Helena Matos
A mesmice é isto: chamar-se em 2018
tempo novo ao que em 2011 nos levou à falência. Só a mesmice permite a António
Costa falar como se apenas contasse com a com a sua esperteza.
“Há matérias que, pela sua natureza, convidam a consensos políticos mais amplos e acho que seria uma pena se o PSD continuasse fechado naquele casulo perdido no passado e não regressasse ao tempo presente”, diz.” Quem “diz” é António
Costa primeiro-ministro e líder do PS.
Presume-se que o “casulo
perdido no passado” tenha sido tecido no dia 4 de Outubro, de 2015, aquele em
que António Costa não só não teve a maioria absoluta, em nome da qual afastara
António José Seguro como nem sequer ganhou as eleições. Ninguém gosta de falar
das suas derrotas mas contar com o silêncio dos que ganharam e ainda por cima
querer transformar essa vitória num luto para os vencedores – «Ao Expresso, o PM diz que é preciso “respeitar o luto da direita”»
– é muito contar que os outros são parvos. E sobretudo apostar quase tudo
naquela que se tornou a sua vitória eleitoral possível depois de Outubro de
2015: ver o PSD afastar-se de Passos Coelho.
Enfrentar na próxima campanha
eleitoral o homem que o derrotou em 2015 não é aquilo que Costa mais deseja,
para mais numa campanha que, tenha ela lugar quando tiver, o obrigará a ter de
captar votos à direita. Mas, e muito para lá daquilo que vier a ser o destino
de Passos, em 2016 vemos Costa a relançar uma questão que está em cima da mesa
desde 1974: as bases do espaço político à direita do PS votam para que os seus
líderes afirmem um projecto político próprio. Contudo, à excepção de Sá
Carneiro e de Cavaco Silva, boa parte dos demais líderes sociais-democratas não
levaram a sua ambição além de conseguir sobreviver às lutas internas do seu
partido e obter o certificado de político civilizado que em Portugal apenas é
válido quando assinado por personalidades de esquerda. Um líder do PSD que
aliene e se aliene do seu eleitorado, como aconteceu com Balsemão nos anos 80,
faz parte de todos os sonhos dos dirigentes socialistas.
É desnecessário escrever que
jamais um líder do PSD teria chegado a primeiro-ministro apoiado em acordos tão
vagos quanto aqueles que o PS firmou na presente legislatura. E mais
desnecessário ainda será lembrar que teríamos manifestações diárias,
observadores internacionais e a Amnistia Internacional todos em transe com a
subversão do regime caso a nossa primeira-ministra sombra fosse não de
extrema-esquerda mas sim de extrema-direita.
Mas sendo tudo isto óbvio
temos de acrescentar um outro elemento, um elemento que permite a António Costa
falar como se apenas contasse com a sua esperteza. O elemento José Sócrates.
Sim, eu sei que parece mal referir Sócrates. Os socialistas ficam como que com
uma nevralgia mal ouvem esse nome. E os seu colegas radicais esses parecem
sofrer de engasgo súbito à simples menção do nome do antigo primeiro-ministro.
Mas fazem mal pois devem-lhe
muito. Muitíssimo mesmo. Devem-lhe o poder fazer de conta que a falência em
2011, o crescimento da despesa pública, o endividamento crescente do país…
resultaram das estapafúrdias circunstâncias de vida privada do antigo dirigente
socialista e não das políticas sufragadas pelos actuais dirigentes do PS.
Entre o pícaro dos envelopes
com garrafas, o curso assim assim, o livro escrito assim assado e o enredo das
transferências do amigo Silva deixámos de analisar e avaliar o que foi a
governação PS. Ao fulanizar-se em Sócrates o ónus dessa governação isentaram-se
de responsabilidades os governantes da época e as opções por que foram
responsáveis. Opções populistas, como o aumento da função pública em 2009,
opções demagógicas como as vias sem custos para o utilizador, opções patéticas
como rendas atribuídas às PPP. Foram essas opções e não as férias de Sócrates
em Formentera ou o apartamento em Paris que nos levaram a ter de fazer o pedido
de ajuda.
Resguardados no biombo do
“parece mal” e do “não falo de assuntos que estão em investigação”, socialistas
e seus compagnons preservaram-se de ser confrontados com as
políticas da sua governação. E agora aí andam felizes e impantes a repetir a
mesma receita com as mesmas técnicas porque a receita não foi posta em causa.
Apenas o estilo e as particularidades do então primeiro-ministro. Simbólico de
tudo isto: as medidas tomadas pelo governo PSD/CDS eram invariavelmente
justificadas pelos próprios membros desse governo através da situação de
urgência orçamental e pela pressão dos credores. Como se o governante ideal
fosse José Sócrates desde que devidamente expurgado das roupas de Rodeo Drive e
daqueles embaraços do Free Port e dos sucateiros.
A mesmice é isto: conseguir
chamar-se em 2018 tempo novo ao que em 2011 nos levou à falência. E sobreviver
ao ridículo.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 14-2-2016
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