Manuel Serrão
António Tsipras e Mário
Varoufakis?
Se alguns portugueses não
sentiram nos últimos dias aquela famosa sensação de déjà-vu, tenho a certeza
que os credores que Portugal tem em comum com a Grécia já experimentaram essa
sensação nos últimos tempos. Claro que todos sabemos que Portugal não é a
Grécia, por milhares de razões e a Europa também tem perfeita consciência que
António Costa nunca chegará a ser Tsipras, tal como não é possível de forma
alguma comparar Mário Centeno a Varoufakis.
De qualquer forma o que está
em jogo nestes dias, em termos conceptuais, tem muitos pontos de contacto com
essa memória, ainda que a intensidade seja muito menor. Trata-se de pôr em
pratos diferentes da balança as realidades e os sonhos.
1. Trocar
o certo e a realidade...
Goste-se ou não da política e
estratégia que o anterior Governo pôs em prática e pôs a comandar as suas
relações com a troika, há que reconhecer que nessa época o que se propunha e o
que se antevia era que o fim progressivo da austeridade estaria dependente e
acompanharia proporcionalmente o desempenho positivo da situação económica e
financeira.
Quando Maria Luís Albuquerque
vem dizer que sofreu uma enorme desilusão com a impossibilidade de devolução já
em 2016 da taxa aplicada nos anos anteriores, eu quero acreditar que, de facto,
existiu no Governo de Passos Coelho a ilusão, o sonho, de que a realidade da
economia pudesse permitir o abrandamento progressivo das penalizações aos
contribuintes portugueses.
Em suma e em resumo,
caricaturando de certa forma esta situação, podemos dizer que o Governo PSD/CDS
partia do certo, da realidade, para o sonho. Bem ao contrário daquilo a que
temos assistido a propósito do novo Orçamento do Estado do Governo de Esquerda,
agora o que se propõe é que partamos do sonho para a realidade.
No primeiro caso tratava-se de
exigir que a realidade pudesse permitir qualquer sonho ou veleidade. No atual
orçamento, o que vemos é a ideia voluntarista de que a realidade está obrigada
a cumprir o sonho. Todos os sonhos.
2. … pelo
incerto e pelo sonho
Face a este cenário, se por um
lado admito que a forma de negociar de Mário Centeno e seus pares estará a
quilómetros-luz das "palhaçadas" com que os ministros gregos
brindaram a Europa no passado, também acredito que a ocasião não é a mais propícia
para os sonhos, ainda que delicados, do Governo de Esquerda.
Para além do fantasma grego
que parece já distante, existe a realidade espanhola de um país que não
consegue formar Governo e que até parece que está à espera de ver o que
consegue o nosso Governo junto da Europa, para decidir se segue ou não o mesmo
caminho.
Numa Europa a rebentar pelas
costuras com a crise dos refugiados e a experimentar uma retoma económica ainda
incipiente, não me parece nada fácil que Mário Centeno possa colher os frutos
desejados (e cada vez mais proibidos) com que tem tentado convencer os
parceiros europeus, de sorriso aberto e pancadinha sempre pronta nas costas.
Como diz o povo, "agora é que a porca torce o rabo". Agora é que
vamos ter a prova dos nove em relação à consistência do acordo com que o PS
chegou ao Governo.
Excetuando uma ou outra
pequena surpresa, como pode ter sido o caso Banif, a verdade é que as contas
eram conhecidas e não é crível que o PS tenha construído o seu Governo em cima
de um acordo, em que tenha escrito e concordado com todos os sonhos, sem que lá
exista uma única cláusula de salvaguarda da realidade. É por isso que estou
convencido que este tempo negocial tinha mesmo de existir, mas que também o
próximo Orçamento do Estado já tinha o seu destino traçado. Pelo que vai ser
aprovado de acordo com as exigências da Europa e dos credores e a verdadeira
realidade do Estado da nação. Numa linguagem muito em voga (e que o próprio
António Costa até recorda de uma campanha autárquica) o que mais nos faltava agora,
era que logo na primeira curva o "Ferrari" se estampasse, como se
levasse um burro ao volante.
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