Rui A.
Tenho lido toneladas de
artigos publicados em Portugal e ouvido inúmeras opiniões sobre o resultado da
primeira volta das eleições brasileiras, e o que será a provável vitória de
Bolsonaro na segunda. Em nenhuma delas vi uma tentativa útil e séria de
procurar as razões que levaram a que um político menor, completamente
desbocado, que anda no ativo há vinte e sete anos tenha obtido cinquenta
milhões, repito, cinquenta milhões de votos na primeira volta das eleições.
Uma eleição onde ele não foi
um último recurso, porque nela figuraram treze candidatos. Desses, muitos são
de direita ou do centro-direita e são pessoas com competência política
demonstrada, como o Senador Álvaro Dias, o Governador do Estado de São Paulo
Geraldo Alckmin e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meireles. Por mim, se fosse
brasileiro, Alckmin teria o meu voto: é razoavelmente honesto (até hoje, só se
viu envolvido em suspeições de financiamento partidário ilegal, o que é o
“pai-nosso de cada dia” no Brasil) e foi um excelente gestor público em todos
os cargos que exerceu ao longo da sua longa vida política. Todavia, no Estado
de São Paulo, que Alckmin governou durante muitos anos, Bolsonaro teve 53% dos
votos, enquanto Geraldo obteve uns humilhantes 9,53%.
A intelligentsia portuguesa,
de forma displicente e sobranceira, como quem vai ensinar aos brasileiros o que
eles devem fazer, inventa todo o tipo de teorias e não vê o óbvio. Ou melhor,
isto é, ou pior, faz de conta que não o vê. Ainda há dois dias, na noite
televisiva de um canal qualquer, um fulano que andou, por décadas, a rabiscar
nos jornais conseguiu dizer esta coisa absolutamente patética, sem se
rir: «os brasileiros vão eleger o Bolsonaro sem sequer lhe conhecerem
as ideias, porque ele se está a furtar aos debates com o Haddad». Ora, se
há coisa que os brasileiros conhecem bem sãos as “ideias” de Bolsonaro, por
sinal muito simples de entender, porque ele as proclama aos sete ventos, há
muitas décadas. Outros “inteligentes” afirmam que o povo brasileiro votou sem
maturidade, que está a ser enganado, e que não tem discernimento para eleger
quem merece. Bom, então chegaremos exatamente ao mesmo resultado do que acusam
que Bolsonaro pretende: o povo não está preparado para a democracia, logo, tiremo-la!
Não vale a pena procurarmos
dar lições de superioridade democrática a pessoas e a países onde não vivemos.
No caso do Brasil, as coisas chegaram a um ponto tal, graças à corrupção
generalizada que o PT praticou e permitiu durante treze anos consecutivos e à
violência desenfreada que por lá se vive, que quase metade dos eleitores
brasileiros disseram o que as boas consciências indígenas se recusam a
perceber: querem um regime musculado, que trate a violência com violência e a
corrupção com intransigência. Foi exatamente isso que disseram na primeira
volta das eleições e que repetirão, provavelmente de modo ainda mais enfático,
na segunda. Vai ser bom? Vai ser mau? A ver vamos. Mas, em qualquer cenário,
fica-nos mal tratar os brasileiros com a mesma sobranceria que o antigo colono
europeu utilizava em África para tomar conta de uns “pobres infelizes” que não
se sabiam governar.
Em 2017 foram mortos, em
homicídios violentos e voluntários, sessenta e três mil brasileiros.
Mais de 15% de todos os
homicídios registados no mundo durante esse período. Enquanto isso, a classe
política dirigente banqueteava-se com os impostos do povo e as riquezas do
país, e saía diariamente nas primeiras páginas dos jornais com contas cheias de
dólares na Suíça. Não é necessário ser um génio para compreender o que se está
a passar no Brasil.
Título e Texto: Rui A., Blasfémias,
15-10-2018
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