José Milhazes
Na Rússia os resultados desportivos, tal
como na União Soviética ou na Alemanha Nazi, são utilizados para mostrar a
força do regime. Foi por isso que Moscovo quis organizar os Jogos Olímpicos de
Sochi
O Presidente russo Vladimir
Putin tem toda a razão quando afirma que “a ingerência da política no desporto
é uma reminiscência perigosa”, mas talvez se tenha esquecido de acrescentar que
nem todos os meios são aceitáveis para conseguir vitórias desportivas.
O regime cada vez mais
autoritário e autocrático do Presidente tem recuperado ideologicamente páginas
da História da Rússia para justificar essa política, ao ponto de Valentin
Zorkin, presidente do Tribunal Constitucional da Rússia, ter vindo defender a servidão
da gleba, abolida na Europa na Idade Média e na Rússia em 1861. Segundo este
juiz, uma das causas fulcrais das revoluções do século XX foi a abolição da
servidão da gleba, porque esta era “a principal cola que mantinha a unidade da
nação”.
Na Rússia, os resultados
desportivos, tal como na União Soviética, ou na Alemanha Nazi, ou em outros
regimes autoritários, são utilizados para mostrar a força do regime. Foi por
esta razão que Moscovo chamou a si a organização dos Jogos Olímpicos de Inverno
em Sochi e do Campeonato do Mundo de Futebol de 2018. A mesma razão leva o
poder a obrigar os desportistas a fazer possíveis e impossíveis em nome do
“patriotismo”, nomeadamente recorrendo a substâncias proibidas.
Trata-se do primeiro caso em
que dezenas de desportistas foram apanhados nas malhas da Agência Mundial
Anti-doping (WADA), mas a reacção das autoridades russas não brilhou pela
novidade, bem pelo contrário.
No campo da política interna e
externa, a propaganda russa não se cansa de atirar para cima dos outros (Obama,
Merkel, Porochenko, etc.) as causas de todos os males do país. E esta
agressividade desinformativa aumenta à medida que os problemas internos e
externos da Rússia se agudizam. Isto não faz lembrar a propaganda soviética
(transmitida nomeadamente pelo Partido Comunista Português no nosso país) de
que as dificuldades se deviam à Segunda Guerra Mundial (isto quando ela já
tinha terminado há 30 ou 40 anos), ou à política do imperialismo
norte-americana, ou até à necessidade de a URSS ter de ajudar os seus amigos e
aliados (internacionalismo proletário)?
No campo desportivo, a reacção
mais “ritual” veio de Putin, que afastou alguns importantes funcionários
ligados ao controlo anti-doping e prometeu tomar todas as medidas para que
sejam observadas as leis internas e externas. No entanto, sublinhou que as
acusações se baseiam em revelações de Gregori Rodtschenkov, antigo funcionário
do serviço de combate anti-doping que se viu obrigado a fugir da Rússia, ou
seja, de um “homem de pouca confiança” ou de um “traidor”.
Antigos campeões olímpicos
russos falam em “paranoia” e “demonização” da Rússia, não obstante as provas
apresentadas pelo WADA.
Ainda mais enfureceu as
autoridades russas a ligação do doping ao FSB, antigo KGB soviético. Aeksandr
Karelin, antigo campeão olímpico e deputado do Parlamento, considerou isso “uma
estupidez”, frisando: “E ainda envolveram o FSB. Claro que toda a vida
demonizaram o nosso país no complexo período post-soviético e existem
estereótipos soviéticos de que o KGB controla tudo”.
Ora aqui Karelin esqueceu-se
de recordar que existem documentos e testemunhos que mostram que antigos países
socialistas faziam exactamente isso. O caso mais flagrante é a República
Democrática Alemã, conhecida pelos seus laboratórios secretos no campo do
fabrico de substâncias dopantes não detectáveis. Além disso, o KGB soviético
produzia veneno para aniquilar os seus adversários políticos e também possuía
laboratórios desportivos secretos. No caso do veneno, o segredo veio ao de cima
com o assassinato de Aleksandr Litvinenko em Londres. No caso do doping, o WADA
conseguiu apanhar os atletas russos com, como se costuma dizer, “as mãos na
massa”.
A não participação das equipas
russas em competições internacionais, nomeadamente nos Jogos Olímpicos do Rio
de Janeiro, irão certamente empobrecer fortemente o espectáculo e o nível de
competição. É pena, mas é preciso limpar o desporto do doping.
P.S. O problema do doping
no desporto é muito mais amplo e certamente que os russos não são os únicos a
doparem-se, daí ser necessário alargar e aperfeiçoar o combate à praga que
destrói o desporto.
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