Luís Rocha
O folhetim que Rui Moreira
[foto] vem alimentando sobre a TAP, constitui um exemplo típico da eterna
tentação da classe política para o intervencionismo pífio e bacoco na esfera económica
e na estratégia das empresas.
Manifestar o desagrado pela
descontinuação de serviços de uma empresa a uma determinada região, é um
direito que assiste a todos os consumidores, directos ou indirectos, desses
serviços. Mas a forma mais eficaz de o fazerem não passa pela lamúria ou pelo
queixume requentado contra o centralismo, mas pela simples mudança para outros
fornecedores, atingindo assim a empresa “prevaricadora” no sítio que mais lhe
dói, a sua conta de exploração. Uma actuação massificada dos consumidores neste
sentido, atrairia de imediato outras empresas de aviação que, não só
ofereceriam voos para as rotas descontinuadas pela TAP como para todas as
restantes abandonadas pelos seus ex-Clientes. Algo que já está, aliás, a acontecer.
Mas o mais ridículo é
pretender, após concluída a patética reversão parcial da privatização, que o
governo obrigue a TAP a repor as rotas descontinuadas. Se múltiplos exemplos
não houvesse já, este espelha bem a perversidade da detenção pelo Estado de
empresas, sujeitas fatalmente a decisões de cariz político. É uma tentação
irresistível a todos os políticos, pretenderem influenciar estratégias
empresariais em negócios que não dominam, penalizando geralmente estes, mas
sempre no intuito de ganhar quota no seu mercado de eleição, o dos votos.
Agitar altas taxas de ocupação dos voos descontinuados pode constituir um bom
argumento para indignar a populaça, mas tal não implica necessariamente
rentabilidade da operação. E mesmo que esta exista, pode haver um custo de
oportunidade elevado, se as aeronaves puderem ser afectadas a rotas mais
rentáveis.
Se clamar contra uma
descontinuação de rotas, algo que é recorrente na actividade de uma companhia
aérea é ridículo, pretender que ela constitua um hub no Porto
é patético. Um hub não se implanta pela simples criação de um
conjunto de rotas directas a partir de um dado aeroporto. Isso é apenas um
indício da sua existência. Mas para que ele funcione enquanto tal, é necessário
que haja um feeding, com alguma densidade, entre voos de pequeno ou
médio curso e voos de longo curso. E isso pressupõe a criação de estruturas a
vários níveis, seja em disponibilidade de pessoal de voo e de terra, seja em
termos logísticos, do manuseamento de bagagens e carga (algo de complexo no
sector) à necessidade de instalações próprias para manutenção de aeronaves.
Isto exige investimentos de monta, quer do aeroporto, quer da empresa que opera
o hub.
Num país da dimensão do nosso,
ter 2 hubs operados pela mesma companhia à distância de 300
kms, seria uma perfeita irracionalidade, pois a nossa massa crítica mal chega
para rentabilizar um único. Para a TAP seria um investimento ruinoso, pois os
cerca de 12 milhões de passageiros que transporta anualmente teriam de ser
repartidos por 2 aeroportos, portanto com toda a logística em terra duplicada
quando poderia fazer todo o feeding utilizando apenas um
deles. Refira-se que nos Estados Unidos, de longe o maior mercado da aviação e
onde qualquer um dos 30 maiores aeroportos movimentará mais passageiros e carga
do que todos os nossos juntos, assistiu-se recentemente à descontinuação de
várioshubs das grandes transportadoras, na sequência de fusões que
se verificaram. Ao longo dos últimos 10 anos, a American Airlines desactivou
Saint Louis, Pittsburgh e Las Vegas, a Delta Airlines saiu de Cincinnati e de
Memphis, a United abandonou Cleveland e especula-se que pensará fazer o mesmo
em Washington Dulles, o principal aeroporto da capital federal (!!!).
Tal provocou a queda abrupta
do tráfego nestes aeroportos para cerca de um terço do que movimentavam
anteriormente e alguns só recentemente têm vindo gradualmente a recuperar à
custa das low-cost. Estes de-hubbings podem ter um
impacto significativo nas comunidades locais, com reduções sensíveis do
emprego, directo e indirecto, muito dele qualificado, e da actividade económica
em toda a região. Os casos mais paradigmáticos são os de Saint Louis e
Cincinnati que viram o volume de passageiros cair, respectivamente, de quase 31
e 23 milhões que apresentavam no início do século para a exiguidade de 13 e 6
milhões em 2015, tendo perdido grande parte das ligações internacionais e quase
todas as intercontinentais. Saint Louis foi o principal hub da extinta TWA,
absorvida em 2001 pela American Airlines, tornado redundante por estar a meio
caminho entre Dallas e Chicago os seus maiores hubs; Cincinnati foi, durante
vários anos, o 2º principal aeroporto da Delta e chegou a ter ligações directas
a 8 cidades europeias, hoje reduzidas apenas ao voo para Paris/CDG. Foi sendo
desactivado a partir de 2008, tornado excedentário pela proximidade de Detroit,
um hub bem mais importante herdado da fusão com a Northwest.
Em qualquer um destes aeroportos, as antigas operadoras incumbentes chegaram a
ter quotas de mercado da ordem dos 80%.
Daqui se poderá concluir que a
existência de um hub também comporta riscos para a região. Um
sector tão sensível à conjuntura económica como é o da aviação comercial,
sujeito nos últimos anos a vários processos de consolidação, em que é
fundamental a rentabilização de investimentos vultuosos, associado à emergência
das low-cost que foram paulatinamente conquistando quota nos aeroportos de
pequena e média dimensão, tornou precária a subsistência de hubs secundários,
sacrificados à maior eficiência e efeito escala dos mega-hubs. Daí que se
assista a uma tendência de concentração das chamadas major carriers nos
seus principais hubs, focalizando-se principalmente em voos de
médio/longo curso e intercontinentais, em articulação cada vez mais estreita
com as companhias parceiras da mesma Aliança internacional. As rotas de pequeno
curso e de ligação às pequenas comunidades são crescentemente asseguradas por
empresas regionais, participadas ou em regime de sub-contratação, com
estruturas de custo mais leves que permitam concorrer com as low-cost.
Não é por acaso que no caderno
de encargos da privatização da TAP, o anterior governo consagrou a permanência
do centro operacional em Lisboa, pretendendo assim cobrir o risco do de-hubbing.
Claro que isto não passa de intervencionismo para jornalista divulgar e não irá
proteger coisa nenhuma, pois nada obsta que amanhã se venha a justificar a
abertura de um novo hub e que a Portela seja secundarizada.
Já aqui me
pronunciei sobre o que me parece venha a ser a estratégia de Neeleman para a
TAP e que declarações suas posteriores vêm confirmando. Se amanhã conseguir
canalizar elevados volumes de tráfego das comunidades hispânica e italiana
residentes nos Estados Unidos, poderá justificar-se o investimento de um hub em
Espanha (quiçá Sevilha ou Valência) e outro em Itália (presumivelmente em
Bergamo, Bolonha ou Nápoles). Destes aeroportos, aproveitando as disposições do EU-US Open Skies Agreement, poderá eventualmente lançar rotas directas para
os hubs da United e, numa 2ª fase para o Brasil, onde a comunidade italiana
supera a portuguesa (neste caso condicionado à existência de Acordo EU-Brasil,
que já tem sido aventado, mas de concretização mais problemática, dado o grau
de proteccionismo brasileiro). Isto iria naturalmente desvalorizar o hub de
Lisboa, mas seria sempre a TAP a fazer a distribuição do tráfego pela Europa.
Ou seja, bem ou mal e por
muito que custe a Rui Moreira, a TAP optou pelo modelo hub-and-spokeporventura
por razões históricas. Trata-se de uma empresa que cresceu à custa do monopólio
que detinha nas ligações para as ex-colónias. Mesmo após a descolonização,
continuou a ser a companhia dominante naquelas rotas, mas é óbvio que o mercado
se contraiu. Mas foi com Fernando Pinto (um bom gestor, refira-se) que
implantou um verdadeiro hub em Lisboa com a diversidade de
rotas que conseguiu abrir para o Brasil, sendo talvez hoje a empresa que mais
tráfego europeu para lá canaliza.
A falência e liquidação da
Varig permitiu-lhe consolidar a posição liderante e o conjunto de rotas
estabelecidas fez dela um activo muito apetecível para David Neeleman, a
parceira adequada que lhe permitiria escoar o crescente tráfego da Azul que demandasse a Europa. O racional
daquele modelo leva, por razões de maximização da taxa de ocupação e do nº de
frequências, a canalizar todos os voos para um hub, onde dispõe de
toda a logística de manutenção e de transbordo de passageiros e mercadorias.
Esta “lógica centralista” é válida para qualquer empresa que adopte idêntica
estratégia, o que torna ridícula a indignação de que a TAP não presta um
verdadeiro “serviço público” a todo o País, mas apenas a Lisboa. Com efeito, a
TAP é tão lisboeta como a Iberia é madrilena, a British Airways londrina, a Air
France parisiense, a Vueling barcelonesa, a Lufthansa de Frankfurt e Munique.
Qualquer uma destas companhias
serve as outras cidades dos respectivos países a partir dos seus hubs, sendo
raros os voos directos internacionais que operam de cidades secundárias e quase
nulos os voos intercontinentais. Estas são (bem) servidas pelas low-cost e
pelas majors de outros países. Cidades com a dimensão e
importância de Barcelona, Manchester, Dusseldorf, Hamburgo ou Berlin, não têm
nenhum voo intercontinental operado pelas companhias ditas “de bandeira” dos
respectivos países, mas beneficiam de inúmeras ligações non-stop operadas
pela Aerolineas Argentinas, Air Canada, Air China, Air Transat, American,
Delta, United, Singapore Airlines ou TAM. Não me consta que se queixem de
estarem mal servidas de transporte aéreo.
Tal como o Porto não tem
razões de queixa desde que foi posto no mapa pelas low-cost, altura
em que deixou de ser apenas um destino de negócios e se transformou também num
destino turístico de eleição.
A TAP pouco contribuiu para
isso, mas mesmo assim foi dos aeroportos a registar dos maiores crescimentos na
Europa (mais 16,7% de passageiros em 2015, face aos “magros 10,7% de Lisboa).
Em breve atingirá os 10 milhões de passageiros / ano e nessa fasquia, será
sempre um mercado apetecido por inúmeras operadoras. Não é hub de
nenhuma major, nem reúne condições para vir a sê-lo, dada a sua
situação periférica e a proximidade de Madrid, Lisboa e Barcelona; mas é “base”
da Ryanair e da EasyJet, um conceito algo diferente do hub:
assegura um nº elevado de ligações directas, mas apenas na ópticapoint-to-point,
sem as funcionalidades de transbordo; a British Airways e a Lufthansa, 2 majorseuropeias,
anunciaram recentemente novos destinos, seguindo-se à recente abertura da rota
de Istambul por parte da Turkish Airlines; tem apenas 5 rotas intercontinentais
regulares (Newark, S. Paulo e Rio de Janeiro, asseguradas pela TAP, Toronto,
operada pela SATA e pela canadiana Air Transat e Luanda, operada pela TAAG),
quanto baste para colocar o Porto no topo do ranking das cidades secundárias
europeias com ligações de longo curso. Refira-se que Berlin, uma das principais
capitais, tem apenas 8 (Newark, Beijing, Amman, Bagdad, Baku, Beirute, Teeran e
Telaviv); Hamburgo, a 2ª cidade alemã, tem 5; Nice, o 3º maior aeroporto
francês, apenas 2.
É pouco crível que a TAP venha
a abrir mais rotas intercontinentais a partir do Porto, pois não existe massa
crítica na região para alimentá-las nem fluxos suficientes das escassas rotas
europeias que ainda mantém. Seria por exemplo inviável para a TAP manter um voo
Porto-Chicago. O mercado local é claramente insuficiente e o feeding originado
das rotas europeias seria quase nulo, pois estamos a falar de Madrid, Paris,
Londres, Amsterdam e Zurique, mega-hubs que já dispõem de
várias ligações diárias para Chicago.
Mas se Neeleman, na sua já
anunciada “conquista da América”, estabelecer parcerias com a United, já poderá
ser viável para esta criar uma rota para o Porto em code-sharing com
a TAP. Chicago é uma das mais gigantescas placas giratórias da aviação civil e
o 2º maior hub da United que lá opera mais de 500 voos
diários, provenientes de todo o continente americano, Europa e Pacífico.
Conexões de passageiros vindos
de todo o lado, conjugadas com a dimensão do mercado local (área metropolitana
com mais de 8 milhões de habitantes e elevado poder de compra), permite
naturalmente encher aviões para todo o lado. A concretizar-se este cenário, o
Porto pode no futuro beneficiar de novas rotas, não operadas pela TAP, mas por
obra e graça desta e do objectivo de consolidação e crescimento do seu hubde
Lisboa. O sucesso do aeroporto FSC passará por atrair o maior número possível
de companhias e não por ficar hipotecado a uma incumbente. O efeito final será
idêntico ao obtido por um hub, a maximização de destinos directos,
mas sem os riscos que aquele comporta.
Isto é tudo uma conspiração
para saturar a Portela, retomar o dossier do novo aeroporto e construir nova
ponte? Bom, o PS continua encharcado de “entusiastas” dos grandes
“investimentos estratégicos”, a sua “ferramenta” preferida para “comprarem”
financiamentos, mas não era preciso lembrá-los. Acredito contudo que Neeleman é
alheio a isto e está sobretudo preocupado com o racional do seu negócio,
sabendo de antemão que o aeroporto de Lisboa pode crescer até aos 35/40 milhões
de passageiros/ano. E na óptica da TAP, uma vez esgotada a Portela, é
preferível ir constituindo gradualmente um 2º hub do que mudar toda a estrutura
para um novo aeroporto.
O aeroporto FSC poderá então
ser beneficiado, mas palpita-me que o projecto de Neeleman apontará para o sul
de Espanha e/ou Itália, como acima explicitei.
E Vigo, senhores? Como é que
se pode admitir que a TAP vá abrir uma rota Lisboa-Vigo? Está-se mesmo a ver
que nos quer roubar os “nossos” galegos! O alcalde de Vigo não
gostou nada e disse-o. E certamente que berrou com Rui Moreira ao telefone. A
TAP vai buscar passageiros a Vigo tirando-os ao Porto, como os vai buscar a
Barcelona fazendo o by-pass a Madrid, tal como a Ryanair fez o by-pass a
Lisboa quando abriu a rota Porto-Faro. É a lógica do negócio, operadoras e aeroportos
estão em permanente concorrência entre si.
Em vez de abrir um conflito
com a TAP, procurando interferir pela “via coerciva” na estratégia da empresa
apelando para o efeito ao poder central, talvez fosse mais benéfico para o
Porto que Rui Moreira assumisse uma postura dialogante e procurasse pontos de
convergência com a gestão da empresa.
Tentando, por exemplo,
influenciar a abertura de novas rotas como a hipótese de Chicago acima
referida. Algo que até poderia ser do interesse da TAP, demandar e “abastecer-se”
nos hubs dos parceiros, mas mantê-los longe do seu.
Claro que isto se faz na
discrição dos gabinetes. Rui Moreira, embora consciente que não se criam hubs
por decreto, prefere o alarido mediático. Ele lá sabe – e todos nós também
– porquê…
Título e Texto: Luís Rocha, Blasfémias,
13-2-2016
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