Miguel Pinto Luz
Chega, chega, chega. Estou
farto! E não me venham dizer que é azedume pelo PSD, o meu partido, não estar
no governo. Nada disso. Sou daqueles que, desde o início, disse que a solução
geringonça era legítima, especialmente quando durante a campanha eleitoral
Costa foi dando sinais de que essa construção política era possível. Só não
percebeu quem não quis. E os portugueses votaram e são soberanos. Mas para mim,
chega. Estou farto de não poder dizer o que precisa de ser dito sem que logo
apareçam os do costume a acusar-me de estar a chamar pelo diabo.
Estou farto de ver alguns a
enganarem todos, passando um atestado de estupidez coletiva ao nosso povo.
Estou farto de ver supostos
salvadores a hipotecarem as nossas (já ténues) perspectivas de construirmos um
país coeso, sustentável e credível.
Vivemos tempos diferentes, em
que o preconceito, o descaramento e a falta de jeito se sobrepõem à ética
republicana e à vontade de servir Portugal.
Vale quase tudo para passar a
imagem de que tudo vai bem.
A flauta mágica faz o resto.
Os recibos de salário são
maiores e passam a falsa aparência que nos bolsos dos portugueses há mais
dinheiro no início do mês. O problema é que os combustíveis estão mais caros,
os juros subiram e há mais impostos para todos. Contas feitas, o mais do início
é menos do fim. Ninguém diz nada.
Pagamos juros acima dos 4%,
pisando a barreira diabólica para a única agência de rating que nos permite
manter a cabeça fora de água nos mercados. As outras, ditas “grandes”, do lixo
não nos tiram e não há perspectivas que nos anos mais próximos o venham a
fazer. Mas ninguém diz nada.
Temos um governo minoritário,
de foguetório e navegação à vista, completamente manietado pela esquerda
radical e irresponsável, incapaz de reformar o país ou sequer de ter uma ideia
de conjunto para Portugal. Estamos a cavar a sepultura do país e ninguém vê?
Mas que diabo, ninguém questiona, ninguém se importa? Os analistas andam a
analisar o quê? E os comentadores andam a comentar o quê?
Jovens turcos,
Galamba&Companhia, sentados no banquete do poder e já embriagados pela
demagogia que eles próprios transformaram em doutrina, fazem dos portugueses
cobaias nos seus testes de ideologia laboratorial e aplicam em Portugal as mais
esdrúxulas soluções económicas e sociais. É gente que não sabe o que faz e que
põe em causa o nosso futuro.
Esta jovem trupe, das pseudo tertúlias
intelectuais da elite do Bairro Alto, está hipnotizada pela flauta mágica do
primeiro dos anciões, do homem que lidera o projeto de renovação da utopia dos
idos 60, trazendo para o século XXI o ideário de uma sociedade sem classes onde
o Estado garante tudo a todos.
E a flauta funciona mesmo e
com (quase) toda a gente. Senão vejamos: o que seria se Pedro Passos Coelho não
viesse às cerimónias fúnebres do dr. Soares? Aqui-d’el-rei que o insensível, o
desumano e desprovido de coração coloca o formalismo de uma viagem à Índia à
frente da homenagem a um dos grandes da nossa história. Fora Passos Coelho!
Estes hipnotizadores de feira
de província, encantadores de serpentes de segunda categoria, querem
nacionalizar bancos e até conseguem que alguns ditos sociais-democratas os
acompanhem numa incompreensível unanimidade que só tem de facto explicação pela
utilização de pós de perlimpimpim.
Estarei enganado, ou não foi o
PSD o motor das mais importantes revisões constitucionais que, primeiro,
tiraram os militares da governação, depois abriram a economia, privatizando os
bancos e, por último, libertaram a comunicação social do monopólio público?
Será que os que agora pedem a nacionalização não são os mesmos que ajudaram a
trazer Portugal para o abismo?
E as PPP dos hospitais:
constato que o Hospital de Braga foi considerado a melhor unidade hospitalar do
país; já Cascais nunca teve um hospital a trabalhar tão bem — sendo
inclusivamente considerada a melhor maternidade de Portugal. E, pasmem-se, até
o Tribunal de Contas vem dizer que estas PPP funcionam. Veremos qual é o plano
do grande hipnotizador. Esperamos que não se façam concursos para inglês ver,
impossíveis de materializar, e depois se diga que os privados, esses mauzões,
não quiseram concorrer.
Quanto às escolas, só
públicas. E nem pensar em dar a oportunidade de escolha aos pais ou aos
próprios alunos. Quanto à TAP — que mau negócio o anterior Governo fez —
reverta-se (ou pelo menos finja-se que se reverteu). Já no setor dos
transportes, há que dizê-lo com todas as letras, os sindicatos são
corresponsáveis pela dívida abismal deste setor. E o que faz o nosso Hamelin?
Dá tudo o que os sindicatos pedem para manter os comunistas bem hipnotizados.
Continuam a desfazer o país a
troco de um governo. Estou farto dos que são coniventes. Mas não vejo ninguém a
oferecer um projeto de desenvolvimento estratégico para Portugal. Falta rumo e
ambição.
A política não é tecnocracia
desapaixonada. Portugal precisa de renovar quadros e construir novas elites,
porque as atuais estão gastas e irreversivelmente contaminadas. Acima de tudo,
precisamos coletivamente de eleger um desígnio nacional claro. Um em que todos
se revejam e em que todos se motivem para construir um novo Portugal.
Título e Texto: Miguel Pinto Luz, Gestor,
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Público,
12-2-2017
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