André Azevedo Alves
Uma Europa onde impera uma
cultura de repúdio pelos pilares da civilização ocidental dificilmente se
poderá defender de ameaças externas. Aliás essa cultura de repúdio é — a prazo
— uma ameaça maior.
Na sequência dos bárbaros
ataques terroristas de 13 de Novembro em Paris, a reacção do Presidente francês
François Hollande foi considerá-los um acto de guerra, declarar o estado de
emergência e anunciar o encerramento das fronteiras de França. A postura de
Hollande – que parecia tentar empenhadamente imitar George W. Bush na reacção
aos ataques de 11 de Setembro de 2001 – poderia ser considerada irónica, se as
circunstâncias não fossem tão obviamente trágicas.
O mesmo pode ser dito do
anunciado “encerramento das fronteiras”, especialmente tendo em conta a
nacionalidade francesa de vários dos terroristas. Não espanta que assim seja
quando o próprio Estado francês estimava que já em Abril deste ano houvesse
mais de 1400 franceses no Estado Islâmico, representando cerca de metade do
total de estrangeiros nas suas fileiras. Desses, cerca de 200 teriam já
entretanto regressado a casa, em França.
Perante este preocupante
panorama no interior de França, quase se poderia afirmar que, caso Hollande
fosse efectivamente capaz de encerrar as suas fronteiras, estaria a dar um
importante contributo para a paz no Médio Oriente. Infelizmente, a realidade é
bem mais complexa. O primeiro passo para tentar compreendê-la é precisamente
reconhecer que não há respostas fáceis (ou que talvez haja, mas estão muito
provavelmente erradas). O segundo passo é não deixar de colocar questões
difíceis e incómodas que se impõem, mesmo tendo presente que não há resposta
fáceis, como fez aqui José Manuel Fernandes.
Em primeiro lugar, é inevitável
que a questão do controlo das fronteiras externas da UE seja equacionada de
forma mais séria do que tem acontecido até agora. A carga emotiva
(compreensivelmente) associada à crise dos refugiados obscureceu o debate deste
tema. Os atentados terroristas em Paris obrigam a reequacionar o problema e
aumentam o preço político de desvalorizar o controlo efectivo das fronteiras
externas da UE.
Seria no entanto ilusório e
demagógico utilizar os atentados terroristas em Paris como argumento para
proibir a entrada de quaisquer refugiados na Europa. Convém, aliás, não
esquecer que uma parte significativa desses refugiados foge precisamente dos
terrores do Estado Islâmico (em cujas fileiras combatem muitos cidadãos
europeus). Daí que a estratégia de combate ao Estado Islâmico seja uma segunda
questão central. Também aqui não há respostas fáceis, mas vale a pena recordar
que PCP e BE – as duas forças partidárias das quais depende o suporte
parlamentar maioritário anunciado por António Costa – já se manifestaram
veementemente contra qualquer acção militar na Síria e no Iraque para combater
o Estado Islâmico.
Em terceiro lugar, é
fundamental perceber – sem com isso desculpabilizar os autores morais e
materiais dos actos terroristas – que algumas das raízes mais fortes do
terrorismo se desenvolvem no coração da Europa e decorrem de décadas de
políticas falhadas. As eufemisticamente designadas ZUS (“zones urbaines
sensibles”) que existem às centenas em França são porventura o mais flagrante
exemplo do fracasso combinado das políticas de integração e das políticas
sociais francesas. Como escreveu André Abrantes Amaral: “A França lembra uma
panela de pressão. Durante anos insistiu-se numa política de integração que
mantivesse as diferenças, mesmo quando os detentores das mesmas as queriam
esquecer. Ao contrário do que é aconselhável num debate intelectual sério, em
que as ideias devem ser debatidas de forma honesta e imparcial, qualquer
chamada de atenção para os riscos dessas políticas foram carimbadas de
racistas. Assim tem sido porque não se visa encontrar a melhor solução, mas
impor uma ideologia, uma forma de vida, uma orientação política.”
Com elevados níveis de
desemprego, dependência generalizada de subsídios estatais e ausência de ordem
pública, muitas destas zonas são os campos de recrutamento ideais para os
extremistas. Um recrutamento que é facilitado também pelo relativismo cultural
que se tornou dominante na Europa. Como realçou Roger Scruton: “Take any aspect of the Western inheritance
of which our ancestors were proud, and you will find university courses devoted
to deconstructing it. Take any positive feature of our political and cultural
inheritance, and you will find concerted efforts in both the media and the
academy to place it in quotation marks, and make it look like an imposture or a
deceit”.
Uma Europa onde impera uma
cultura de repúdio pelos pilares da civilização ocidental dificilmente se
poderá defender de ameaças externas. Aliás, essa cultura de repúdio é ela
própria – a prazo – uma ameaça maior e mais difícil de derrotar do que qualquer
organização terrorista.
Título e Texto: André Azevedo Alves, Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
21-11-2015
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