Rafael Rosset
Um grupo de 1500 pequenos
acionistas do Facebook apresentou, em 3 de fevereiro, uma proposta para destituir Mark Zuckerberg da função de presidente do
Conselho Diretor do Facebook. Caso a moção seja acolhida, Zuckerberg passará a
ser apenas CEO da rede social, deixando de cumular as duas funções, e perderá
poder na rede social que criou.
Mas esse não é qualquer grupo
de acionistas, contudo. São pessoas ligadas a uma organização denominada
“SumOfUs”, que, segundo descrição em seu próprio website, é “devotada a conter
o poder crescente das empresas” que, “quando deixadas sem controle, não
permitem que nada fique em seu caminho quando se trata de lucros cada vez
maiores”.
No pedido apresentado ao
Facebook, a organização afirma que, em sua opinião, a mudança representará
maior valor aos acionistas individuais – uma contradição em termos, já que seu
objetivo declarado é restringir o lucro, e não há maior valor para o acionista
individual que uma empresa que paga dividendos. Nesse sentido, em 1 de
fevereiro o Facebook anunciou um faturamento para o quarto trimestre de
2016 na casa dos US$ 8,81 bi, acima das previsões de US$ 8,51 bi dos analistas
de Wall Street, pagando US$ 1,41 por ação, contra US$ 1,31 esperados. A empresa
vai muito bem, e não parece que o atual modelo de governança tenha qualquer
problema.
O VERDADEIRO motivo do pedido
vem expresso no penúltimo parágrafo da moção:
“Nós acreditamos que uma liderança independente seria particularmente
construtiva para o Facebook na medida em que nossa empresa enfrenta críticas
cada vez maiores no que concerne ao seu papel na promoção de notícias
enganosas; censura, discurso de ódio e alegadas inconsistências na aplicação
dos padrões da comunidade do Facebook e políticas de conteúdo; mirando em
anúncios baseados em raça; colaboração com forças policiais e agências
governamentais; e exigências de prestações de contas públicas a respeito do
impacto das práticas do Facebook nos direitos humanos”
Basicamente, os 1.500
acionistas que assinam a moção, todos vinculados à SumOfUs, estão incomodados
com a “promoção de notícias enganosas”, “discurso de ódio” e “impacto das
práticas do Facebook nos direitos humanos”.
Um mergulho mais atento no
site da SumOfUs revela que a organização tem em sua mesa diretora Keith
Goodman, que trabalhou na AFL-CIO (o maior sindicato do mundo), para o Partido
Democrata e para a campanha de Barack Obama, além de ter aconselhado “dezenas
de organizações progressistas”. Outro dos diretores da SumOfUs é Tate Hausman,
que também é diretor do Analyst Institute, “um laboratório de inovação que
desenvolve novas ferramentas e estratégias para progressistas”, tendo sido
ainda diretor da MoveOn.org e de iniciativas de mobilização dos eleitores para
que votassem em Barack Obama.
Para quem não sabe, a MoveOn é
a organização de George Soros que desde a década de 90 despeja dinheiro em
quantidade em campanhas de políticos de esquerda, além de promover anúncios
difamatórios contra qualquer político mais ou menos conservador.
Durante boa parte das últimas
três décadas, nós todos ouvimos ad nauseam o discurso acerca da necessidade de
se implantar alguma forma de “controle social da mídia”. Seus proponentes, que
sempre confundiram “estado” e “sociedade”, conheciam o perigo de uma força como
a da mídia ser deixada de fora do controle do poder central.
Todos se lembram da comoção
gerada pela capa da “Veja” às vésperas da eleição de 2014 (a famosa “Eles
sabiam de tudo”). Diante daquilo, a resposta do PT foi representar ao TSE,
acusando a revista de cometer “abuso do direito de informar”, seja lá o que
isso signifique aqui na Terra do Nunca, o lugar em que todos são favoráveis à
liberdade de expressão, mas sem exageros, por favor.
Como esse negócio de devido
processo legal é muito lento e formal, os soldadinhos da União da Juventude
Socialista vandalizaram a sede da Editora Abril na sexta feira em que a revista
foi às bancas, gritando palavras de ordem defendendo esse “controle social”.
Possivelmente eles mesmos pensavam estar exercendo um controle “democrático” ao
pichar a fachada do prédio, ao despejar lixo na calçada e ao ameaçar os
funcionários da editora. Nada mais democrático do que a ação direta na
propriedade e na vida dos inimigos do povo.
O diabo é que a Veja (assim
como a Carta Capital e a Caros Amigos) não é uma concessão pública: é um
veículo privado, que não depende de favor de nenhum governo para circular. O
dono da revista é o dono do editorial, fazendo o que bem entender dele, e a
Veja, a Carta Capital e a Caros Amigos não têm que cumprir nenhuma “função social”
para existirem: o único dever delas é informar, da forma que bem quiserem. Elas
farão isso você gostando ou não do que está escrito, porque você não é obrigado
a comprar a revista, nem sequer lê-la. É claro que elas não fazem isso
irresponsavelmente: estão em vigor os artigos 139, 140 e 141 do Código Penal, e
se alguém cometer calúnia, injúria ou difamação, pode responder no âmbito do
devido processo legal, que é exatamente o que os jovens socialistas acima
referidos nunca vão entender, porque pra eles a ação direta é mais eficaz que a
velha democracia liberal, com seus freios e contrapesos, com seus direitos e
garantias individuais, e com seu conceito de sociedade civil separada do
estado.
É possível defender “controle
social da mídia” se a mídia é uma concessão pública que utiliza o espectro
eletromagnético (um bem de natureza difusa, insuscetível de apropriação) para
difusão, mas não há controle social da mídia sobre o editorial de um jornal ou
de uma revista que qualquer um pode pagar para imprimir e distribuir, e nem
sobre o conteúdo que cada um aqui gera cada vez que comenta algo numa rede
social, que posta algo num blog, ou que publica um vídeo no Youtube.
Dando nome aos burros,
controle social da mídia é um eufemismo para CENSURA pura e simples, porque
seus defensores acreditam que o Estado é o povo, e a mídia é uma força grande
demais para existir fora ou independentemente do Estado. Eles sabem que, por
mais poderosos que sejam, nunca estarão realmente seguros se não detiverem o
controle da comunicação social. E como não dá para ter uma imprensa oficial
única no Brasil, como um Pravda ou um Granma em Cuba e na extinta URSS, o jeito
é disfarçar o impulso totalitário atrás de um nome bonito e inofensivo como
“democratização dos meios de comunicação”, exatamente como fizeram na
Venezuela, pais em que toda a mídia é agora chapa-branca. É exatamente esse
processo que fica claro no episódio da depredação da Editora Abril: na
impossibilidade de calarem o editor por vias legais, os guerreiros da justiça
social o calam pelas vias de fato.
Desde então, entretanto, dois
processos se consolidaram: o primeiro, as redações foram quase todas
aparelhadas. É quase impossível hoje em dia encontrar um jornalista que não
esteja alinhado ao consenso politicamente correto. É possível prever com
segurança a opinião de 9 entre 10 jornalistas em assuntos como aborto, drogas,
casamento de pessoas do mesmo sexo, imigração e porte de armas. O cenário das
redações hoje é de uma homogeneidade progressista pastosa e monótona.
Segundo, a mídia tradicional
perdeu audiência, substituída pela internet. Cada vez mais gente consome
informação de cada vez mais fontes, e cada vez mais gente produz e dissemina
seu próprio conteúdo a partir de mídias sociais e plataformas independentes.
Estima-se que mais de 2/3 dos 156 milhões de usuários norte-americanos do
Facebook utilizem a rede social como principal ou única fonte de informação.
Não há mais, portanto, sentido
em controlar seis ou sete grandes conglomerados, quando jovens de vinte e
poucos anos sem nenhum respeito pelo status quo e morando numa cidadezinha do
interior de Santa Catarina ou Pernambuco podem escrever o que quiserem, sem
intermediários, contando com uma audiência nacional maior do que a da Veja ou
da Carta Capital por várias ordens de grandeza.
O campo de batalha se
deslocou, mas as armas já estavam à disposição dos contendores: rotular de
“discurso de ódio” qualquer dissenso, ou de “notícia falsa” qualquer coisa cuja
publicação não interesse ao avanço da causa progressista. Após o resultado do
Brexit, e, principalmente, após a eleição de Donald Trump, conglomerados como
Google e Facebook foram publicamente acusados de “não terem feito o bastante”
para coibir a disseminação de notícias falsas, já dando como certo que os dois
eventos ocorreram não porque o povo assim quis, mas porque foi enganado.
Esqueceu-se, por exemplo, que as campanhas de Barack Obama em 2008 e 2012 foram
pródigas na utilização não só das redes sociais, mas de robôs geradores de
clicks, fazendo com que as notícias positivas sobre Obama enterrassem as
negativas e parecessem onipresentes nos mecanismos de buscas.
O problema é a definição de
“notícia falsa”. O timing do assunto causa desconfiança. Após a vitória de
Trump, sob pressão, o Google anunciou no final do ano passado uma ferramenta de
fact check, que vai utilizar algoritmos para determinar se um link traz uma
notícia falsa, rebaixando-o nos resultados da busca nessa hipótese. Além disso,
sites que recebam o rótulo de disseminadores de notícias falsas serão proibidos
de utilizar o AdSense para ganhar dinheiro. Mas ninguém sabe como esse
algoritmo será calibrado, nem o grau de interferência humana no processo.
Mas a polêmica maior se deu
com o Facebook, já que o próprio Zuckerberg veio a público inicialmente
afirmando que sua rede não poderia censurar previamente conteúdo dos usuários.
Em maio de 2016, o Facebook já
havia encerrado a equipe de editores do site, sob acusações de que estariam
trabalhando ativamente para remover notícias pró-Trump dos trending topics. No
final do ano, Zuckerberg afirmou que 99% das notícias veiculadas no site eram
verdadeiras, e o 1% restante não estariam “limitados a um partido o mesmo à
política”. Ou seja, ele reconhecia que havia notícias falsas que igualmente
prejudicavam candidatos progressistas e conservadores, sem um viés específico.
Ambos os grupos seriam simultaneamente vítimas e perpetradores.
Isso é comprovado pela
história de Paul Horner, empresário de 38 anos que ganha dinheiro espalhando
notícias falsas pela Internet. Numa entrevista em 18 de novembro de 2016, logo
após a eleição de Trump, ele admitiu que inventava notícias falsas absurdas
numa tentativa de ridicularizar o candidato republicano (que ele declara
odiar), mas reconhece que essas notícias acabaram ajudando na eleição do
magnata (“Pensava que iam verificar a notícia e que isso faria com que a imagem
deles fosse denegrida. É assim que funciona: alguém publica algo que eu escrevo
e depois descobrem que é falso e ficam a sentir-se mal.”).
Ou seja, a intenção do autor
das notícias falsas era beneficiar Hillary Clinton, mas o resultado acabou
sendo o oposto. Um dos apontados “culpados” pela eleição de Trump era eleitor
de Hillary.
Há uma guerra, portanto, para
limitar o que eu e você vemos na tela dos nossos computadores. A esquerda já
desistiu há muito do tal “controle social da mídia”, que há anos saiu da pauta.
A luta agora é pelos algoritmos que filtram o conteúdo que chega até nós
através da Internet. Está claro que da mesma forma que a mídia foi aparelhada
(num momento em que isso é cada dia mais irrelevante), grandes corporações como
Google e Facebook também tem seus soldadinhos internos dissidentes, seja na
forma de acionistas vinculados a ONGs de inegável pedigree esquerdista, que
movem ações para desacreditar quem não se curve ao consenso progressista, seja
na forma de funcionários insubordinados que insistem em retirar conteúdo do
qual discordam, numa censura prévia que é vedada em qualquer lugar do mundo
civilizado.
Mais do que nunca precisamos
estar atentos.
Título, Imagem e Texto: Rafael Rosset é
advogado há 15 anos, especialista em Direito Ambiental, palestrante e
articulista; perfil no Twitter; e no Facebook. Escreve no Implicante às
quartas-feiras.
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