João Marques de Almeida
O Governo abriu o conflito com a UE
devido a uma análise errada do momento político europeu. Acreditou que a crise
dos refugiados e o referendo britânico levariam Bruxelas e Berlim a fecharem os
olhos
1. Vivemos tempos maus em Portugal. A mentira torna-se “verdade” e
a verdade é atacada como uma “traição anti-patriota” ou como um “desejo para
que tudo corra mal” de mentes afectadas por ideologias pérfidas. O PSD e o CDS
teriam que sofrer de um elevado grau de masoquismo para desejarem que tudo
corra mal e voltarem ser forçados a impor “austeridade” aos portugueses. Será
que alguém julga que governar nessas circunstâncias constitui um exercício
político apetecível? Além disso, deve custar muito ver um governo destruir de
um modo irresponsável o que foi alcançado com sofrimento e sacrifícios de
milhões de pessoas. Este governo está a conduzir Portugal de novo para o
desastre.
E o governo sabe isso; por
isso, mente para esconder o que está a fazer. A mentira como método de governo
está a destruir a democracia. Vejamos o que aconteceu nas duas últimas semanas.
O governo enviou o plano orçamental para Bruxelas, de acordo com a legislação
ratificada pelo Parlamento e com os votos a favor do PS. A Comissão Europeia
escreveu uma carta a pedir emendas ao orçamento. O governo enviou três (TRÊS)
cartas com medidas adicionais (e a Comissão recusou as duas primeiras como
insuficientes). No fim, Mário Centeno alterou o orçamento em mais de mil
milhões de Euros.
Mas mesmo assim Bruxelas não
ficou tranquila com o orçamento deste governo. Numa medida inédita, convocou
uma sessão extraordinária do Colégio de comissários com um único ponto para
discussão: o orçamento português. E o resultado da reunião de ontem, ao
contrário do que muitos disseram, não foi a aprovação do plano orçamental. O
que diz então a Comissão?
Em primeiro lugar, “Portugal
corre o risco de incumprimento com as regras do Pacto de Estabilidade.” Em
segundo lugar, “a Comissão apela às autoridades portuguesas para adoptarem as
medidas necessárias para que o orçamento de 2016 respeite as regras do Pacto de
Estabilidade.” Se isto significa a “aprovação” do orçamento, o
primeiro-ministro tem claramente um problema com a palavra aprovação. Não entende
certamente a palavra do mesmo modo que a maioria dos portugueses. Obviamente, a
Comissão recusou a proposta de orçamento do governo português, tal como
rejeitou a primeira e a segunda emendas.
Ou seja, este governo colocou
Portugal sob “aviso vermelho” (o vermelho é definitivamente a cor favorita
deste governo) da Comissão. Em Abril, Maio, teremos o regresso da triste e
desgastante novela Lisboa-Bruxelas. Estas duas semanas, de resto, mostraram
como será a vida deste governo: um estado de negociação permanente sobre
questões orçamentais. Internamente, estará sempre a negociar com o PCP e com o
BE (pobre Centeno, por esta altura deve ter pesadelos com o João Oliveira e a
Mariana Mortágua). Na frente externa, iniciou um conflito orçamental com a
União Europeia, com altos e baixos, mas que acompanhará o governo até ao fim, e
com tendência para piorar com o tempo. Um governo que queria “começar um tempo
novo” já se condenou a estar refém das questões orçamentais e financeiras, em
vez de se concentrar no crescimento económico e nas reformas que o país
precisa. Temos um governo que em lugar de governar para melhorar o futuro do
país, está a ajustar contas com o passado.
Em grande parte, o governo
português iniciou o conflito com a União Europeia devido a uma análise errada
do momento político europeu. Convenceu-se que a crise dos refugiados e o
referendo britânico levariam Bruxelas e Berlim a serem muito mais tolerantes em
relação a desvios orçamentais. Quem se preocuparia com Portugal quando se joga
o futuro de Schengen, e talvez da própria Merkel, e a manutenção do Reino Unido
na EU? Mas os cálculos do governo estavam errados. Os parceiros europeus fazem
uma distinção entre as questões da zona Euro e o problema dos refugiados e
continuam a seguir com muita atenção tudo o que possa provocar uma nova crise
na zona Euro. Aliás, juntar à crise dos refugiados uma crise do Euro é que deve
ser evitado a todo o custo. Por isso, e mais uma vez numa situação invulgar,
Merkel elogiou o anterior PM ao lado de António Costa.
Bem sei que a esquerda fica
atónita sempre e quando a direita faz oposição aos seus governos. No mundo ideal
das esquerdas, elas vão para o governo, seja qual for o resultado eleitoral,
esperando que a direita fique calada e quieta na oposição. Mas, em democracia,
não há nada mais salutar e patriótico do que manter o poder político sob
escrutínio. Agora, por vontade das esquerdas, compete à direita estar fora do
governo. Assim será. A oposição será feita com zelo. Habituem-se.
2. Marcelo Rebelo de Sousa escolheu Fernando Frutuoso de Melo para
chefe da Casa Civil, A escolha não poderia ter sido mais acertada, dada a
experiência e competência demonstrada por FFM nos anos que trabalhou na
Comissão Europeia. Além disso, Rebelo de Sousa terá um canal directo para
Bruxelas, sem depender das informações dadas pelo governo. Num momento em que
Bruxelas faz parte da política nacional, o novo Presidente escolheu muito bem.
Título e Texto: João Marques Almeida, Observador,
6-2-2016
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