Henrique Pereira dos Santos
Tentei verificar, ouvindo diretamente
as declarações, mas não as encontrei, o que encontrei foi a reprodução
jornalística em vários sítios, o que, como confirmação, não é suficiente por
causa do jornalismo de manada que se pratica.
Admitindo, no entanto, que
Pedro Nuno Santos tenha repetido a idiotice que já Catarina Martins tinha dito
num debate - o aborto ilegal chegou a ser a terceira causa de morte
prematura em Portugal - isso apenas confirma a ideia de que desde que se
confirmem as convicções dos jornalistas, pode-se dizer o que se quiser.
No seu discurso de
entronização como Secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos referia-se aos
resultados já visíveis do programa +Habitação, falando da maior disponibilidade
de casas para arrendamento, sem que a generalidade do jornalismo informasse os
seus leitores de que esta afirmação era feita com base num estudo de vão de
escada sobre anúncios numa plataforma imobiliária, e não se baseava em nenhum
dado fiável.
Em relação ao aborto ilegal como causa de mortalidade materna, pode-se dizer que chegou a ser a terceira causa, sem se sentir a necessidade de esclarecer que essa mortalidade, que era elevadíssima, foi descendo paulatinamente ao longo da primeira metade do século XX à medida que as condições sociais melhoravam, teve depois uma queda brusca, muito acentuada, por volta dos anos 50, quando a generalização dos antibióticos reduziu muito as infecções como causa de morte materna, e depois foi-se reduzindo de forma muito relevante a partir de meados dos anos setenta, à medida que o parto passou a ser um ato médico, medicalizado e feito em estabelecimentos de saúde, e a maternidade passou a ser acompanhada medicamente desde o princípio, de tal modo que nas vésperas da legalização do aborto - 2007 - os números da mortalidade materna se tinham tornado muitíssimo baixos, ao ponto das duas ou três mortes anuais que se poderiam atribuir a abortos clandestinos puderem, ainda assim, ser a terceira causa de mortalidade materna.
Pode dizer-se que essas duas
ou três mortes anuais eram excessivas e evitáveis, e só por isso teria valido a
pena legalizar o aborto até às 10 semanas, o que não deixa de ser uma estupidez
sem nome é dizer que essas duas ou três mortes anuais permitem qualificar o
aborto clandestino como a terceira causa de morte prematura em Portugal.
Pedro Nuno Santos, Catarina Martins e outras pessoas podem, no entanto, dizer isto sem que uma parvoíce destas belisque minimamente a sua credibilidade mediática simplesmente porque a esmagadora maioria do jornalismo está de acordo com os fins que se justificam por este meio.
Depois espantam-se com o
sucesso dos políticos que, fartos do espartilho mediático, fazem política fora
do jornalismo tradicional, contra o jornalismo tradicional e o escrutínio
inerente, argumentando, com sucesso, que não vale a pena ler jornais porque o
que neles aparece não é o esforço de aproximação à verdade, mas sim o esforço
de condicionamento da divergência.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 5-6-2024
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