade e a importância.

Pois é!
Há 50 anos ouço a eterna cantilena de “que os professores sãos os profissionais mais importantes de um país, porque sem eles não haveria nenhum outro profissional”. E falam da subordinação moral do imperador japonês aos professores. É bonito e é simbólico. Mas não somos japoneses. E isto aqui não é o Japão

Cresci, numa cidade interiorana, onde conhecíamos todos os professores e professoras. Pelo nome. E eles eram respeitados e reverenciados pela sociedade. E quando nos puxavam as orelhas (literalmente ou no sentido figurado), nossos pais os agradeciam. Estavam auxiliando-os na tarefa de nos educar.

Professora de História readaptada por conta da doença auto-imune chamada LUPUS, ainda está na escola, mas fora da sala de aula. Por conta disto, colegas mais engajados, ou mais exaltados me dizem desdenhosamente que não posso opinar, ou que é cômodo para mim já que não estou “sofrendo”as agruras do cotidiano”. Talvez. Acompanhando o noticiário, fica evidente, que com raríssimas exceções, a mídia não está nos apoiando. Após 60 dias de greve, os mais importantes jornais e emissoras de TV, não colocaram na sua pauta a greve que é estadual e municipal como tema relevante. Os pais e responsáveis não estão conosco. Muito pelo contrário. Na verdade estamos sozinhos. Por quê O que está acontecendo? Como chegamos a isto?

Aprendi, que em toda ação política é preciso “pensar globalmente e agir localmente”, ou seja, cada um ao atuar no seu quintal, deve ter sempre como referência o que acontece fora dele. E parece-me que neste momento, os professores, perdemos a capacidade de analisar o espectro político que nos rodeia. E é em função disto que também escrevo.

Parece claro que no fundo, o que está em jogo, não é a questão salarial dos professores, nem a qualidade da educação carioca e fluminense. O que está sendo jogado no campo político, é a existência da CONLUTAS, uma central sindical à esquerda da CUT e da Forca Sindical, que agrega o PSOL, o PSTU, o PCO e alguns grupelhos políticos, que ainda não conseguiram se transformar em partidos. Porém, ao governo, não interessa uma central que desfralde as bandeiras que o PT empunhou há 30 e passe a confrontá-lo. É aí que se dá o embate. Ações do Sindicato (por exemplo a elaboração de um plano de cargos e salários totalmente fora da realidade) evidenciam que a sua preocupação é apenas com ele mesmo para o fortalecimento da CONLUTAS. Afinal, o Sindicato dos professores é um grande trunfo, para sua criação e/ou fortalecimento, pois representa 140 mil professores.

O importante é que o SEPE esteja por um tempo na mídia. Ganhar ou não faz pouca diferença. E os professores que fiquem com o ônus de uma greve desgastante, inoportuna e odiada. O importante é o SEPE aparecer. E nada como uma greve para apontar os holofotes para um sindicato, principalmente quando haverá eleições no ano que vem.

Historicamente, nós professores, temos fama de bons eleitores. Afinal, colega, você sabe quantos parlamentares já elegemos neste 35 anos? E quantos saíram do próprio Sindicato? Se isto trouxe ganhos para a categoria é outra história.

Aliás, caro colega, você sabe que correntes políticas há anos controlam o SEPE? E você concorda com elas? Já procurou saber as posições político-ideológicas, que norteiam os diretores do seu sindicato? Você conhece o currículo de cada diretor ou diretora do Sindicato que você sustenta? (Qual a matéria que leciona? Onde se formou? Quantos anos de magistério? Por quais escolas passou? Em quantas CREs trabalhou? Regeu turmas por quanto tempo? Dava aulas mesmo? É/era considerado bom professor pelos pais e pelos alunos e pelos colegas? É/era filiado a que partido? Qual a religião?)

Bobagem, né? Afinal, não temos esta cultura nem esta formação. Nem em relação aos parlamentares que elegemos tomamos estas precauções. Depois, passamos a vida a xingá-los, a menosprezá-los, como se não fôssemos responsáveis pela sua existência, como se eles tivessem saído de Marte, e não do meio de nós.

É isto.

Desculpem-me, colegas. Vocês sabem que professores são por vezes invasivos. Gostam de ”se meter onde nem são chamados”. Até por “deformação profissional” embora haja alguns que gostem de discutir, debater, opinar e ouvir os contrapontos e encontrar interlocutores.

Aos 5 anos, muito antes de “ser gente” resolvi que seria professora. Desde então meu compromisso profissional foi com a escola e com a educação. Por isto este estado de coisas me incomoda. E muito. Portanto, se após este desabafo, for rotulada de “elitista”, “direitista”, neo-liberal”, “eleitora do PSDB” entre outros epítetos tão caros aos militantes, será a glória. Significa que consegui incomodar.
Helena Maria de Souza, Professora de História, Escola Municipal Barão de Itacurussá/Tijuca – Rio de Janeiro, 07-10-2013

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4 comentários:

  1. No dia 13 de Setembro eu coloquei o comentário "Lobo sob Pele de Cordeiro" que fala da atividade de elementos que usam o sindicato para o seu benefício e enriquecimento. No tempo das "normalistas", nos "anos dourados" o Prefeito, Governador e o Presidente respeitavam os professores, o que não mais acontece. Principalmente depois que elegemos um "iletrado" como Presidente, que não sabe ler um livro! Alberto José

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  2. Que professora fantástica! Quero conhecer!

    Circe Aguiar

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  3. Boa descrição dos atuais tempos em que estamos vivendo , lê-se no texto escrito pela Professora Helena Souza, Somos de uma época "vetusta" em que nos levatávamos e saudávamos o(a) professor(a) quando adentrava em sala de aula . Cantava-se o hino nacional , todos em forma no pátio da escola , antes de entrar e iniciar os trabalhos escolares . A bandeira era hasteada e , a ela , homenagens eram rendidas .
    O tempo passou . O ensino no país enfraqueceu e muitos , inclusive membros do governo, tentam reverter a situação.
    Em 1964 , previa-se a instauração de ideais de cunho comunista , combatido bravamente por homens de caráter que , a princípio , lancetaram o câncer na medula .
    Aparentemente , alguma célula doente hibernou décadas para tentar estourar nos dias de hoje . Não se deve generalizar quanto ás críticas ( ou elogios) referindo-se à nobre classe docente - sem as "tias" do ensino básico ,a criança não teria oportunidades de crescer e se desenvolver intelectualmente ou ser , de fato, cidadã . Aos professores , tiremos nossos chapéus !
    que se vê na mídia pode parecer bizarro ; estando dentro do "olho do furacão" tem-se uma perspectiva mais apurada dos fatos.
    Essa horda de jagodes que emporcalha a cidade , quebra vidraças de bancos , pontos de ônibus e ateia fogo em lixo no meios da ruas , não fazem parte do magistério ; talvez até estejam estudando , mas o objetivo , ao que parece , é desestabilizar o governo e causar pandemônio nas cidades , além de causar arruaça , a ideia é fazer parecer que não há governo , ou seja , que o brasil é uma anarquia .
    O mundo inteiro está conturbado , há protestos nos quatro quadrantes do globo terrestre e o que se vê , são conflitos generalizados com manifestantes batendo e apanhando da polícia , quando não são presos . Aqui observa-se diferente :
    Vândalos depredam , mas reclamam da violência policial . Quem de nós , ao ser atacado, não se defenderá ?
    Experimenta-se no Brasil , uma grande onda de hipocrisia , quando na frente das câmeras do "Fantástico" , mulheres entrevistadas garantem que os maridos são fieis conjugalmente e rijos todos os dias ; já os maridos respondem que "comparecem" sem dar fôlego , e que são muito bons nisso . Mas a realidade não é bem assim ....
    Esse filme foi visto em 1964 e , também , em 1968 . Os tempos mudaram bastante , mas
    aparentemente estamos percorrendo um caminho perigoso .
    O dia que surgir um general enlouquecido e de testículos roxos , a casa pode cair.
    Um "viva" aos professores !

    Sidnei Silva
    Assistido Varig/AERUS RJ


    [

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