Péricles Capanema

Ou foi apenas a Inglaterra?
Ela pode sair só, pois os dois outros países da Grã-Bretanha votaram pela
permanência. Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia anunciou “discussões
imediatas” com Bruxelas e países da UE para “proteger o lugar do país no
bloco”. Confirmou: “O segundo referendo de independência é claramente uma opção
que deve estar sobre a mesa, e está sobre a mesa”. Por sua vez, a Irlanda do
Norte também abriga setores importantes que desejam se unir à República da
Irlanda, membro da UE. Esta mesma divisão se manifestou candente quanto a
regiões, grandes cidades versus interior, faixas de idades, faixas de renda,
faixas de escolaridade.
Ou seja, esfacelou-se política
e socialmente o Reino Unido e já apareceram iniciativas querendo consertar o
estrago. Circula petição ao Parlamento para que novo plebiscito seja convocado,
e já passam de 2,5 milhões as assinaturas (na hora em que escrevo). Esperam que
o inglês, repensando o voto, anule o antes impensável, por ora aparentemente
irreversível.
O terremoto inglês causou
tremores na Europa inteira: existem movimentos reclamando plebiscitos em vários
países. Putin dispõe de momento de mais liberdade de ação.
O que virá? Ninguém sabe,
confusão nos mercados, nas chancelarias e nas cabeças. Pensar é distinguir.
Então, vamos pensar, distinguindo, destacando em particular dois pontos.
Afirmam analistas, a razão
maior do voto Brexit foi o temor xenófobo da imigração
descontrolada no Reino Unido que ameaçaria empregos, serviços sociais e a
cultura do país. Em termos. Os jovens, ainda que os maiores ameaçados pela
perda de empregos, votaram maciçamente para permanecer. Pesou aqui o
cosmopolitismo. E os velhos, boa parte já aposentada, sentiriam então mais a
ameaça cultural e votaram majoritariamente pelo Brexit. As grandes
capitais, de maioria cosmopolita, pela permanência; o interior, apegado aos
costumes, pela saída. Ademais, a muitos irritava a ditadura burocrática de
Bruxelas, em 40 mil funcionários e, em alguns, a agenda libertária.
Mudo o ponto de vista. Alguns
comentaristas destacam, vejo razão neles, pesou em proporção difícil de avaliar
a nostalgia da Inglaterra tradicional, poderosa, com seu traço de insularidade
e soberania altiva.
Com efeito, deixaram marcas
profundas na mentalidade inglesa a Guerra dos Cem Anos, o episódio da
Invencível Armada, as disputas com Luís XIV, as batalhas contra Napoleão, a
oposição à Alemanha na 1ª Grande Guerra, a luta contra Hitler. Exprimem a
posição de um país que se sente ameaçado pela potência dominante no Continente.
Este tipo de inglês se cansou de sentir-se dependente de Bruxelas. Ou seja, o
passado cobrou sua fatura. É antipático? Não, de si é saudável a afirmação da
personalidade própria e a defesa de suas liberdades e direitos. Nesse aspecto,
merece simpatias o voto Brexit.
Viro a página. A Europa sempre
teve necessidade de alguma união política para garantir a convivência interna
civilizada e ser escudo contra agressões de inimigos. Tal necessidade, ideal perene,
esteve entre os fundamentos da multissecular política da República de Roma,
depois do Império Romano e foi aspiração carolíngia, bafejando a coroação de
Carlos Magno no Natal do ano 800 pelo Papa Leão III. Inspirou o Sacro
Império, fez parte da política secular dos Habsburgos. Napoleão representou
concepção desnaturada do mesmo anseio. Hitler também dele se aproveitou
criminosamente. Em dito contexto, os Papas em muitas épocas e ocasiões foram
ponto de união, harmonização e defesa da Europa. São exemplos o encontro de São
Leão Magno com Átila em 452 e a ida de Henrique IV a Canossa em 1077 para pedir
perdão ao Papa São Gregório VII.
Na recente crise ucraniana,
Putin sentiu a força dessa política multissecular. Em Moscou, diante do
autocrata russo, em maio de 2015, Angela Merkel, de alguma maneira falando pela
Europa, advertiu-o com nota intimidadora: “Nos últimos anos procuramos de modo
crescente a cooperação [da Rússia e Alemanha]. A anexação criminosa e ilegal da
Crimeia e a guerra na Ucrânia oriental representaram séria derrota nessa
cooperação”. Aliás, até agora foram de Ângela Merkel as mais sensatas e
construtivas palavras na presente crise: “A União Europeia não precisa ser dura
com os britânicos”.
Não convém subestimar o perigo
latente. A saída da Inglaterra pode ser enorme passo no rumo do
desconjuntamento e da desagregação europeia, que entre outras sequelas ficaria
mais exposta ao poder russo, em especial Polônia, Hungria, países bálticos,
países nórdicos. A Europa estaria ainda em condições pioradas para fazer frente
ao poder islâmico expansionista e às manobras imperialistas de Beijing.
De outro lado, a advertência
do voto inglês pode ter efeito saudável. Como instância suprema, à Europa não
ajuda um poder intervencionista, burocrático, libertário em temas morais.
Precisa, isso sim, de um poder de harmonização e defesa que respeite o
princípio de subsidiariedade, bem como tenha em consideração direitos de povos,
regiões e famílias.
Havendo saída de algum país,
que sejam preservados os mais decisivos interesses europeus; se houver
permanência, que daqui em diante não sejam mais lesionados direitos de povos,
regiões e famílias.
Título e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 6-7-2016
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