terça-feira, 24 de maio de 2011

Galliano e von Trier: "para o costureiro atiraram pedras sem compaixão. Para o intelectual sobraram perdões compungidos."

Lars von Trier. Foto: jornal "i"
Pedro Tadeu

Não consigo evitar sentir incómodo profissional ao ler na imprensa nacional e europeia o tom de indulgência com que é tratado Lars von Trier.

O realizador, concorrente ao Festival de Cannes, disse uma frase que incluiu "eu sou um nazi". Um disparate, posso até admitir, que não reflecte o seu verdadeiro pensamento. Vou igualmente aceitar que o "politicamente correcto" não tem sentido de humor para estas coisas, mas, contraponho, ainda bem que resta o "politicamente correcto" nesta vida para nos lembrar que há coisas com que não se brinca e que uma delas envolve o tema do genocídio de milhões de pessoas.

Não quero discutir méritos e deméritos da frase de Lars von Trier nem méritos e deméritos da obra do realizador. Para mim ele está arrumado, depois deste episódio, na categoria dos imbecis e, até uma hipotética e autêntica redenção, esquecê-lo-ei.

Aqui há uns meses, um tipo com aspecto de pirata das Caraíbas, no meio de uma bebedeira monumental registada em vídeo, resolveu também tecer loas ao nazismo e a Hitler. Acompanhou a insanidade com disparos verbais anti-semitas e racistas. Para o estilista John Galliano, nesse mês de Março, não houve indulgência. A dimensão dos artigos que se escreveram sobre ele, em tom indignado e condenatório, percorreu tudo o que era jornal diário ou publicação hebdomadária, cultural ou cor-de-rosa. Nas notícias ou na opinião, Galliano foi feito num oito. Acabou despedido, humilhado, silenciado e ignorado no seu pedido de desculpas. Achei bem.

Lars von Trier fez o mesmo, sóbrio, e o que vejo? Em todos os artigos, em todas as opiniões, surge, entre vírgulas, sempre, o aviso relativizador: ele é um "provocador"... E mais: "um "intelectual", "um cineasta", "um talento".

Graças àqueles rótulos fantásticos, Von Trier leva apenas uma espécie de tautau no rabinho e pode ir à sua vida descansado, com direito a entrevistas "provocatórias" subsequentes e a complacência de Cannes, que, apesar dos ralhetes e do anúncio da sua expulsão, acabou a premiar a interpretação feminina do seu filme a concurso.

Resumindo: para o costureiro atiraram pedras sem compaixão. Para o intelectual sobraram perdões compungidos.

Esta dualidade de critérios do chamado e influente "mundo da cultura" (paralela, de resto, ao caso de pedofilia de Roman Polanski) que domina e controla o que se publica na imprensa lida pelas elites europeias é, simplesmente, uma indignidade acéfala...

Já agora, se não se importam, ponham lá um rótulo de "provocador" na minha testa... Pode ser?
Pedro Tadeu, Diário de Notícias, 24-05-2011

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