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Imagem: www.IEgool.com |
José Carlos Bolognese
Tenho uma relação de
sentimentos conflitantes, alegres e tristes, com o mês de abril. Sua luz e
temperaturas amenas inauguram uma fase gostosa do ano. Nas minhas lembranças da
aviação viajando mundo afora, este mês começava com um alívio das temperaturas
extremas. Não nasci neste mês, mas coisas importantes na minha vida ocorreram
neste espaço de trinta dias. Antes de entrar para a aviação já curtia esta
parte do ano que vai até mais ou menos outubro, na maior parte do planeta. Mas
foi viajando que descobri que ao contrário dos seres humanos, o clima em
lugares distantes e muito diferentes uns dos outros é capaz de ficar suportável
por sete meses, sem discrepâncias radicais.
Na manhã de 6 de abril de
1970, meus pés me levaram a um lugar onde minha cabeça jamais sonhara chegar;
as instalações da Varig no aeroporto de Congonhas. No dia anterior, um domingo,
cumprira a busca na seção de empregos de um grande jornal. Sem saber ao certo o
que procurava – só estava claro que não podia viver de brisa – topei com um
interessante anúncio da Varig procurando candidatos à função de comissário de
bordo. Gostava de aviões, adorava ver Electras e Viscounts voando no céu
distante, mas eu, penetrar naquele mundo, era outra história, mais ou menos
como viajar a outro planeta. Com 22 anos já tinha trabalhado bastante, mas a
aviação jamais iria ser outro emprego para mim. Ia ser – e foi – outra vida.
Esta outra vida começou de
fato após a primeira entrevista e a aprovação nos primeiros exames de admissão.
Não demorei a descobrir a grande empresa onde ia trabalhar por sua disposição
em bancar dispendiosos exames de saúde, apostando de antemão no profissional
que precisava formar. Não sei como ficou depois do meu tempo e como é agora
quando um jovem se prepara para a adorável profissão que eu tive. Só sei que
conheci uma empresa, na época, muito generosa com seus trabalhadores e este é
um sentimento que fica para sempre. Quarenta e seis anos depois, ainda me
felicito pela nossa mútua escolha: a da Varig e a minha.
O dia 11 de abril de 2006
amanheceu com a sua costumeira luz do lado de fora e uma radiosa luz de
esperança no coração dos variguianos. Tive a sorte – que também compreendi como
um dever – de fazer parte do grupo que lotou um MD-11 rumo a Brasília, onde
esperávamos parar a lenta destruição da Varig e encontrar alguma forma de
recomeço. Alguns meses antes desta viagem de sonho, participamos de muitos
movimentos para salvar a empresa e descobrimos a dureza que é estarmos certos
dos próprios direitos, argumentar, expor os fatos à luz da razão e sermos
tratados com a triste indiferença dos que, sem nenhum escrúpulo, culpam as
vítimas por suas desgraças. Reflexão à parte, me vem um título associado à
Varig: “A Pioneira”. Embora a contragosto, também fomos “pioneiros”, alguns
anos antes dos outros brasileiros a testemunhar e sofrer a ação nefasta desse
projeto criminoso de poder, isto é, do mesmo grupo político que nos dias atuais
quer arrastar o país para um abismo ainda maior do que aquele onde despejaram a
Varig e seus trabalhadores.
Quase uma década depois, ainda
acho complicado lidar com as lembranças e os sentimentos relativos a este dia
tão especial. O primeiro sentimento foi de alegria por rever um monte de gente
bacana com quem convivi na Varig por muitos anos. Um outro, mais ingênuo
talvez, foi entrar e voar no MD-11... eu adoro esse avião! E depois disto vivo
oscilando entre decepções e esperanças.
Então, chegando lá, fomos à
luta. Passeatas ordeiras, bem comportadas como convém a quem preza sistemas
organizados - até recebemos elogios dos policiais acostumados a lidar com as
badernas autonomeadas de “movimentos sociais” - caminhadas pelos corredores da
câmara e do senado em busca dos apoios necessários - tanto àquela época como
agora – e uma vigília no ministério da Defesa na vã expectativa de que um
pulsilânime ministro, pau mandado, fosse capaz de fazer alguma diferença. Não
fez, nem antes nem depois de uma inoportuna chuva no começo da noite decretar o
fim da nossa vigília.
As primeiras horas do dia
seguinte, 12 de abril, também um dia lindo e luminoso, foram de expectativas e
especulações, mas deixadas de lado um pouco por questões práticas como ir para
o aeroporto, check-in, voo de Boeing 757 e chegada no RJ. Porém, conforme as
emoções e esperanças do momento e contra relógio, pode-se dizer que o dia 11
durou até a manhã do dia seguinte... Então desaba sobre nós o 12 de abril de
2006... O dia que já foi um tanto amenizado, mas ainda não acabou, pois neste
dia começou, para valer, o drama dos aposentados do Aerus e, de certo modo, a
partir daí, aceleraram-se as mutretas que acabaram com a Varig.
Somente agora, neste 2016, nós
os sobreviventes, estamos podendo fazer algumas coisas que não foram eliminadas
pelo passar do tempo. Outras ficaram para trás, inexoravelmente. Afrouxaram a corda
no pescoço, mas as tornozeleiras da incerteza ainda prendem nossos pés.
O mês de abril, com sua luz e
clima gostoso, tem para mim e meus eventos pessoais um significado marcante. A
partir de 2006 porém, este mês passou a habitar o imaginário de todos os que
trabalharam na Varig e ainda sofrem pela sua extinção. Que a luz deste mês e de
todos os outros iluminem nossos caminhos.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 1-4-2016
Caro Bolo! Salvei está linda foto, entre as minhas, e admiro-a como uma linda manhã de Abril! Bolo, lindo Relato, sensível, nos toca como Colega, nos remete a vários sentimentos semelhantes aos teus. Muito Obrigado! Sensibilizado!
ResponderExcluirUm Abraço!
Heitor Volkart