Péricles Capanema
A Wharton Business School da
Universidade da Pensilvânia [foto], fundada em 1881, é tida como a escola de
negócios mais antiga do mundo. Seu prestígio não vem só daí; ainda hoje é dos
mais importantes centros mundiais de ensino de negócios, buscado por alunos
brilhantes do mundo inteiro. Da lista de 400 bilionários de 2018 da revista
Forbes 19 tinham estudado na Wharton, 13 em Yale, 12 em Stanford, 12 na
Southern Califórnia e 10 em Harvard. Um dos antigos alunos da Wharton é Donald
Trump.
Seu reitor Geoffrey Garrett,
no posto desde 2014, por óbvio é figura luminar do mundo acadêmico e
empresarial. Estando no Brasil por uns dias ao “Estado de S. Paulo” fez
declarações de enorme importância: “Sempre fomos conhecidos como uma
das melhores escolas de finanças do mundo. Agora temos uma veia de big data”.
Finanças e big data são
as atuais duas linhas principais da Wharton. Big data,
sabe-se, são zilhões de informação trabalhados com tecnologia de ponta.
Permitem entrar nos gostos, costumes, inclinações, posições, dados sensíveis do
cidadão privado e a orientação de governos. Poderosíssimo instrumento de
controle, virou objeto de preocupação de governos e instituições de estudo. A
liberdade do particular e a soberania do Estado estão em jogo.
Geoffrey Garrett pôs o dedo na
ferida. Chamou a atenção para as presentes relações entre Estados Unidos e
China: “Não estamos vivendo uma guerra de tarifas. Vivemos uma batalha
global por inovação. Estamos hoje desenvolvendo tecnologias que têm uma forte
implicação de segurança nacional — algo que não nos importou muito nos últimos
30 anos, justamente por conta desse otimismo global”.
Ou, por outra, essa guerra
comercial não envolve apenas comércio. Vai além. Segurança nacional tem relação
próxima com independência, soberania, interesses estratégicos. No verso da
moeda, com dependência, protetorado, colonização. E não só dos Estados Unidos.
Continua Geoffrey Garret: “Há um ponto sério que pouca gente discute.
Xi Jinping, presidente chinês, já disse a toda empresa privada que, se o
governo chinês quiser ter acesso a dados dos usuários, ele deverá ser
concedido”.
De outro modo, o governo
chinês (e o Partido Comunista Chinês, para ser mais claro) aqui têm franqueza
brutal, para não deixar dúvida. Se os dados forem requeridos, é preciso
entregá-los. Qualquer dado, de qualquer usuário de empresas privadas chinesas
potencialmente pertencem ao governo chinês. Usará deles, se necessário.
Tal declaração, dada em solo
brasileiro, tem enorme relevância para o Brasil e para cada um de seus
habitantes. A empresa chinesa Huawei, com apoio de parlamentares
até de direita, vem tentando instalar no Brasil gigantescos equipamentos de
estrutura de comunicações e vigilância. Obterá dados de praticamente todos os
brasileiros. Estarão à disposição do governo chinês, é o presidente da China
que garante.
Autoridades do governo
brasileiro, entre as quais o vice-presidente general Hamilton Mourão,
declararam que o Brasil não impedirá a empresa chinesa de operar e implantar a
tecnologia 5G: “A Huawei vem sendo acusada de repassar os dados que ela
tem ao governo chinês. Conversei com ele [RenZhengfei,
presidente-executivo da Huawei] que tem que criar um clima de
confiança. Enquanto houver esse clima de confiança não tem problema nenhum. O
Brasil não tem nenhum plano (de restringir as atividades da empresa)”. O
general Hamilton Mourão ressaltou que só quatro empresas no mundo dominam a
tecnologia do 5G, duas finlandesas e duas chinesas, a Huawei entre
elas.
Aqui está a exigência
brasileira: manter clima de confiança. Com clima de confiança, a Huawei pode
agir à vontade. Haverá leilão em 2020 para a frequência 5G.
Os Estados Unidos acham que
clima de confiança é insuficiente. Não querem correr riscos e para tal ouvem
especialistas. E se os argumentos são convincentes, seguem as recomendações. Na
prática, estão temerosos, tomaram medidas. Colocaram a empresa na lista negra
do governo americano por ameaçar a segurança dos Estados Unidos, o que a
impedirá de fazer negócios com corporações norte-americanas.
Artigo circunstanciado do
“Financial Times” de 9 de junho último assinado por três correspondentes (Jude
Webber – Cidade do México, AndresSchipani – São Paulo, Benedict Mander – Buenos
Aires) mostra que o problema é muito maior. Brasil, Argentina, Chile, México e
Cuba não pretendem tomar medidas contra a Huawei. A situação ficará
mais cômoda para a empresa chinesa se a chapa de esquerda Alberto Hernández –
Cristina Kirchner vencer as eleições em 27 de outubro.
O estudo dos três
correspondentes é longo e bem fundamentado. Não tenho espaço para resumi-lo
aqui. Só transcrevo declarações do chanceler de Cuba, Bruno Rodriguez
Parrilla: “Temos laços comerciais tradicionais com a Huawei e Cuba tem
confiança inteira na tecnologia chinesa e nessa empresa em particular”. Os
Estados Unidos estão perdendo “a guerra tecnológica”.
A posição brasileira tem
relação com as vendas de produtos agrícolas para a China. Tem ainda relação com
o desejo de ter investimentos chineses no Brasil (na prática, de estatais
chinesas). E ainda com que a tecnologia chinesa é a mais avançada e mais
barata, afirmam os três jornalistas do “Financial Times”. Ninguém se iluda, já
é o garrote chinês apertando nosso pescoço.
O recente acordo da União
Europeia como Mercosul, se bem implementado, levará ar aos pulmões do Brasil.
Ficaremos um pouco menos dependentes e um pouco mais senhores de nossa
soberania, cada vez mais formal e menos real, se trilharmos caminho em que já
andamos um tanto. É notícia alvissareira num quadro que preocupa há muito tempo
e começa a alarmar. A advertência de Geoffrey Garrett foi de amigo, ficou credor
de nossa gratidão. Quem avisa, amigo é.
Título, Imagens e Texto: Péricles
Capanema, ABIM,
6-9-2019
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