Alberto Gonçalves
Um inglês célebre afirmou que
o patriotismo é o último refúgio dos pulhas. Esqueceu-se de acrescentar que às
vezes é o primeiro. Duzentos e tal anos depois, há aqui uma espécie de governo
e uma espécie de maioria tão empenhados em arruinar-nos quanto em acusar de
deslealdade os críticos da empreitada. É o velho método "gonçalvista"
do "quem não está connosco está contra nós", naturalmente aliado ao
velho método salazarista da aversão à malévola influência
"estrangeira".
A ideia, hoje e ontem, é a de
que as alucinações do PS e da extrema-esquerda, desculpem a redundância,
passariam incólumes na "Europa" se não fosse a acção subversiva e o
espalhafato da cáfila de "vende-pátrias" (termo curiosamente utilizado
há meses pelo Avante!). Aliás, um conselheiro de Sua Ex.ª, o Senhor
Primeiro-Ministro, esticou há dias a corda e a cabecinha para chamar
precisamente isso aos "vendidos" que discordam desta vergonha:
traidores, quase de certeza ao serviço da Alemanha.
Não admira que os jagunços do
dr. Costa se prestem a tal papel. Admirável é haver jornalistas dispostos ao
mesmo. No i, uma senhora com carteira profissional, Ana Sá Lopes, deixou fluir
a imaginação e até lembrou a "quinta coluna" nazi, os míticos
infiltrados de Berlim que, supostamente, derrotariam a partir do interior a
Inglaterra na II Guerra. Nas televisões, vêem-se diversas glosas à tese por
parte de comentadores isentos, liderados por Pacheco Pereira em matéria de
isenção. Em alvoroço, garantem-nos que somos controlados por entidades não
eleitas. E nem sequer se acalmam se lhes dermos razão e os recordarmos do 4 de
Outubro.
Tudo isto a propósito do
Orçamento do Estado e das respectivas exigências da Comissão Europeia. A
troika, se quiserem chamar-lhe assim, reclama no fundo que gastemos de acordo
com o que produzimos, ou só um pouco acima. O governo e a extrema-esquerda, se
quiserem distingui-los, insiste na existência de uma alternativa à
"austeridade". Por acaso, como qualquer chefe de família perceberá, existem
várias: o empréstimo a longo prazo, o roubo a curto prazo, o suicídio ou uma
mistura dos três antecedida de ruidosa fanfarronice, género agarrem-me ou eles
espancam-me.
Na semana anterior, o berreiro
preparou o caminho. O horror suscitado em Bruxelas pelo rascunho de OE
elaborado por rascunhos de economistas provocou, cá dentro, uma divertida
pândega. Para consumo interno, o PS atacava a "direita" e o BE e o
PCP avisavam o PS de que não tolerariam desvios à linha justa. Para consumo
externo, sujeitos anónimos ameaçaram a "Europa" com referendos,
"bombas atómicas" e outras armas cujo impacto era proporcional à
brutal irrelevância dos guerrilheiros. Os que, por fé ou infantilidade
irreversível, acreditaram nas bravatas depararam-se com uma autêntica
demonstração de patriotismo: maluquinhos convencidos de que Portugal é tão
maravilhoso que a União não vive sem ele. Após engraçadas correcções e vexames
(de que o elogio da sra. Merkel a Passos Coelho nas barbas do dr. Costa
constituiu a punch line), a CE lá tolerou o OE e os maluquinhos correram a
proclamar o fim da "austeridade" e a agitar euforicamente o
consentimento dos senhores da Europa, de súbito promovidos de tiranos do
capital a avaliadores consagrados.
A realidade? O recurso a um
arremedo da estratégia do inspirador Syriza, com os espectáveis resultados do
Syriza. Através do Hélder Ferreira, que escreve no Diário Económico e que
Pacheco Pereira apresentou na Quadratura do Círculo como exemplo das vozes que
ultrapassam os limites (tradução: insultou os patriotas, pelo que é outro
insanável traidor), soube que a negociação grega foi considerada a mais
desastrada de 2015 pela Harvard Law School. Não é para menos: começa-se por
falar grosso com aqueles de que se depende e termina-se a aceitar tudo e um par
de botas de modo a não se ser escorraçado. Pelo meio, avança-se com esmero rumo
à miséria.
Na prática, a
"vitória" diplomática do dr. Costa traduz-se no castigo dos ricos, os
ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos
que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os
ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os
ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os
juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair
investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.
O PS apenas ganhou na medida
em que aguentou no poder a criatura que manda naquilo. O PCP ganhou porque
satisfez as clientelas da função pública. E o BE ganhou porque continuou a
desgastar o PS. Evidentemente, perdemos todos: com os seus inúmeros defeitos,
receios e desvios, a "austeridade" de PSD-CDS tinha um fim; o
"tempo novo" do governo e da extrema-esquerda (peço perdão pelo
pleonasmo) é o próprio fim, mas não o da "austeridade". Os patriotas
de agora são os que, em prol da sobrevivência imediata, afundam deliberadamente
o país de acordo com delírios pessoais. O último a fazê-lo acabou na cadeia. O
candidato actual à proeza anda à solta, para desgraça dos traidores, que são
muitos. Somos.
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