quarta-feira, 31 de julho de 2013

Identificando os sucessores da China

Francisco Vianna
O que ocorreu – e ainda de certa forma ocorre – na China representa uma fase do desenvolvimento econômico que é impulsionada pelos baixos salários, pelo apetite externo de investimentos no país, gerando um crescimento caótico e desordenado, prenhe de contradições sociais, de escala grandiosa, mas profundamente falaciosa em muitos aspectos. Essa fase está chegando ao fim na China e o país, sobre o aspecto de desenvolvimento social, se tornou uma metáfora... A sua magnificência é um fenômeno circunscrito à reduzida burguesia do politiburo chinês, como é o resultado típico do capitalismo de estado, ou seja, muito pouco da riqueza produzida consegue beneficiar diretamente a população. Há hotéis formidáveis, mas os locais não conseguem neles se hospedar, há trens-bala de alto desempenho, mas são raros os chineses que podem utilizá-los. Há enriquecimento pessoal, mas apenas de muito poucos bem relacionados com o politiburo de Pequim.

A curva sinusal que costuma representar as subidas e descidas das nações varia em comprimento e grau de inclinação. Na China essa curva tem sido longa, na medida em que os fatos se sucedem, com duração de mais de 30 anos. Fatalmente, um país tão populoso e que já absorveu do Ocidente considerável tecnologia industrial continuará a existir e talvez até a prosperar, mas essa era de desenvolvimento chinês – apoiada a sua pirâmide em baixos salários baixos para conquistar mercados globais – está acabando, simplesmente porque agora existem outras nações, com salários até mais baixos e exibindo outras vantagens. China vai ter que se comportar de modo diferente do que faz agora, pois outros países estão prestes a tomar o seu lugar no mercado globalizado.

REMODELANDO A ORDEM INTERNACIONAL
Desde a Revolução Industrial, houve sempre países que obtiveram “vantagem” comparativa no comércio internacional, cujas raízes firmaram-se no binômio baixos salários e força de trabalho enorme disponível, onde ganhar um salário miserável sempre se mostrou uma alternativa melhor do que não ganhar salário algum e viver abaixo da linha de pobreza extrema. Tais países aproveitam essa política estatal de “pegar ou largar” como chamariz para que empresários do mundo inteiro – principalmente dos EUA – para lá se mudassem com seus capitais e know how, atraídos por margens de lucro que não encontram paralelo em seus países de origem.

Isso, como era de se esperar, por se tratar de uma abertura de portas que se escancaram para o capitalismo privado, promoveram transformações drásticas nas suas sociedades. Essas transformações, no entanto para se tornarem sociais, têm que transformar não apenas a economia do país com, também, o seu regime político. No caso da China, a transformação social pelo tremendo crescimento econômico das três últimas décadas é pífia porque o estado chinês conseguiu bloquear qualquer transformação política, restringindo o resultado econômico à sua relativamente reduzida burguesia estatal.

No início do século XX, um dos diversos filósofos que criticavam a crueza e desumanidade do capitalismo privado desenvolvido pela Revolução Industrial, o socialista alemão Karl Kautsky escreveu: "Meio século atrás, a Alemanha era um país miserável e insignificante; sua força era comparada à da Grã-Bretanha na época; o Japão equivalia à Rússia, da mesma forma. Pode-se conceber que daqui a 10 ou 20 anos a força relativa alemã permanecerá inalterada”?
Lenin também anteviu tais mudanças, vendo-as como progressista e eventualmente revolucionária. Quando Kautsky e Lênin descreveram o mundo, sem querer, estavam lançando as bases para mudar isso tudo. Mas o mundo mostrou-se difícil de ser mudado (o irônico é que dois dos quatro países do BRIC foram ou ainda são países comunistas).

Quando não se está no auge da guerra, o comércio remodela a ordem internacional. Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha e o Japão saíram de seus destroços usando sua habilidade, força de trabalho números a e disponível a baixos salários não só para reconstruir sua economia com a substancial ajuda do plano Marshall – que regou a seara europeia e asiática com os dólares necessários para tal -- para se tornarem grandes potências transformadoras e exportadoras de bens de consumo de alto valor agregado e de capitais.
Quando eu era ainda um rapazola, na década de 1950, o selo "Made in Japan" significava bens de má qualidade, baratos, de pouquíssima durabilidade. Em 1990, no entanto, o Japão tinha já chegado a um ponto no qual o seu poder econômico que suas mercadorias passaram a ser as mais procuradas não mais pelo baixo preço, mas pela tecnologia avançada, qualidade e acabamento, em relação à concorrência nacional e internacional. No Japão, as transformações do “boom” econômico rapidamente passaram a ser sociais, uma vez que moldou um regime político superior com base numa democracia mais meritocrática que muitas outras do ocidente. Na China, como no Japão, os impactos econômicos foram enormes, mas socialmente os chineses permanecem ainda muito mais atrasados que os japoneses, justamente porque aqueles não tiveram a capacidade de evolução política destes. Hoje o selo “Made in China”, ainda equivale ao correspondente japonês na metade do século passado, mas está deixando de ser. Resta saber, se os chineses também serão capazes de melhorar socialmente com fizeram seus vizinhos japoneses e sul-coreanos.

OS 16 PAÍSES QUE SÃO CANDIDATOS A SEGUIR O EXEMPLO CHINÊS

O processo é cheio de desafios. No início do processo, o que esses países têm de vender para seus clientes é a sua pobreza relativa. Sua pobreza lhes permite vender barato o seu trabalho. Quem tem dinheiro no mundo vê nisso uma possibilidade de auferir mais lucro do emprego de seus capitais e tecnologias. O processo, quando funciona, faz com que os trabalhadores sejam disciplinados e consigam sair de um alto grau de pobreza para um nível de pobreza mais atenuado. Nesse caso, os investimentos externos aumentam em volume e diversidade, atraídos pela mão de obra barata e por uma segurança jurídica pelo menos razoável de seus negócios. Geralmente, os investidores quando empregam seus capitais nesses países, deixam de lado seus parques industriais originais em seus países onde os custos de produção, tanto pela mão de obra como pelos impostos, são muito mais elevados. Ora, todo mundo sabe que o capital é apátrida, mas, também, passa a pertencer ao local (município, província, ou nação) onde ele foi aplicado. Quanto ao lucro, o capitalista o usa como bem entender, dentro ou fora do país onde o auferiu e isso não está muito ao alcance dos governos interferirem, sob pena de se quebrar a segurança jurídica de sua operacionalidade, e o que esses governos podem e têm feito, é criar condições atrativas o suficiente para que o capitalista invista seus lucros dentro do país. Singapura e os “tigres asiáticos” que o digam.

Com o país se capitalizando inicialmente a partir de fora, prosperam os empresários, o erário, e finalmente o povo. Quando o estado, no entanto, por motivos ideológicos deixa de usar o erário para simplesmente cobrir as obrigações básicas de seu contrato social, vulgarmente conhecido como Constituição ou Carta Magna, e usa os recursos arrecadados para desenvolver o capitalismo de estado, a história moderna e atual tem mostrado que o trem nacional enveredou por uma linha que termina num abismo que condena o país ao retrocesso à sua primitiva situação. A isso se dá o nome genérico de “socialismo”. Quando, por outro lado, o estado deixa o processo econômico operar por suas leis próprias, basicamente aos cuidados do setor privado, corrigindo-lhes apenas os seus desvios e aberrações – como os oligopólios, monopólios e cartéis, por exemplos – apenas se beneficiando de seus resultados e usa tais recursos para melhorar as condições básicas de sua população, oferecendo serviços públicos pelo menos decentes às pessoas, então o progresso vira uma bola de neve e dá origem a países que o mundo jamais terá interesse em que desapareçam.

Não é só o trabalho das pessoas envolvidas no processo produtivo, mas também o seu modo de vida. A proximidade dos trabalhadores com seus locais de produção ajudam a manter o tecido social íntegro, ao passo que, quando os que trabalham têm que se deslocar por grandes distâncias para chegarem aos seus locais de trabalho isso tende a deteriorá-lo. Mas, quando esse e outros problemas são solucionados pelo empresário com a ajuda do governo interessado no aumento da produção e em melhores condições de vida, as oportunidades começam a se multiplicar, a vida tradicional praticamente desaparece e, em seu lugar surge um meio de vida superior, que é proporcionado pela eficiência do capitalismo privado moderno. Um capitalismo que os filósofos do socialismo jamais conheceram mas que foi moldado, em parte, por suas ideias.

Os trabalhadores, ainda por mais que queiram melhorar de vida, lembrar-se-ão de quão ruim era a sua situação anterior e reconhecerão o quão melhor poderá ser no futuro se o progresso for sustentado. Um exemplo disso foi o modo como se desenvolveu a imigração americana, sendo que, até hoje muitas pessoas tentam sair de economias e políticas ruins para tentar uma melhor sorte imigrando para os EUA. Os trabalhadores arranjavam sua vontade de trabalhar por longas horas e por baixos salários, porque sabiam que, mesmo que suas vidas fossem difíceis, eram, no entanto, melhores do que as que levavam em seus países e isso lhes trazia a esperança de que seus filhos e, com alguma sorte, eles próprios pudessem enriquecer ou mesmo levar suas vidas em melhores padrões como consequência do progresso econômico e da liberdade política existente na América.

À medida que o processo amadurece, os baixos salários vão aumentando – produzir produtos simples para o Mercado mundial não é tão lucrativo como produzir produtos mais sofisticados e com maior valor agregado – e a taxa de crescimento diminui em favor de lucros mais previsíveis a partir de mercadorias e serviços mais complexos. Todas as nações passam por tal processo e a China não é uma exceção. Essa é sempre a hora mais perigosa para um país. O Japão se houve muito bem em lidar com ela. Já a China tem desafios muito mais complexos, não apenas pelo seu tamanho, mas, principalmente, pelo fato de não saber transformar progresso e maior ganho social, o que só se consegue com níveis de liberdade individual bem maior do que exercita.

O GRUPO DOS DEZESSEIS
Na verdade, a China está no limiar de passagem de sua era de baixos salários e alto crescimento, para um tempo em que terá que se acomodar a um crescimento menor, mas, possivelmente, com uma mão de obra melhor remunerada. Nesse ambiente, entretanto, o que se vê é o enriquecimento de pessoas ligadas diretamente ao politiburo de Pequim, que constituem uma reduzida burguesia comunista e que, não raro aprendem a tirar vantagem da corrupção sistêmica desse tipo de regime político e, frequentemente, em função da baixa segurança jurídica que o regime garante aos capitais acumulados, estão enviando-os para investimentos privados no exterior, principalmente no Ocidente.

Outros países substituirão a China nesse binômio de muita mão de obra barata e produtos simples e de baixa qualidade para a exportação. O sistema internacional abre as portas para os países que usam esse binômio que tenham uma infraestrutura apropriada e suficiente ordem jurídica para garantir uma atividade industrial, de preferência conduzida por grandes grupos capitalistas transnacionais. Essa tem sido a única oportunidade desses países subirem as escadas dentro do sistema internacional e, com eles, vêm o estabelecimento de novas elites políticas e econômicas – e, portanto, sociais – com a pobreza se beneficiando mais ou menos quanto mais ou menos for a liberdade política individual de acumular capital e empreender.
Todavia, identificar esses países não é uma tarefa fácil. As estatísticas comerciais não conseguem capturar as mudanças até que elas já estejam num estado mais adiantado de operação. Tais mudanças têm sido especialmente lentas em alguns países como o Vietnã a Indonésia. O Brasil é um país que aparentemente está a sair da primeira para a segunda fase do processo, mas se arrisca a perder a oportunidade de deslanchar como uma das principais potências mundiais por incrível cegueira administrativa e ideológica, corrupção endêmica e sinalização de um futuro de segurança jurídica capitalista duvidosa.

Acredita-se, hoje, que são dezesseis os chamados países de emergência pós-China, ou PC16, que substituirão o gigante amarelo, ainda pintado de vermelho, no universo das economias orientadas para a exportação de produtos simples, de baixo custo e qualidade, produzidos por mão de obra barata e de segunda classe. No mapa acima, pode-se ver quais são.
Por outro lado, não existe um único país que, por si só, possa substituir esse papel industrial da China que parece ir a fazer parte do passado. Somente o conjunto desses dezesseis, se tudo correr bem, poderá fazê-lo. Tomados em conjunto, a soma de suas populações perfaz um total um bilhão de almas, partindo do pressuposto que Rússia, Brasil e Índia, isoladamente ou em conjunto, já tenham passado do ponto de fazer parte da lista.

O ponto a ser enfatizado é que identificar os membros desse PC16 não constitui um prognóstico. É apenas uma lista de países onde se percebe movimentos significativos desse estágio industrial, particularmente na indústria têxtil e manufatureira de calçados e montadora de telefonia celular. Além do mais, não existem neles bloqueios extremos a um crescimento econômico futuro, muito embora os riscos políticos para a estabilidade empresarial privada possam variar de quase inexistentes a muito altos, mas não mais do que havia na China entre 1978 e 1980, quando houve o grande “boom” industrial estrangeiro na China, que soube dar as necessárias garantias ao capital e aos capitalistas do Ocidente.

Todos esses fatos devem também ser postos em contexto. Este também não é único processo de crescimento existente, mas apenas o mais comum e vigoroso. É bem provável, também, que todos esses países do PC-16 consigam fazer o que a China fez, isoladamente ou em conjunto. Eles parecem ainda não estar bem prontos para isso, com algumas exceções, graças a seus mercados financeiros avançados e remodelamento quantitativo.
Eles estão entrando num processo que tem sido latente no mundo desde o final do século XVII: a industrialização combinada com a globalização. E o processo não existiria se dependesse das corporações transnacionais e mesmo da maioria dos governantes, os quais teriam muito a perder. Mas o processo foi bem-sucedido graças aos geradores de empregos motivados pelo lucro crescente com a mão de obra barata e a capacidade desses empresários em conviver com a instabilidade política e a corrupção governamental. Outro fator de sucesso desse processo é a potencial perspectiva dos trabalhadores de escaparem de suas vidas na pobreza acentuada para o que se lhes afigura como uma oportunidade magnífica de uma vida melhor e com mais liberdade individual, coisas que antes, para eles, pareciam impensáveis.

A parábola do desenvolvimento social dita que tudo o que ainda não cresceu vai crescer – tanto as condições de vida com a liberdade individual e os direitos humanos – e eventualmente irá cair no futuro. O processo desencadeado pela Revolução Industrial no final do século XVIII parece não ser passível de ser parado, mas, sim, será o próximo caminho a ser tomado pelas nações emergentes no mundo.
Os países, que quiserem encurtar essa fase de seu desenvolvimento, terão que investir o máximo que puderem em educação e ensino profissionalizante, em serviços públicos de boa qualidade, em infraestrutura de apoio a produção agropecuária, industrial e de serviços, e, principalmente, buscar garantir o máximo de liberdade individual e garantia de segurança jurídica aos negócios de seus empreendedores e de capitalistas externos, que invistam no país; na certeza de que “o capital pertence ao lugar em que é investido” e que, o interesse maior do capitalista é reinvestir seus lucros nesse mesmo lugar, caso se convença de que é um bom negócio.
Título e Texto: Francisco Vianna (da mídia internacional), 30-7-2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-