O Papa vai ao Santuário de
Nossa Senhora Aparecida, a chamada “virgem negra”, a padroeira do Brasil
Francisco Vianna
Nunca se viram tantas imagens de Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do Brasil, aparecendo em todos os lugares, desde imãs de geladeira a vitrines de lojas e nos cordões dourados que as mulheres usam pelo país inteiro. Há réplicas da pequena estátua de argila, das mais simples e diminutas, de plástico, às mais suntuosas, esculpidas até em marfim, tanto nos casebres mais humildes como nas mansões mais ricas.
A vinda do papa Francisco, o
primeiro sul-americano, hoje, quarta-feira, à região do Vale do Rio Paraíba,
uma das regiões mais ricas do Estado de São Paulo – que, por sua vez, é o
estado mais desenvolvido do país – para visitar a gigantesca basílica onde se
encontra esta espécie de Virgem Maria brasileira é, de fato, um acontecimento
que mexe intensamente com o emocional de um dos povos mais cristãos e católicos
do planeta.
Em muitos pontos por onde o
Sumo Pontífice argentino simplesmente passou, houve aglomerações formidáveis de
pessoas que apenas ansiavam por vê-lo ao vivo e de perto. A emoção pública fica
evidente, num país que atravessa crises sucessivas de ordem moral,
principalmente, por parte dos seus dirigentes.
Nunca se viram tantas imagens de Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do Brasil, aparecendo em todos os lugares, desde imãs de geladeira a vitrines de lojas e nos cordões dourados que as mulheres usam pelo país inteiro. Há réplicas da pequena estátua de argila, das mais simples e diminutas, de plástico, às mais suntuosas, esculpidas até em marfim, tanto nos casebres mais humildes como nas mansões mais ricas.
Uma estatueta comum e simples da santa padroeira do Brasil, que quase todos os brasileiros têm em casa. Foto: Francisco Vianna |
Peregrinos acampam ontem nos pátios externos da Basílica e Santuário Nacional de Nossa Senhora de Aparecida. Foto: AFP/Getty Images |
O Vaticano explicou que o Papa
Francisco insistiu pessoalmente em incluir esta visita a sua agenda e que será
seguida por milhões de devotos católicos da Santa Aparecida em todo o mundo. O
Sumo Pontífice já conhece o imenso santuário, onde esteve como cardeal.
Venerada de norte a sul e de
leste a oeste no Brasil, a lenda de Nossa Senhora de Aparecida transcendeu à
igreja na maior nação católica do mundo. Isso trouxe para a santa uma reputação
de deusa do amor ao próximo e de protetora da maternidade, numa religiosidade
brasileira que, em grande parte, é influenciada pelas crenças animistas de
origem africana. Tal forte sincretismo, difícil de ser constatado em outro
lugar do mundo, entre tais crenças e a fé tradicional cristã ocidental, foi
reforçado por fatores ligados à etnia local. Chamada de “a virgem negra”, na
verdade, a sua pele escura resulta da impregnação do lodo do fundo do rio
Paraíba, de onde pescadores resgataram a estatueta em suas redes de pesca, ao
longo do tempo. Mas esse fato acabou por atribuir à santa uma pele escura,
particularmente atrativa a negros e mestiços, que constituem a metade da
população brasileira.
“Seu rosto é o rosto do povo brasileiro”,
disse o padre José Arnaldo Juliano dos Santos, capelão e investigador da
Comarca de São Paulo. “É a grande unificadora espiritual do Brasil, que
transcende a todas as divisões sociais de raça, de religião, e de condição
econômica. É um ícone religioso que unifica espiritualmente todo o povo”.
Colocada sobre uma lua crescente enfeitada com um anjo, a imagem de NS Aparecida tem suas mãos postas sobre o peito em sinal de oração, seus lábios exibem um leve sorriso e tem flores nos cabelos. Seu vestido e seu manto exibem numerosas pregas e acompanha um colar de pérolas reluzentes. A pequena estátua tem cerca de 45 centímetros de altura, mas uma coroa de ouro e um manto de tecido azul fazem com que pareça um pouco maior.
Fiéis acendem velas na Basílica e Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, numa veneração que se acentua com a presença do chefe da igreja de Roma. Foto: AFP/Getty Images |
Colocada sobre uma lua crescente enfeitada com um anjo, a imagem de NS Aparecida tem suas mãos postas sobre o peito em sinal de oração, seus lábios exibem um leve sorriso e tem flores nos cabelos. Seu vestido e seu manto exibem numerosas pregas e acompanha um colar de pérolas reluzentes. A pequena estátua tem cerca de 45 centímetros de altura, mas uma coroa de ouro e um manto de tecido azul fazem com que pareça um pouco maior.
Uma mulher ergue uma réplica da Virgem de Aparecida enquanto outros fiéis agitam suas bandeirolas com sua imagem, durante missa pela Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro. Foto: AP |
Onde quer que se vá, no
Brasil, a imagem da santa demonstra um forte simbolismo. Para uns, é um caminho
que leva a Deus e, para outros, ela é uma espécie de fonte da graça divina.
Diz a lenda religiosa que a
Virgem de Aparecida foi vista pela primeira vez em 16 de outubro de 1717,
quando, na cidade de Guaratinguetá, entre São Paulo e Rio de Janeiro, no Vale
do Rio Paraíba do Sul, a região se preparava para receber a visita do
governador do Estado de São Paulo. Muitos pescadores saíram ao longo do Rio
Paraíba do sul de modo anão deixar faltar pescado para o banquete programado ao
ilustre político, mas, após 12 horas de pesca, quase nenhum peixe havia sido
capturado em suas redes, fazendo-os desistir e ir embora. Mas, três deles
permaneceram pescando.
Ao anoitecer, esses três
pescadores atiraram suas redes pela última vez e a única coisa que neles se
emaranhou foi uma estatueta de terracota enegrecida pelo lodo do fundo do rio,
que tinha uma figura feminina sem cabeça, com suas mãos postas ao peito como se
estivesse rezando. Surpresos e deslumbrados, eles tornaram a jogar suas redes
e, logo em seguida, tiraram delas uma cabeça que encaixava perfeitamente no
corpo da estatueta. Embrulharam cuidadosamente as peças numa camisa,
continuaram a jogar suas redes e, daí em diante, pescaram muito mais peixes do
que podiam se lembrar de jamais terem conseguido numa pescaria. Houve uma
repetição do milagre da multiplicação dos peixes, ocorrido com Jesus cristos
diante de seus apóstolos, há quase dois mil anos.
Um dos pescadores deu a
estátua a sua esposa, que a limpou e colou a cabeça ao corpo e colocou a imagem
num oratório caseiro, onde permaneceu por cerca de quinze anos.
Logo começou a ser atribuída à
santa uma série de milagres, inclusive a libertação de um escravo fugitivo
chamado Zacarias. Após ser capturado e agrilhoado por um capitão do mato,
Zacarias foi levado para ser devolvido ao seu senhor e proprietário. Mas ao
passar pela casa da esposa do pescador e parar para admirar a santa no
oratório, pediu com fervor que ela lhe protegesse e, milagrosamente, os
grilhões que o prendiam se abriram e caíram ao chão na presença de inúmeras
pessoas. Ao saber da estória, o proprietário de Zacarias imediatamente lhe deu
a alforria.
A sucessão de milagres passou
a ser voz corrente em todo o Brasil e, desde então, começou uma romaria de
peregrinos que só aumenta para pedir graças à santa. Primeiro foi erigida uma
pequena capela e em seguida igrejas cada vez mais amplas até chegar à
construção da impressionante basílica, o maior complexo mariano do mundo, com
uma cúpula erigida em 1955 e com capacidade para receber 45.000 fiéis numa
pequena cidade que nasceu vizinha a Guaratinguetá e que leva o nome da virgem,
Aparecida do Norte.
O dia consagrado a ela é 12 de
outubro, um feriado nacional no Brasil, quando dezenas de milhares de
peregrinos rumam para o Santuário de Aparecida, provenientes de todo o Brasil.
Já é também considerável o número de romeiros que vêm de outros países
sulamericanos e até de outras partes do mundo. A virgem recebe tantos presentes
por graças alcançadas que obrigou à criação de salas onde muitos deles são
exibidos.
A devoção mariana é uma
espécie de força de coesão da igreja romana a unir as pessoas, não apenas no
Brasil, mas em todo o mundo. Impressiona como age essa fé de pessoas ajoelhadas
a verter lágrimas mais de agradecimento e de alegria do que de tristeza. O
nível de emoção que ela desperta nas pessoas é extraordinário.
O papa Francisco é sabidamente
um devoto mariano, daí a sua exigência de incluir sua ida a Aparecida do Norte
na agenda de sua vinda ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude Católica.
Já Bento XVI é um teólogo que, por motivos de saúde, abdicou do papado e João
Paulo II era um filósofo, mas Francisco é, acima de tudo, um líder e um pastor.
É uma pessoa que se identifica com qualquer católico e inspira o respeito até
em quem professa outra religião ou religião alguma. Um homem extremamente
devoto à Mãe de Jesus Cristo que vê esta devoção se refletir no povo como um
ato sincero de fé das pessoas.
Aparecida, no entanto, tem
sido motivo de atritos entre a maioria católica do Brasil e a crescente
comunidade pentecostal, da qual muitos de seus membros apontam a igreja romana
de estimular a adoração de ícones com sua reverência à Maria.
Soldados guardam as imediações da enorme Basílica e Santuário Nacional de Nossa Senhora de Aparecida, onde o papa Francisco visita hoje diante de uma gigantesca multidão de romeiros. Foto: AP |
Em 1978 um homem supostamente
vinculado à igreja pentecostal destruiu o receptáculo de vidro que protegia a
imagem da virgem, roubou-a e em seguida, num acesso de fúria iconoclasta,
partiu a estatueta me mais de 100 pedaços. Após uma restauração minuciosa, a
estátua foi devolvida à Basílica de Aparecida numa ambulância e, hoje, é
cercada de intensas medidas de segurança.
Em 1995, um pastor evangelista
de TV causou uma grande comoção ao chutar desrespeitosamente uma réplica da
virgem em transmissão ao vivo:
A presença do Papa Francisco no Santuário, sem dúvida, sob o ponto de vista espiritual deverá ser o clímax da Jornada Mundial da Juventude Católica que está sendo realizada no país.
A presença do Papa Francisco no Santuário, sem dúvida, sob o ponto de vista espiritual deverá ser o clímax da Jornada Mundial da Juventude Católica que está sendo realizada no país.
Título e Texto: Francisco Vianna, 24-7-2013
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