Rui Verde
Um certo frémito percorreu a imprensa
angolana a propósito de umas peças que a revista inglesa The Economist publicou
sobre Angola – mais precisamente, um editorial e um artigo de fundo.
A revista The Economist é talvez a publicação mundial mais importante sobre assuntos políticos e económicos. Vende acima de 1,5 milhões de exemplares, e é lida pelas elites governantes e financeiras de todo o mundo. Pode-se discordar ou concordar com o que lá vem escrito, mas sabe-se que os seus artigos têm impacto e que os seus argumentos têm de ser equacionados e discutidos.
Em Angola, estes artigos da
revista inglesa foram referidos como trazendo essencialmente uma mensagem:
“Reformas de João Lourenço elogiadas, mas é preciso continuar”. Na realidade,
porém, a mensagem é bem mais complexa e profunda, e dá-nos um mote para refletir
sobre o caminho futuro do país.
“If any country ever needed a
fresh start, Angola does”, abre o editorial da Economist. Se algum país precisa
de um novo começo, Angola é um deles. Segue-se uma breve descrição da situação
económica angolana: crescimento estagnado, vasta dívida à China, inexistência
de indústria exportadora, débito público a galopar, burocracia e ineficiência
administrativa. A tudo isto se alia o sistema clientelar de proteção da
oligarquia.
Se do ponto de vista económico
é esta a herança devastadora deixada a João Lourenço, do ponto de vista dos
direitos humanos, a revista anota os ataques à liberdade de expressão,
traduzidos no julgamento de Rafael Marques e Mariano Brás, encarado como um
assalto à liberdade de imprensa. Uma sombra que paira nas intenções democratizadoras
de João Lourenço.
É neste âmbito – em que Angola
é considerada mais corrupta do que a Nigéria e com uma mortalidade infantil
superior à do Afeganistão – que se coloca o desafio a João Lourenço. E aqui a
revista considera que ele começou bem e surpreendeu positivamente, mas levanta
várias dúvidas:
a) João Lourenço limitou-se a
trocar os filhos do ex-presidente pelos seus novos homens de confiança?
b) O julgamento de Rafael Marques e Mariano Brás não representa a continuação do ataque à liberdade de imprensa?
c) Não deveria ser efetuada uma auditoria à dívida pública, para se perceber onde foram parar os 640 biliões de dólares que Angola recebeu desde 2002?
d) João Lourenço está aliado à oligarquia que roubou Angola, e em caso negativo, tem força para a enfrentar?
b) O julgamento de Rafael Marques e Mariano Brás não representa a continuação do ataque à liberdade de imprensa?
c) Não deveria ser efetuada uma auditoria à dívida pública, para se perceber onde foram parar os 640 biliões de dólares que Angola recebeu desde 2002?
d) João Lourenço está aliado à oligarquia que roubou Angola, e em caso negativo, tem força para a enfrentar?
Consequentemente, este artigo
apoia e saúda as primeiras medidas de João Lourenço, mas coloca a questão que
cada vez mais intriga os angolanos: para onde vai João Lourenço? Estará ele a
preparar um novo começo ou limita-se a olear as ferramentas para a sua
ditadura?
De facto, é mesmo preciso um
novo começo. A situação em Angola degradou-se a tal ponto com José Eduardo dos
Santos, que o país deixou de ser um Estado soberano, para se tornar propriedade
privada de uns poucos dirigentes que se apoderaram das prerrogativas públicas
do Estado para fazer os seus negócios. Deu-se aquilo que na África do Sul se
chama a “captura do Estado”. Nessa medida, há que reinventar o Estado angolano,
como um Estado soberano em que a res publica (coisa pública) seja o objetivo essencial;
em que deixe de imperar a res privata
(coisa privada), ou seja, os negócios dos filhos do presidente e outros
aliados.
Um novo começo implica começar
do zero e encarar de frente os assuntos do passado. Logo aqui se levantam mais
dúvidas. Já se referiu várias vezes a preferência que está a ser dada a Manuel
Vicente relativamente aos seus assuntos criminais com Portugal. Não se percebe
a razão por que o Estado angolano está a lançar o seu peso por detrás de uma
das figuras da corrupção angolana. Como combater a corrupção em Angola, se
Manuel Vicente é protegido? E nenhuma investigação se inicia em relação ao
general Kopelipa ou ao general Dino, também eles rostos da corrupção presidencial nos tempos de José Eduardo dos Santos.
Há que ser claro: sem confrontar este trio, qualquer enunciado de João Lourenço
sobre combate à corrupção assemelhar-se-á a uma mera cosmética para enganar os
líderes internacionais e obter acesso aos dólares, cada vez mais rarefeitos no
mercado angolano.
Outro exemplo preocupante e
que pode indiciar que a política de João Lourenço não passa de cosmética é o
tratamento que está a ser dado aos casos Sonangol, 500 milhões e Fundo
Soberano. No primeiro caso, tivemos um membro destacado da estrutura do Estado,
Carlos Saturnino, presidente do Conselho de Administração da Sonangol, a fazer
acusações que, a serem verdade, consubstanciam materialmente a prática de
crimes por parte de Isabel dos Santos e outros. Isto passou-se em fevereiro de
2018. Estamos em maio de 2018 e nada aconteceu do ponto de vista das
instituições judiciais. Obviamente, tal não é aceitável. No caso dos 500
milhões, o ministério das Finanças emitiu um comunicado de uma gravidade
extrema para José Filomeno dos Santos, filho do anterior presidente da
República. Contudo, depois de este ter sido constituído arguido, nada mais
aconteceu. No mínimo, dever-se-ia ter ouvido o ex-presidente da República como
testemunha. No caso do Fundo Soberano, anda-se a congelar as contas da empresa
Quantum Global, gerida por Jean-Claude Bastos de Morais pelo mundo fora.
Contudo, o congelamento de contas, por si só, não é nada. É uma medida cautelar
que tem de ser explicada e seguida por ações judiciais de fundo, que
responsabilizem as pessoas com as contas congeladas.
No meio de toda a atividade
judicial, o único julgamento que prossegue a todo o vapor é o de Rafael
Marques. Uma bizarria que demonstra que a retórica não coincide com a
realidade.
Este embuste durará dois ou
três anos, e depois será descoberto. Angola cairá novamente na angústia em que
se tem encontrado.
Lembremos a história de África
após as independências. A década de 1960 foi chamada de década da esperança.
Esperava-se que os novos países jovens e idealistas funcionassem como faróis
vibrantes para o desenvolvimento dos povos. Uma grande alegria percorreu o
continente.
Infelizmente, a ressaca veio
depressa e, na década de 1980, a maior parte dos países alegres e independentes
dos anos 60 estava falida e governada por ditadores mais ou menos sanguinários,
mais ou menos loucos. A falta de dinheiro obrigou a pedir ajuda ao FMI e ao
Banco Mundial, que vieram com as suas receitas económicas e os seus requisitos
políticos de democracia e boa governação. Contudo, a maior parte dos ditadores
africanos fingiu que implementava reformas políticas, criou uns simulacros de
democracia, mas manteve as suas atitudes autoritárias. Foi criada uma espécie
de democracias de fachada, sem correspondência com a realidade. Tal atitude
levou muitos países ocidentais a considerarem África um caso perdido, o que, na
prática, abriu portas à influência chinesa, cujas verdadeiras consequências
ainda desconhecemos.
João Lourenço pode estar
simplesmente a imitar os ditadores dos anos 80, criando uma fachada democrática
para obter empréstimos do FMI e outras ajudas externas, não trazendo qualquer
melhoria para o seu povo. Por isso, mais do que nunca, a sociedade civil e a
comunidade internacional devem manter-se atentas.
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 7-5-2018
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 7-5-2018
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