O que ocorreu – e ainda de
certa forma ocorre – na China representa uma fase do desenvolvimento econômico
que é impulsionada pelos baixos salários, pelo apetite externo de investimentos
no país, gerando um crescimento caótico e desordenado, prenhe de contradições
sociais, de escala grandiosa, mas profundamente falaciosa em muitos aspectos.
Essa fase está chegando ao fim na China e o país, sobre o aspecto de
desenvolvimento social, se tornou uma metáfora... A sua magnificência é um
fenômeno circunscrito à reduzida burguesia do politiburo chinês, como é o
resultado típico do capitalismo de estado, ou seja, muito pouco da riqueza
produzida consegue beneficiar diretamente a população. Há hotéis formidáveis,
mas os locais não conseguem neles se hospedar, há trens-bala de alto
desempenho, mas são raros os chineses que podem utilizá-los. Há enriquecimento
pessoal, mas apenas de muito poucos bem relacionados com o politiburo de
Pequim.
A curva sinusal que costuma
representar as subidas e descidas das nações varia em comprimento e grau de
inclinação. Na China essa curva tem sido longa, na medida em que os fatos se
sucedem, com duração de mais de 30 anos. Fatalmente, um país tão populoso e que
já absorveu do Ocidente considerável tecnologia industrial continuará a existir
e talvez até a prosperar, mas essa era de desenvolvimento chinês – apoiada a sua
pirâmide em baixos salários baixos para conquistar mercados globais – está
acabando, simplesmente porque agora existem outras nações, com salários até
mais baixos e exibindo outras vantagens. China vai ter que se comportar de modo
diferente do que faz agora, pois outros países estão prestes a tomar o seu
lugar no mercado globalizado.
REMODELANDO A ORDEM
INTERNACIONAL
Desde a Revolução Industrial,
houve sempre países que obtiveram “vantagem” comparativa no comércio
internacional, cujas raízes firmaram-se no binômio baixos salários e força de
trabalho enorme disponível, onde ganhar um salário miserável sempre se mostrou
uma alternativa melhor do que não ganhar salário algum e viver abaixo da linha
de pobreza extrema. Tais países aproveitam essa política estatal de “pegar ou
largar” como chamariz para que empresários do mundo inteiro – principalmente
dos EUA – para lá se mudassem com seus capitais e know how, atraídos por margens de lucro que não encontram paralelo
em seus países de origem.
Isso, como era de se esperar,
por se tratar de uma abertura de portas que se escancaram para o capitalismo
privado, promoveram transformações drásticas nas suas sociedades. Essas
transformações, no entanto para se tornarem sociais, têm que transformar não
apenas a economia do país com, também, o seu regime político. No caso da China,
a transformação social pelo tremendo crescimento econômico das três últimas
décadas é pífia porque o estado chinês conseguiu bloquear qualquer
transformação política, restringindo o resultado econômico à sua relativamente
reduzida burguesia estatal.
No início do século XX, um dos
diversos filósofos que criticavam a crueza e desumanidade do capitalismo
privado desenvolvido pela Revolução Industrial, o socialista alemão Karl
Kautsky escreveu: "Meio século atrás, a Alemanha era um país miserável e
insignificante; sua força era comparada à da Grã-Bretanha na época; o Japão
equivalia à Rússia, da mesma forma. Pode-se conceber que daqui a 10 ou 20 anos
a força relativa alemã permanecerá inalterada”?
Lenin também anteviu tais
mudanças, vendo-as como progressista e eventualmente revolucionária. Quando
Kautsky e Lênin descreveram o mundo, sem querer, estavam lançando as bases para
mudar isso tudo. Mas o mundo mostrou-se difícil de ser mudado (o irônico é que
dois dos quatro países do BRIC foram ou ainda são países comunistas).
Quando não se está no auge da
guerra, o comércio remodela a ordem internacional. Após a Segunda Guerra
Mundial, a Alemanha e o Japão saíram de seus destroços usando sua habilidade,
força de trabalho números a e disponível a baixos salários não só para
reconstruir sua economia com a substancial ajuda do plano Marshall – que regou
a seara europeia e asiática com os dólares necessários para tal -- para se
tornarem grandes potências transformadoras e exportadoras de bens de consumo de
alto valor agregado e de capitais.
Quando eu era ainda um
rapazola, na década de 1950, o selo "Made
in Japan" significava bens de má qualidade, baratos, de pouquíssima
durabilidade. Em 1990, no entanto, o Japão tinha já chegado a um ponto no qual
o seu poder econômico que suas mercadorias passaram a ser as mais procuradas
não mais pelo baixo preço, mas pela tecnologia avançada, qualidade e
acabamento, em relação à concorrência nacional e internacional. No Japão, as
transformações do “boom” econômico rapidamente passaram a ser sociais, uma vez
que moldou um regime político superior com base numa democracia mais
meritocrática que muitas outras do ocidente. Na China, como no Japão, os
impactos econômicos foram enormes, mas socialmente os chineses permanecem ainda
muito mais atrasados que os japoneses, justamente porque aqueles não tiveram a
capacidade de evolução política destes. Hoje o selo “Made in China”, ainda
equivale ao correspondente japonês na metade do século passado, mas está
deixando de ser. Resta saber, se os chineses também serão capazes de melhorar
socialmente com fizeram seus vizinhos japoneses e sul-coreanos.
OS 16 PAÍSES QUE SÃO CANDIDATOS A SEGUIR O EXEMPLO CHINÊS
O processo é cheio de
desafios. No início do processo, o que esses países têm de vender para seus
clientes é a sua pobreza relativa. Sua pobreza lhes permite vender barato o seu
trabalho. Quem tem dinheiro no mundo vê nisso uma possibilidade de auferir mais
lucro do emprego de seus capitais e tecnologias. O processo, quando funciona,
faz com que os trabalhadores sejam disciplinados e consigam sair de um alto
grau de pobreza para um nível de pobreza mais atenuado. Nesse caso, os
investimentos externos aumentam em volume e diversidade, atraídos pela mão de
obra barata e por uma segurança jurídica pelo menos razoável de seus negócios.
Geralmente, os investidores quando empregam seus capitais nesses países, deixam
de lado seus parques industriais originais em seus países onde os custos de
produção, tanto pela mão de obra como pelos impostos, são muito mais elevados.
Ora, todo mundo sabe que o capital é apátrida, mas, também, passa a pertencer
ao local (município, província, ou nação) onde ele foi aplicado. Quanto ao
lucro, o capitalista o usa como bem entender, dentro ou fora do país onde o
auferiu e isso não está muito ao alcance dos governos interferirem, sob pena de
se quebrar a segurança jurídica de sua operacionalidade, e o que esses governos
podem e têm feito, é criar condições atrativas o suficiente para que o
capitalista invista seus lucros dentro do país. Singapura e os “tigres
asiáticos” que o digam.
Com o país se capitalizando
inicialmente a partir de fora, prosperam os empresários, o erário, e finalmente
o povo. Quando o estado, no entanto, por motivos ideológicos deixa de usar o
erário para simplesmente cobrir as obrigações básicas de seu contrato social,
vulgarmente conhecido como Constituição ou Carta Magna, e usa os recursos
arrecadados para desenvolver o capitalismo de estado, a história moderna e
atual tem mostrado que o trem nacional enveredou por uma linha que termina num
abismo que condena o país ao retrocesso à sua primitiva situação. A isso se dá
o nome genérico de “socialismo”. Quando, por outro lado, o estado deixa o
processo econômico operar por suas leis próprias, basicamente aos cuidados do
setor privado, corrigindo-lhes apenas os seus desvios e aberrações – como os oligopólios,
monopólios e cartéis, por exemplos – apenas se beneficiando de seus resultados
e usa tais recursos para melhorar as condições básicas de sua população,
oferecendo serviços públicos pelo menos decentes às pessoas, então o progresso
vira uma bola de neve e dá origem a países que o mundo jamais terá interesse em
que desapareçam.
Não é só o trabalho das
pessoas envolvidas no processo produtivo, mas também o seu modo de vida. A
proximidade dos trabalhadores com seus locais de produção ajudam a manter o
tecido social íntegro, ao passo que, quando os que trabalham têm que se
deslocar por grandes distâncias para chegarem aos seus locais de trabalho isso
tende a deteriorá-lo. Mas, quando esse e outros problemas são solucionados pelo
empresário com a ajuda do governo interessado no aumento da produção e em
melhores condições de vida, as oportunidades começam a se multiplicar, a vida
tradicional praticamente desaparece e, em seu lugar surge um meio de vida
superior, que é proporcionado pela eficiência do capitalismo privado moderno.
Um capitalismo que os filósofos do socialismo jamais conheceram mas que foi
moldado, em parte, por suas ideias.
Os trabalhadores, ainda por
mais que queiram melhorar de vida, lembrar-se-ão de quão ruim era a sua
situação anterior e reconhecerão o quão melhor poderá ser no futuro se o
progresso for sustentado. Um exemplo disso foi o modo como se desenvolveu a
imigração americana, sendo que, até hoje muitas pessoas tentam sair de
economias e políticas ruins para tentar uma melhor sorte imigrando para os EUA.
Os trabalhadores arranjavam sua vontade de trabalhar por longas horas e por
baixos salários, porque sabiam que, mesmo que suas vidas fossem difíceis, eram,
no entanto, melhores do que as que levavam em seus países e isso lhes trazia a
esperança de que seus filhos e, com alguma sorte, eles próprios pudessem
enriquecer ou mesmo levar suas vidas em melhores padrões como consequência do
progresso econômico e da liberdade política existente na América.
À medida que o processo
amadurece, os baixos salários vão aumentando – produzir produtos simples para o
Mercado mundial não é tão lucrativo como produzir produtos mais sofisticados e
com maior valor agregado – e a taxa de crescimento diminui em favor de lucros
mais previsíveis a partir de mercadorias e serviços mais complexos. Todas as
nações passam por tal processo e a China não é uma exceção. Essa é sempre a
hora mais perigosa para um país. O Japão se houve muito bem em lidar com ela.
Já a China tem desafios muito mais complexos, não apenas pelo seu tamanho, mas,
principalmente, pelo fato de não saber transformar progresso e maior ganho
social, o que só se consegue com níveis de liberdade individual bem maior do
que exercita.
O GRUPO DOS DEZESSEIS
Na verdade, a China está no
limiar de passagem de sua era de baixos salários e alto crescimento, para um
tempo em que terá que se acomodar a um crescimento menor, mas, possivelmente,
com uma mão de obra melhor remunerada. Nesse ambiente, entretanto, o que se vê
é o enriquecimento de pessoas ligadas diretamente ao politiburo de Pequim, que
constituem uma reduzida burguesia comunista e que, não raro aprendem a tirar
vantagem da corrupção sistêmica desse tipo de regime político e,
frequentemente, em função da baixa segurança jurídica que o regime garante aos
capitais acumulados, estão enviando-os para investimentos privados no exterior,
principalmente no Ocidente.
Outros países substituirão a
China nesse binômio de muita mão de obra barata e produtos simples e de baixa
qualidade para a exportação. O sistema internacional abre as portas para os
países que usam esse binômio que tenham uma infraestrutura apropriada e
suficiente ordem jurídica para garantir uma atividade industrial, de
preferência conduzida por grandes grupos capitalistas transnacionais. Essa tem
sido a única oportunidade desses países subirem as escadas dentro do sistema
internacional e, com eles, vêm o estabelecimento de novas elites políticas e
econômicas – e, portanto, sociais – com a pobreza se beneficiando mais ou menos
quanto mais ou menos for a liberdade política individual de acumular capital e
empreender.
Todavia, identificar esses
países não é uma tarefa fácil. As estatísticas comerciais não conseguem
capturar as mudanças até que elas já estejam num estado mais adiantado de operação.
Tais mudanças têm sido especialmente lentas em alguns países como o Vietnã a
Indonésia. O Brasil é um país que aparentemente está a sair da primeira para a
segunda fase do processo, mas se arrisca a perder a oportunidade de deslanchar
como uma das principais potências mundiais por incrível cegueira administrativa
e ideológica, corrupção endêmica e sinalização de um futuro de segurança
jurídica capitalista duvidosa.
Acredita-se, hoje, que são
dezesseis os chamados países de emergência pós-China, ou PC16, que substituirão
o gigante amarelo, ainda pintado de vermelho, no universo das economias
orientadas para a exportação de produtos simples, de baixo custo e qualidade,
produzidos por mão de obra barata e de segunda classe. No mapa acima, pode-se
ver quais são.
Por outro lado, não existe um
único país que, por si só, possa substituir esse papel industrial da China que
parece ir a fazer parte do passado. Somente o conjunto desses dezesseis, se
tudo correr bem, poderá fazê-lo. Tomados em conjunto, a soma de suas populações
perfaz um total um bilhão de almas, partindo do pressuposto que Rússia, Brasil
e Índia, isoladamente ou em conjunto, já tenham passado do ponto de fazer parte
da lista.
O ponto a ser enfatizado é que
identificar os membros desse PC16 não constitui um prognóstico. É apenas uma
lista de países onde se percebe movimentos significativos desse estágio
industrial, particularmente na indústria têxtil e manufatureira de calçados e
montadora de telefonia celular. Além do mais, não existem neles bloqueios
extremos a um crescimento econômico futuro, muito embora os riscos políticos
para a estabilidade empresarial privada possam variar de quase inexistentes a
muito altos, mas não mais do que havia na China entre 1978 e 1980, quando houve
o grande “boom” industrial estrangeiro na China, que soube dar as necessárias
garantias ao capital e aos capitalistas do Ocidente.
Todos esses fatos devem também
ser postos em contexto. Este também não é único processo de crescimento
existente, mas apenas o mais comum e vigoroso. É bem provável, também, que
todos esses países do PC-16 consigam fazer o que a China fez, isoladamente ou
em conjunto. Eles parecem ainda não estar bem prontos para isso, com algumas
exceções, graças a seus mercados financeiros avançados e remodelamento
quantitativo.
Eles estão entrando num
processo que tem sido latente no mundo desde o final do século XVII: a
industrialização combinada com a globalização. E o processo não existiria se
dependesse das corporações transnacionais e mesmo da maioria dos governantes,
os quais teriam muito a perder. Mas o processo foi bem-sucedido graças aos
geradores de empregos motivados pelo lucro crescente com a mão de obra barata e
a capacidade desses empresários em conviver com a instabilidade política e a
corrupção governamental. Outro fator de sucesso desse processo é a potencial
perspectiva dos trabalhadores de escaparem de suas vidas na pobreza acentuada
para o que se lhes afigura como uma oportunidade magnífica de uma vida melhor e
com mais liberdade individual, coisas que antes, para eles, pareciam
impensáveis.
A parábola do desenvolvimento
social dita que tudo o que ainda não cresceu vai crescer – tanto as condições
de vida com a liberdade individual e os direitos humanos – e eventualmente irá
cair no futuro. O processo desencadeado pela Revolução Industrial no final do
século XVIII parece não ser passível de ser parado, mas, sim, será o próximo
caminho a ser tomado pelas nações emergentes no mundo.
Os países, que quiserem
encurtar essa fase de seu desenvolvimento, terão que investir o máximo que
puderem em educação e ensino profissionalizante, em serviços públicos de boa
qualidade, em infraestrutura de apoio a produção agropecuária, industrial e de
serviços, e, principalmente, buscar garantir o máximo de liberdade individual e
garantia de segurança jurídica aos negócios de seus empreendedores e de
capitalistas externos, que invistam no país; na certeza de que “o capital
pertence ao lugar em que é investido” e que, o interesse maior do capitalista é
reinvestir seus lucros nesse mesmo lugar, caso se convença de que é um bom
negócio.
Título e Texto: Francisco Vianna (da mídia
internacional), 30-7-2013
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