Em visita à comunidade de Varginha, no Rio, Francisco fez um dos discursos de cunho social mais importantes de seu pontificado
Jamil Chade
RIO - O papa Francisco atacou
a estratégia de "pacificação" das favelas no Rio de Janeiro,
alertando que, enquanto a desigualdade social não for resolvida, "não há
paz duradoura". Nesta quinta-feira, 25, em plena Favela da Varginha, no
Rio, ele fez um dos discursos de cunho social mais importantes de seu
pontificado e convocou os jovens a continuar pressionando por melhorias, em um
sinal de seu apoio aos manifestantes que tomaram as ruas do Brasil desde junho.
O papa ainda completou: a
grandeza de uma nação só pode ser medida a partir de como ela trata seus
pobres, numa referência indireta à insistência do governo de vender o Brasil
como uma das maiores economias do mundo e, ao mesmo tempo, não dar uma solução
às suas favelas.
Francisco chega a reconhecer
os avanços sociais promovidos pelo governo. Mas alerta que isso ainda não é
suficiente e que a pacificação de favelas, como a que ele visita, não pode ser
feita com armas. "Quero encorajar os esforços que a sociedade brasileira
tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais
sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria", disse.
Papa desfila de papamóvel na Favela da Varginha, foto: Andre Penner/AP |
Pacificação. "Nenhum
esforço de pacificação será duradouro, não haverá harmonia e felicidade para
uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na periferia parte
de si mesma", declarou ainda o papa durante o discurso. E alertou: "Uma
sociedade assim simplesmente empobrece a si mesma, perde algo de essencial para
si mesma."
O papa disse ainda que
"somente quando se é capaz de compartilhar é que se enriquece de
verdade". "Tudo aquilo que se compartilha se multiplica. A medida da
grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais
necessitados, que não tem outra coisa senão a sua pobreza."
Manifestações. Ele ainda
manifestou seu apoio a todos aqueles no Brasil que lutam por mudanças sociais,
em uma referência aos protestos que ganharam as ruas do País desde junho.
Atacando a corrupção e o fato
de a periferia ser abandonada por políticos, o papa deixou claro que a Igreja
vai apoiar o movimento mais amplo de exigências por melhorias. Fontes no
Vaticano confirmaram ao Estado que essa foi a forma pela qual o papa optou por
lançar seu recado aos manifestantes. A opção foi a de evitar a palavra
"protestos", mas ainda assim fazer um apelo para que a pressão contra
a classe dirigente continue.
"Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens", disse. "Vocês possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio beneficio", declarou.
"Também para vocês e para
todas as pessoas eu repito: nunca desanimem, não percam a confiança",
insistiu. "A realidade pode mudar, o homem pode mudar."
Francisco ainda apelou à
população que não se deixa "acostumar ao mal, mas a vencê-lo". O papa
ainda garantiu: "Vocês não estão sozinhos, a Igreja está com vocês, o papa
está com vocês".
Às autoridades, o apelo foi
para que "trabalhem por um mundo mais justo". "Ninguém pode
permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo", disse.
"Não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que regula nossa sociedade.
Mas sim a cultura da solidariedade", insistiu.
Educação. O papa ainda
aproveitou seu discurso na favela para voltar a defender alguns dos pilares do
dogma da Igreja: a família e a vida, "que deve ser sempre tutelado e
promovido".
O papa pediu uma educação de
qualidade e com valores, e não apenas um sistema que tem como metas "uma
simples transmissão de informações com o fim de gerar lucros".
Leia a íntegra do discurso do
papa Francisco na Favela da Varginha:
Queridos irmãos e irmãs, bom
dia!
Que bom poder estar com vocês
aqui! Desde o início, quando planejava a minha visita ao Brasil, o meu desejo
era poder visitar todos os bairros deste País. Queria bater em cada porta,
dizer "bom dia", pedir um copo de água fresca, beber um "cafezinho",
não um copo de cachaça, falar como a amigos de casa, ouvir o coração de cada
um, dos pais, dos filhos, dos avós... Mas o Brasil é tão grande! Não é possível
bater em todas as portas! Então escolhi vir aqui, visitar a Comunidade de vocês
que hoje representa todos os bairros do Brasil. Como é bom ser bem acolhido,
com amor, generosidade, alegria! Basta ver como vocês decoraram as ruas da
Comunidade; isso é também um sinal do carinho que nasce do coração de vocês, do
coração dos brasileiros, que está em festa! Muito obrigado a cada um de vocês
pela linda acolhida! Agradeço a Dom Orani Tempesta e ao casal Rangler e Joana
pelas suas belas palavras.
Desde o primeiro instante em
que toquei as terras brasileiras e também aqui junto de vocês, me sinto
acolhido. E é importante saber acolher; é algo mais bonito que qualquer enfeite
ou decoração. Isso é assim porque quando somos generosos acolhendo uma pessoa e
partilhamos algo com ela - um pouco de comida, um lugar na nossa casa, o nosso
tempo - não ficamos mais pobres, mas enriquecemos. Sei bem que quando alguém
que precisa comer bate na sua porta, vocês sempre dão um jeito de compartilhar
a comida: como diz o ditado, sempre se pode "colocar mais água no
feijão"! Se pode colocar mais água no feijão? Sempre? E vocês fazem isto
com amor, mostrando que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no
coração!
E povo brasileiro, sobretudo
as pessoas mais simples, pode dar para o mundo uma grande lição de
solidariedade, que é uma palavra frequentemente esquecida ou silenciada, porque
é incômoda. Quase parece um palavrão: solidariedade. Queria lançar um apelo a
todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e a todas as
pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: Não se cansem de
trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer
insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das
próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para
acabar com tantas injustiças sociais! Não é a cultura do egoísmo, do
individualismo, que frequentemente regula a nossa sociedade, aquela que
constrói e conduz a um mundo mais habitável, não é, mas sim a cultura da
solidariedade, a cultura da solidariedade; ver no outro não um concorrente ou
um número, mas um irmão, e todos nós somos irmãos.
Quero encorajar os esforços
que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu
corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à
miséria. Nenhum esforço de "pacificação" será duradouro, não haverá
harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que
abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim simplesmente
empobrece a si mesma; antes, perde algo de essencial para si mesma. Não
deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável, porque nós somos
irmãos, ninguém é descartável. Lembremo-nos sempre: somente quando se é capaz
de compartilhar é que se enriquece de verdade; tudo aquilo que se compartilha
se multiplica! Pensemos na multiplicação dos pães de Jesus. A medida da
grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais
necessitados, quem não tem outra coisa senão a sua pobreza!
Queria dizer-lhes também que a
Igreja, «advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis
desigualdades sociais e econômicas, que clamam ao céu» (Documento de Aparecida,
395), deseja oferecer a sua colaboração em todas as iniciativas que signifiquem
um autêntico desenvolvimento do homem todo e de todo o homem. Queridos amigos,
certamente é necessário dar o pão a quem tem fome; é um ato de justiça. Mas
existe também uma fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode
saciar. Fome de dignidade. Não existe verdadeira promoção do bem-comum, nem
verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os pilares fundamentais
que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida, que é dom de Deus, um
valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família, fundamento da
convivência e remédio contra a desagregação social; a educação integral, que
não se reduz a uma simples transmissão de informações com o fim de gerar lucro;
a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da pessoa, incluindo a dimensão
espiritual, que é essencial para o equilíbrio humano e uma convivência
saudável; a segurança, na convicção de que a violência só pode ser vencida a
partir da mudança do coração humano.
Queria dizer uma última coisa,
uma última coisa. Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens. Vocês,
queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas
muitas vezes se desiludem com notícias que falam da corrupção, com pessoas que,
em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para
vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança,
não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode
mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem
ao mal, mas a vencê-lo. A Igreja está ao lado de vocês, trazendo-lhes o bem
precioso da fé, de Jesus Cristo, que veio «para que todos tenham vida, e vida
em abundância» (Jo 10,10).
Hoje a todos vocês,
especialmente aos moradores dessa Comunidade de Varginha, quero dizer: Vocês
não estão sozinhos, a Igreja está com vocês, o papa está com vocês. Levo a cada
um no meu coração e faço minhas as intenções que vocês carregam no seu íntimo:
os agradecimentos pelas alegrias, os pedidos de ajuda nas dificuldades, o
desejo de consolação nos momentos de tristeza e sofrimento. Tudo isso confio à
intercessão de Nossa Senhora Aparecida, Mãe de todos os pobres do Brasil, e com
grande carinho lhes concedo a minha bênção. Obrigado!
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