Jacinto Flecha
Dois leitores da minha
última crônica (Ano
MMXVI – Segundo milésimo décimo sexto) escreveram-me elogiosamente, e
com boas sugestões.
O primeiro informa não ter
concluído nenhum curso universitário, e declara-se estupefato com algumas
preciosidades da nossa língua (eu diria preciosismos), tipo octingentésimo,
quadringentésimo. Nunca ele tinha tropeçado nisso, nunca perdeu noites de sono
por causa disso e nunca precisou disso para viver. Mas reconhece que um em um
milhão pode precisar, portanto é bom esses palavrões estarem de plantão para
quem quiser complicar com eles a vida dos outros.
Declara também ter gostado da
ideia do ascensorista, com seu sobe-desce de dôzimo para dezenóvimo, e
vice-versa. Acha a ideia original, mas bastante limitada, e não atina com a
maneira de aplicá-la a algum octingentésimo que se apresente.
Agradecendo a atenção desse
conterrâneo, passo a analisar as considerações do outro, que não é brasileiro,
e sim francês radicado no Brasil. Como se sabe, os franceses são todos muito
educados – ou não, conforme as circunstâncias. Tanto é assim que ele começa
elogiando o trocadilho com iMaginot, e logo depois afirma que é muito fácil
fazer trocadilhos na língua francesa, que tem o mesmo som final para muitas
palavras, embora escritas de uns dez modos diferentes. A minha conclusão é que
talvez seja uma espécie de riqueza da língua…
O franco-brasileiro concorda
ser estapafúrdio (drôle) fazer contas dentro do mesmo número, como
ocorre a partir de setenta e um (soixante onze). E afirma que os
franceses teriam resolvido isso de acordo com a minha sugestão (septante, huitante, neuvante),
se os belgas já não estivessem falando assim. Uma boa ideia para a França só
pode surgir na cabeça de um francês, além disso é muito cômodo poder incriminar
os belgas como deturpadores da língua.
Prossegue afirmando que os
meus legítimos esforços para corrigir a língua dos outros deveriam ter
encontrado melhor uso na solução daqueles nossos palavrões dos numerais
ordinais. Coisa, aliás, que os franceses já resolveram sem a minha ajuda
dispensável. Tudo muito amável, como se pode ver. E explica que os ordinais
franceses são enunciados simplesmente escrevendo o número em algarismos
arábicos, e acrescentando a ele um ième em sobrescrito. Por
exemplo, 49ième. Muito mais fácil do que os nossos palavrões.
Evidentemente os franceses não nos permitirão copiar o ième deles,
mas podemos usar ésimo, algo assim: 49ésimo, que na
leitura seria quarenta e novésimo.
Parece que esse meu leitor
franco-brasileiro não tem conhecimento amplo da nossa língua, pois já temos uma
solução até mais fácil para o efeito que ele menciona: 49º. O difícil para nós
é quando queremos escrever ou falar os ordinais por extenso, sem os algarismos,
como fiz acima com a pronúncia do quarenta e novésimo. Talvez possamos
aproveitar a sugestão dele para isso também. Que dificuldade haveria, por
exemplo, em dizer oitenta e setésimo, oitocentos e setenta e um-ésimo, etc? De
primeiro a décimo ficaria como está, e de onze a vinte usaríamos imo,
curvando-nos assim à pitoresca sugestão do ascensorista.
Esqueci-me de informar que o
primeiro leitor, o brasileiro, está disposto a quebrar lanças contra os tais
quingentésimos. Propôs até uma passeata diante da Academia Brasileira de
Letras, com cartazes e slogans assim: Abaixo o octingentésimo! Não
queremos setingentésimo nem sexcentésimo!, e assim por diante. Ele só tem
dúvida se faríamos isso diante da Casa de Machado de Assis, pois no nosso caso
não se trata de letras, e sim de números. Pergunta-me se existe Academia
Brasileira de Números. Já respondi pessoalmente, mas não disponho de espaço
aqui para incluir a minha resposta.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, ABIM,
6-2-2016
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