As centrais sindicais
brasileiras só reúnem multidões no Primeiro de Maio - atraídas não exatamente
pela data histórica, mas pelos shows e sorteios que promovem, por exemplo, na
Praça Campo de Bagatelle, na zona norte de São Paulo. Já anteontem, na Avenida
Paulista, as entidades que organizaram o Dia Nacional de Lutas, tentando pegar
carona nas jornadas espontâneas de protesto que tomaram conta do País em junho,
não conseguiram reunir nem 10 mil pessoas. Das nove associações que as
arrebanharam, pelo menos duas, a Força Sindical e a União Geral dos
Trabalhadores (UGT), contrataram "manifestantes" a R$ 50 e R$ 70 por
cabeça.
Contrastando com a profusão de
faixas, balões, bandeiras, camisetas, bonés e fitas, tudo confeccionado em
escala industrial pelas centrais que devem a sua prosperidade exclusivamente à
aberração do Imposto Sindical - o dia de salário por ano compulsoriamente
recolhido de todos quantos tenham carteira assinada -, o clima era de apatia.
"Uma representante da CUT desfilou durante algum tempo diante do carro de
som com um rolo de bandeiras debaixo do braço, procurando militantes para
empunhá-las", relatou um repórter deste jornal. "Não encontrou."
O que era para ser uma
quinta-feira difícil na maior metrópole brasileira acabou sendo um domingo
extra. Inumeráveis empresas, temendo o pior, dispensaram seus empregados.
Ônibus e metrô circulavam com poucos passageiros. Na cidade conhecida mundo
afora por seu trânsito engarrafado, o congestionamento mal passava dos 10
quilômetros. Realizados em 68 cidades, incluindo todas as capitais e o Distrito
Federal, os protestos foram maiores ali onde o transporte público deixou de
funcionar, a exemplo de Belo Horizonte e Vitória. Mas, tudo somado, apenas umas
100 mil pessoas participaram das passeatas.
O Brasil dos carros de som, da
discurseira sem fim da caciquia das centrais - essas "entidades
burocratas", como bem as qualificou Mayara Vivian, uma das ativistas do
Movimento Passe Livre (MPL) que entrou para a história por ter dado a partida
às recentes megamanifestações - é um Brasil em marcha batida para a
irrelevância. A afiliação a sindicatos ainda é relativamente expressiva entre
nós, mas a tendência é de declínio. Em 2011, último ano para o qual há dados
disponíveis, a taxa de sindicalização era de 17,2% do total da população
ocupada, ante 18,6% no ano de pico de 2006, a contar da década de 1990. E isso
considerando o aumento do nível de emprego regular, a expansão do setor de
serviços e da sindicalização do funcionalismo.
O sindicalismo no Brasil - em especial
o que se pode chamar "sindicalismo de rua", por sua capacidade de
arregimentar - é uma caricatura do que foi outrora o poder sindical em países
como França, Espanha, Itália, Grã-Bretanha e mesmo nos Estados Unidos (onde, de
um recorde de 35% de sindicalizados nos anos 1950, o índice atual é 1/5 disso).
Na Europa, a CGT e seus similares, como o TUC britânico, mobilizavam legiões e
influíam como nenhuma outra força nos partidos de esquerda. Aqui, ao revés, as
centrais ou são criaturas de agremiações políticas, como a CUT em relação ao
PT, ou trampolim para carreiras políticas, como a do notório Paulo Pereira da
Silva, o Paulinho da Força, ex-PTB, hoje no PDT e com planos de ter um partido
para chamar de seu, o Solidariedade.
Do pelegato da era Vargas ao
sindicalismo de resultados, aplica-se às organizações que falam em nome dos
assalariados, de resto compelidos por lei a sustentá-las, o que o antropólogo
Claude Lévi-Strauss dizia, em outro contexto, sobre a "obsolescência do
inacabado". Quando Lula, o metalúrgico, irrompeu na cena nacional,
defendendo a formação de associações de classe que não fossem correias de
transmissão dos governantes de turno, parecia que uma página verdadeiramente
nova começava a ser escrita numa história pouco edificante. Lula, o presidente,
alojou na máquina estatal os condutores da máquina sindical ligada ao PT. O
aparelhamento era o que faltava para envelhecer o sindicalismo brasileiro sem
que tivesse passado pela maturidade.
A um oceano de distância dos
idos de junho, o Dia Nacional de Lutas foi o retrato acabado desse
definhamento.
Título e Texto: Editorial, O Estado de S. Paulo, 13-7-2013
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