Os especialistas garantem
que, ao contrário do que afirmam vários observadores, os partidos anti-europeus
não registarão o progresso espectacular previsto nas eleições europeias de maio
próximo. Mas isso não vem alterar a falta de interesse dos europeus por um
Parlamento que sentem estar distante das suas preocupações.
Arnaud Leparmentier
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Ilustração: Mauro Biani |
A seis meses das eleições europeias, não nos
deixemos intimidar por Marine Le Pen, que alardeia que vai ser o partido mais
votado. Em França, talvez. Na Europa, certamente que não, a crer no presidente
do Parlamento Europeu, Martin Schulz, que está constantemente a fazer e refazer cálculos.
Os extremistas de direita chegariam aos 90 deputados. E, mesmo assim, divididos: os
eurófobos ingleses do UKIP, aliados aos agrários polacos (30 lugares), não
querem associar-se com os amigos de Marine Le Pen (40 lugares), a qual não quer
conversa com os neonazis gregos da Alvorada Dourada nem os húngaros de Jobbik
(20 lugares). Cada um tem os seus ódios de estimação. Quanto à
extrema-esquerda, consistiria em não-filiados (15-20 deputados) e amigos de
Jean-Luc Mélenchon e do Die Linke (50 deputados). No total, os antieuropeus
serão de uma centena a 160 deputados, no máximo.
Esta relativa resistência
europeísta, num hemiciclo de 764 deputados, explica-se em parte pela disciplina
das antigas ditaduras fascistas: alemães, espanhóis e portugueses não votam em
extremos. Às vezes, aparecem uns mais musculados, como a CSU bávara, ou
nacionalistas regionais, como os espanhóis, mas nunca fora do âmbito de
partidos civilizados. Acabe-se com esse comprazimento doentio em anunciar o
pior para Estrasburgo: no total, os pró-europeus – social democratas (PSE),
verdes, liberais, democratas-cristãos (PPE) – serão no mínimo 530, contra os
atuais 610.
Indiferença dos eleitores
Esta aliança de necessidade pode reforçar a ideia de que já está tudo
decidido na Europa, alimentando uma abstenção em massa
Estas simulações, baseadas em
sondagens e eleições recentes, mostram também que a polarização na Assembleia
de Estrasburgo não é um facto: o PSE está a recuperar e, com 220 lugares,
emparelha com o PPE. Perdem os Verdes (40, em vez dos atuais 58) e os
liberais-democratas (entre 60 e 70, em vez dos 85 deputados presentes). E aqui
é que está o busílis: Estrasburgo corre o risco de se ver obrigada, à imagem da
Alemanha, a uma grande coligação. Esta aliança de necessidade pode reforçar a
ideia de que já está tudo decidido na Europa, alimentando uma abstenção em
massa. A descida parece inexorável. A participação, que foi de 62% em 1979, aquando
das primeiras eleições para eurodeputados com sufrágio universal, caiu para
menos de 50% em 1999, e chegou aos 42,5% em 2009.
Comportamento estranho dos
eleitores, que votam cada vez menos, quando o poder dos deputados europeus é
cada vez maior. Dantes, tinham praticamente apenas o direito de aprovar o
orçamento não agrícola da Europa – ou seja, quase nada – e votar resoluções
sobre as ilhas Granadinas, parafraseando uma piada de Jacques Delors. Hoje,
decidem conjuntamente toda a legislação europeia.
Apontam-se três razões para
esta indiferença. O Parlamento Europeu mais não faz do que avalizar ou
modificar marginalmente os compromissos selados entre os Estados-membros e a
Comissão. Por outro lado, os verdadeiros debates são nacionais.
Finalmente, o Parlamento de
Estrasburgo não é um verdadeiro parlamento, porque não representa o povo
europeu. É o que defende o Tribunal Constitucional de Karlsruhe, explicando que
os malteses estão representados numa proporção excessiva em relação aos
alemães. Haja um pouco de pudor, quando se sabe que o hemiciclo é dominado por
grandes contingentes germanistas do PPE e do PSE!
Nada de “demos europeu”
Os cidadãos do Velho Continente não reconhecem legitimidade a uma
Assembleia que funciona segundo clivagens complexas
O problema fundamental é que
não existe, pelo menos para já, um “demos europeu”, um povo europeu. Os
cidadãos do Velho Continente não reconhecem legitimidade a uma Assembleia que
funciona segundo clivagens complexas (esquerda-direita, norte-sul,
fundadores-novos membros, etc.). O voto dos eurodeputados, na maioria das
vezes, corresponde a um ponto de equilíbrio moderado, que impede um confronto
democrático tradicional, o que desorienta as pessoas.
Acrescente-se a isso a
esquizofrenia dos partidos, que são europeus em Bruxelas, mas são tentados a
escolher cabeças de lista que batem que se fartam na Europa, durante a
campanha.
[O ex-Presidente francês]
Valéry Giscard d' Estaing considerou que tinha cometido um erro ao impor que, a
partir de 1979, os deputados fossem eleitos por sufrágio universal. Não estava
completamente errado: o Parlamento Europeu está desenraizado, desligado das
representações nacionais e não vai conseguir salvar-se pelos seus atos.
Tem de criar raízes no
terreno. Na Europa, não sabemos desfazer instituições; para corrigir a
trajetória, acrescentamo-las. Para gerir a política económica e monetária da
zona euro, poderia ser sensato criar um Congresso, que reuniria deputados
europeus e deputados nacionais. Assim se chegaria a uma assembleia em que os
cidadãos se poderiam reconhecer.
Título e Texto: Arnaud Leparmentier, Le Monde
Traduzido por Ana Cardoso Pires, PressEurope, 13-12-2013
Traduzido por Ana Cardoso Pires, PressEurope, 13-12-2013
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