terça-feira, 3 de maio de 2011

O assalto ao poder: um estudo de ciência militar

Jarbas Passarinho
Lênin, em 1920, escreveu Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Como exemplos da doença, que chamou de veleidades revolucionárias, citou o revolucionarismo pequeno-burguês, a guerrilha desprovida de apoio popular e a falta de condições objetivas para a insurreição: a agitação popular, as greves sucessivas que se transformam em greves políticas e cooptação dos militares de graduação inferior. O escritor Agnaldo Del Nero, em livro publicado pela Biblioteca do Exército, discorre sobre três tentativas comunistas de assalto ao poder, que analiso sob os preceitos leninistas. Luiz Carlos Prestes, dirigente do Partido Comunista Brasileiro em 1935, garantiu ao Comintern que existiam condições objetivas para a insurreição. Não existiram: não houve a sucessão de greves e agitação sindical, muito menos o apoio popular. Segundo Lênin, a revolta de 1935 foi um infantilismo, de caráter “revolucionário burguês”.


Trinta e dois anos depois, Carlos Marighella, comunista histórico, arregimentou estudantes universitários paulistas e jovens religiosos dominicanos e desencadeou a mais expressiva guerrilha urbana, chamada Ação Libertadora Nacional. O capitão Carlos Lamarca, acompanhado de poucos sargentos do Exército, desertou furtando fuzis e munição para a guerrilha Vanguarda Popular Revolucionária. Ambas não lutaram pela democracia, mas pela ditadura do proletariado, e ambas totalmente sem apoio popular. Na Bolívia, Che Guevara escreveu em seu diário, a dois meses de ser preso e morto: “Nenhum camponês, após nove meses de luta, aderiu à guerrilha”. Mortos, Marighella, em emboscada, levado pelos próprios dominicanos que o obedeciam, e Lamarca, perseguido no campo aberto, as guerrilhas feneceram. Casos ambos de guerrilha “pequeno-burguesa sem apoio popular”. Fato novo surgiu, inédito no mundo: o sequestro de diplomatas estrangeiros, trocados pela libertação de presos, entregues nos destinos indicados pelos sequestradores. Todos sem sinal de qualquer violência física. Disso não cogitou Lênin.

Vencidas as guerrilhas urbanas, sobreveio a experiência malograda do “foquismo”, formulado por Che Guevara e sistematizado por Regis Debray. O PCdoB criou, em área despovoada da Floresta Amazônica, um foco guerrilheiro com cerca de 90 comunistas, a maioria de antigos militantes veteranos treinados na China, onde certamente não leram de Mao Tse Tung que “a guerrilha é uma luta de massa, uma luta do povo, uma vanguarda cuja força reside no apoio popular”. Só poucos lavradores, abandonados pelo governo, sem educação e saúde, os apoiaram por gratidão a serviços prestados. Denunciada sua localização em 1969, por um casal fugido do foco, o governo, em vez de imediata ofensiva militar, preferiu o princípio militar de “exibir a força para não ter de empregá-la”. E o fez pacificamente até outubro de 1973, quando os membros do Bureau Político da guerrilha já haviam se evadido para São Paulo. A guerrilha estava vencida. “A luta armada foi um erro”, disse Prestes com a concordância dos que a fizeram.

O Brasil, revogadas todas as medidas de exceção em outubro de 1978, assumiu João Figueiredo o último governo do ciclo militar, em 1979. O líder metalúrgico Lula da Silva comandou greves de grande vulto que o projetaram para o nível nacional. Fez do sindicato uma força política. Fundou um partido de massa, o PT, que logo teve o apoio da esquerda católica e dos remanescentes da luta armada derrotada. Candidato a presidente da República, com linguagem revolucionária, por três vezes foi derrotado. Afastou do PT a esquerda radical. Na quarta tentativa, abandonou o discurso revolucionário, pelas teses não revolucionárias da Carta aos Brasileiros. Venceu, então, escudado no poder popular que os guerrilheiros não conseguiram. Depreende-se que os que antes defendiam pelas armas a implantação de um regime marxista-leninista não teriam apoio popular, como não o tiveram. A disputa democrática é o único meio pacífico da conquista do poder.

Permito-me enveredar pelo caminho da especulação. Se a Vanguarda Popular Revolucionária fosse vitoriosa, a sua guerrilheira mais destacada, atual presidente da República, teria que disputar com o despreparado Lamarca a Secretaria-Geral do partido, como Trotski, um intelectual, disputou com o rude Stalin. Marighella, vitorioso, não colocaria no Politburo um então militante da Ação Nacional Libertadora, Aloísio Nunes, hoje senador da República, por medo de seu talento. Fernando Pimentel, hoje ministro de Estado, por ter falhado duas vezes na tentativa de sequestro de um cônsul, na luta armada, não teria nenhum posto.
Jarbas Passarinho, Ex-governador, ex-senador e ex-ministro de Estado, é coronel reformado.
Correio Braziliense, 03-05-2011, via Resistência Democrática

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