René Descartes
Pode-se, parece-me, com melhor razão ainda distinguir o amor pela estima que se dedica ao que amamos em comparação com nós próprios; pois, quando estimamos o objeto de nosso amor menos que a nós mesmos, sentimos por ele simples afeição; quando o estimamos tal como a nós próprios, isso se chama amizade; e, quando o estimamos mais, a paixão que alimentamos pode ser chamada devoção.
Assim, pode-se ter afeição por uma flor, por um pássaro, por um cavalo; porém, a não ser que se tenha o espírito muito desregrado, não se pode nutrir amizade senão pelos homens. E eles são de tal modo objeto dessa paixão, que não há homem tão imperfeito que não se lhe possa dedicar amizade muito perfeita, quando se pensa ser amado por ele e se tem a alma verdadeiramente nobre e generosa, conforme o que será explicado mais adiante.
No que concerne à devoção, seu principal objeto é, sem dúvida, a soberana
Divindade, em relação à qual não podemos deixar de ser devotos quando a
conhecemos como se deve; mas podemos também sentir devoção por nosso príncipe,
pelo nosso país ou nossa cidade, e mesmo por um homem particular, quando o estimamos
mais do que a nós próprios.
Ora, a diferença que existe
entre essas três espécies de amor aparece principalmente através de seus
efeitos; pois, posto que em todas nos consideramos unidos e juntos à coisa
amada, estamos sempre prontos a abandonar a parte menor do todo que se compõe
com ela para conservar a outra; o que faz com que, na simples afeição, se
prefira sempre a si próprio ao que se ama e que, ao contrário, na devoção se prefira de tal modo a coisa
amada ao eu próprio que não se receia morrer para conservá-la.
Viram-se muitas vezes exemplos
disso nos que se expuseram à morte certa em defesa de seu príncipe ou de sua
cidade, e até, algumas vezes, de pessoas particulares às quais se haviam
devotado.
Digitação: JP, 12-3-2025
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