Nuno Palma
Sem dúvida, a União Europeia podia, em
alguns aspetos, funcionar melhor. Mas a verdade é que, no essencial, as culpas
da nossa estagnação atual não são “dos outros”. São internas.
Existem vários mitos que
caracterizam a visão que os portugueses têm de si próprios e da sua História.
Um deles é o mito de que
Portugal sempre foi um país pobre. “Talvez nem sempre”, dirão alguns, pois
convém não esquecer os Descobrimentos, essa idade de ouro, graças à qual
Portugal teria ficado bastante rico (embora por pouco tempo). Mas, a partir
daí, foi só declínio, apesar de se ter construído um Império de fazer inveja ao
mundo.
Terá sido assim? Na verdade,
a investigação recente em História Económica não apoia a
ideia de que Portugal terá enriquecido significativamente na altura dos
Descobrimentos (para além de que, em boa verdade, nunca existiu um grande Império, nem sequer nos séculos posteriores).
Do mesmo modo que se criaram
vários mitos sobre o nosso passado, têm surgido igualmente mitos sobre o nosso
presente – muitos dos quais, sem dúvida, influenciados pela nossa interpretação
do passado.
Um mito bastante frequente é a
ideia de que Portugal é, hoje, um país pobre. Tal ideia não pode ser mais
falsa. Portugal é, atualmente, um dos 50 países do mundo com maior rendimento médio por pessoa.
Portugal também se sai
bastante bem em índices multidimensionais de bem-estar que tomam explicitamente
em conta acesso a cuidados de saúde, liberdade pessoal ou criminalidade. E
Portugal é dos poucos países do mundo onde a pobreza extrema, tal como a define
o Banco mundial, não existe:
Sem dúvida, Portugal ficou um
pouco mais pobre com a crise – que na verdade não começou em 2010, mas sim em
2000, e que tem raízes que até são ainda anteriores. Mas esse empobrecimento
deve ser entendido em termos relativos e não em termos absolutos. O que
aconteceu foi essencialmente que muitos outros países continuaram a avançar
enquanto nós ficámos parados.
Não estou a dizer que tudo
está bem neste cantinho da Europa. Aliás, já aqui argumentei
o contrário. Mas ao mesmo tempo, é preciso não esquecer que, como escreveram Baumol, Blackman e Wolff (1989, p. 29
[tradução minha]):
“As comodidades da vida que
quase todos nós tomamos hoje como garantidas – tal como eletricidade,
canalização, água potável de fácil acesso e esgotos, comunicação de massas,
acesso a tecnologia médica de ponta, uma enorme variedade de produtos frescos e
atrativamente empacotados vindos de todo o mundo, educação pública gratuita,
mortalidade infantil baixa, e uma esperança média de vida longa – estavam
ausentes há apenas um século.”
É preciso não olharmos só para
o nosso umbigo, comparando-nos apenas com os países ricos de hoje em dia. Isso
é fazer batota e injusto com os nossos próprios sucessos históricos. Não
compreender a realidade e origem dos nossos sucessos é, aliás, meio caminho
andado para que eles terminem.
Apesar da nossa infeliz
experiência nos últimos 15 anos – que, volto a sublinhar, tem raízes ainda
anteriores – Portugal é um caso de sucesso. O que é preocupante, hoje, é estarmos
a perder dinamismo. Em boa parte, isso é o reflexo da perda de dinamismo da
Europa como um todo, mas o nosso “retrocesso” tem-se revelado ainda mais
rápido.
É fácil (e conveniente) para
alguns culpar os “interesses neoliberais e capitalistas” (que ninguém sabe bem
definir), ou mesmo “a Europa”. Também aqui há muitos mitos, tão falsos como a
ideia de que Portugal teria, em tempos, ficado rico à conta dos Descobrimentos.
Sem dúvida, a União Europeia podia, em alguns aspetos, funcionar melhor. Sem
dúvida, outros países do Sul da Europa partilham o problema português
fundamental: a falta de crescimento da produtividade.
Mas a verdade é que, no
essencial, as culpas da nossa estagnação atual não são “dos outros”. São
internas.
Título e Texto: Nuno Palma, Observador,
19-7-2016
Economista, especializado em História Económica.
Professor na Universidade de Groningen (Holanda). Escreve no blog Portugal no Longo Prazo
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