Pedro Candeias
Agora que é campeão e que pode discutir a
continuidade nos seus próprios termos, é tempo de recuperar e refletir sobre o
que se disse e se escreveu a propósito deste treinador
Fomos todos particularmente
preconceituosos nos adjetivos que pusemos a Sérgio Conceição quando se tornou
evidente de que seria ele, e não Marco Silva, o sucessor de Nuno Espírito Santo
no Porto.
Não foi por mal.
Na realidade, foi sempre
assim.
Na bola costumamos
irremediavelmente praticar aquilo que na lógica se chama generalização
precipitada, ou seja, concluir rapidamente que fulano é assim e assado,
porque fez precisamente isto e aquilo e mais um par de botas.
No caso de Sérgio, ainda
assim, havia algumas atenuantes para as análises estouvadas que se escreveram,
incluindo as minhas - o homem tem, de facto, o sangue quente e há vários
episódios efervescentes que o provam. Como qualquer corporativista devidamente
doutrinado, irei generalizar uma vez mais sobre o que se disse a partir daquela
quinta-feira, 8 de junho de 2017, dia da oficialização.
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Sérgio Conceição, foto: Loic Venance |
A saber:
Sérgio era difícil de aturar e
chateara-se com os presidentes da Olhanense, da Académica, do Guimarães e do
Braga, e isso era muito.
Sérgio tinha jogado pelas
melhores equipas e nos melhores estádios e havia inclusivamente um estádio com
o nome dele em Coimbra, o que não era para todos - ah, e marcara três golos à
Alemanha no Euro2000, o que é para ainda menos.
Depois, Sérgio era portista;
bom, Sérgio fez-se portista, porque nasceu numa família pobre e numa vizinhança
e numa aldeia profundamente sportinguistas, mas isso passou-lhe quando assinou
pelo FC Porto pela primeira vez, em 1996. No dia seguinte a tornar-se
oficiosamente portista, o pai morreu num acidente de moto, na moto em que
costumava levá-lo aos treinos quando era puto - pouco depois, faleceu a mãe e a
orfandade enrobusteceu-lhe o caráter e a rebeldia. Nesse momento, falou-se
então, Sérgio ganhou o direito a dizer que tudo o que conquistou, foi à conta
dele. O que era verdade.
Mas também era verdade que
Sérgio, por ter mau feitio, mau perder, garra, por se chatear por dá cá aquela
palha e por ser rebelde, não aguentava muito tempo no mesmo sítio.
Ora, o Porto, sem dinheiro e
sem títulos há não sei quantos anos, estava mesmo a pedi-las quando foi
contratar um tipo destes, só carisma e pouco mais, ainda por cima sabendo ele
que não era a primeira opção do seu presidente favorito.
Só que no meio deste chorrilho
de certezas irresistíveis, esquecemo-nos de alguns pormenores, a começar por
este: Sérgio Paulo Marceneiro Conceição. Três nomes bíblicos e uma profissão
amigada à do pai de Cristo não são um acaso, mas um sinal.
Pois então, Sérgio, como um
carpinteiro de habilidades sobrenaturais, pegou em meros toros de madeira que
já ninguém queria, ou que queriam à força, e transformou-os em obras de arte
tosca, sim, mas irresistivelmente eficaz. E, então, apareceram Marega a marcar
golos em série como se fosse um ponta de lança prodigioso - que não é -, Danilo
a subir no terreno feito médio de condução - que também não é - e Brahimi a
defender as costas de Telles em jeito de sacrifício - que não fazia, antes de
Sérgio aparecer na vida dele.
Chegámos todos à conclusão de
que Sérgio Conceição era um mestre motivacional, ainda que por estas bandas já
cá houvesse um de semelhantes características. E quando ele errou, também todos
lhe anunciámos prematuramente o fim. Aconteceu quando o Porto perdeu contra o
Besiktas ou contra o Paços de Ferreira ou contra o Liverpool, e, sobretudo,
quando o caso-Casillas se tornou tema de conversa, servindo de paradigma para o
treinador dito conflituoso e über rigoroso.
Na altura, Conceição não quis
abrir exceções e arriscou o pescoço, pois o espanhol era (e é) factualmente o
jogador com maior currículo que alguma vez pisara um pedacinho de relva em
Portugal; mais importante do que isso, Casillas era bem melhor do que José Sá.
Mas Sérgio lá provou que
estávamos todos errados, demonstrando-nos que era muito mais do que um xamã da
estirpe macho lusitano. Vimos isso na forma como mexeu na equipa nos jogos
contra os grandes para a Liga e na forma como mexeu com todas as conferências
de imprensa em que participou.
Agora que se sagrou campeão,
discute-se a sua continuidade no Porto. Não porque alguém o ponha em causa, mas
porque ele é um rebelde de causas. Tendo ganho esta, poderá escolher outra, nos
seus próprios termos. Também conquistou esse direito.
Título e Texto: Pedro Candeias, msn desporto, 6-5-2018
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