sábado, 6 de fevereiro de 2016

As charlatanices orçamentais da “geringonça”

André Azevedo Alves

A vontade de poder a qualquer custo de Costa depois da derrota eleitoral colocou o PS, o governo e o país reféns da extrema-esquerda. Os efeitos desse preocupante arranjo começam a tornar-se evidentes

Primeiro, eram apenas “tecnicalidades”. Depois, havia pequenos ajustes – presumivelmente de pouca importância – a realizar. Alguns dias depois, afinal, o esboço de orçamento apresentado era para rasgar e fazer de novo. A narrativa das “tecnicalidades” deu rapidamente (e acriticamente) lugar a uma totalmente oposta: a Comissão, supostamente dominada pelo PPE, estaria a fazer guerra aberta à “geringonça”.

O resultado final, bem patente no duro parecer da Comissão sobre o esboço orçamental apresentado pelo Governo de António Costa, dificilmente podia ser mais claro: em poucos meses, a “geringonça” destruiu o (frágil) capital de credibilidade lenta e dolorosamente acumulado ao longo dos últimos 4 anos.

O descrédito é evidenciado desde logo na (expectável) rejeição da inacreditável tentativa de classificar como medidas temporárias a reposição de salários na função pública e a anulação dos cortes aplicados às pensões mais altas:

“(…) the planned improvement in the structural balance was mostly due to the classification of certain fiscal policy measures as one-off in 2015 and 2016. As these are deficit-increasing measures fully under the control of the government which, intrinsically, are of neither temporary nor non-recurrent nature, their classification as one-off was not in line with the Commission classification principles in this regard.”

Mas, infelizmente para Portugal, há mais. Várias das medidas apresentadas por António Costa com o objectivo de reduzir o défice foram consideradas “insuficientemente especificadas”:

“(…) the Commission forecast does not include a number of not sufficiently specified deficit-reducing measures, notably the freeze of intermediate consumption and the efficiency gains in other expenditure, and is based on a less optimistic macroeconomic scenario”-

Pelo meio do processo, a credibilidade do novo ministro das Finanças foi sacrificada no altar da “geringonça” e o exercício de equilibrismo impossível de Mário Centeno arrisca-se a terminar muito cedo e muito mal.

A conclusão final reflecte aliás cristalinamente o estado de desconfiança da Comissão relativamente ao governo de António Costa. Depois das medidas adicionais apresentadas a 5 de Fevereiro (praticamente todas por via de agravamento de impostos), a Comissão considera que, no papel, o desvio relativamente aos compromissos assumidos deixou de ser significativo.

Mas logo a seguir acrescenta que a avaliação da Comissão aponta no sentido de um significativo risco de incumprimento (por outras palavras: a palavra do actual governo português vale muito pouco). Neste contexto, a Comissão “convida” António Costa a tomar medidas adicionais e anuncia uma nova avaliação atenta da situação orçamental portuguesa para Maio:

“The Commission invites the authorities to take the necessary measures within the national budgetary process to ensure that the 2016 budget will be compliant with the Stability and Growth Pact. The Commission will reassess Portugal’s compliance with its obligations under the Stability and Growth Pact, including under the Excessive Deficit Procedure, on the basis of: the budgetary outcome of 2015, once validated data for that year are available this spring; Portugal’s forthcoming Stability Programme; and the Commission 2016 spring forecast. The results of this assessment will be reflected in a new decision under the Excessive Deficit Procedure in May.

A vontade de poder a qualquer custo de António Costa depois de uma pesada derrota eleitoral colocou o PS, o governo e o país reféns da extrema-esquerda. Os efeitos desse preocupante arranjo – afinal a grande inovação da “geringonça” – começam a tornar-se demasiado evidentes. O caminho que leva das charlatanices orçamentais até uma nova bancarrota pode ser muito curto e a “geringonça” arrisca-se a sair muita cara aos portugueses.
Título e Texto: André Azevedo Alves (*), Observador, 6-2-2016 
(*) Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

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