terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Big Brother mediático

Vitor Cunha

Portugal vive num estado de permanente Big Brother, não o líder do estado omnipresente e omnisciente de “1984”, e sim o do programa televisivo da TVI, o que foi sofrendo iterações com títulos diferentes mantendo todo o princípio inalterável. O programa consiste em enfiar um conjunto de pessoas que não representam vivalma do país exceto os próprios em casa decorada como cenário televisivo e transmitir a coisa, esperando que, mais cedo que tarde, um vá às trombas a outro e alguém se meta da cama do tatuado às escuras por um cego. Refiro-me, naturalmente, à comunicação social.

Uma pessoa que se dê ao trabalho de ler jornais repara inevitavelmente em duas coisas: colunistas querem ilustrar realidades que não existem, jornalistas desejam ardentemente ser colunistas. E é só isto que se vê nos jornais, salvo raríssimas exceções que só podem considerar ridículos os simpósios de desgraçadinho-sou-eu, como o que se realizou recentemente para “pensar o jornalismo”.

Há o Pacheco Pereira, uma espécie de Marco Borges que distribuí pontapés por toda a gente – o último dos quais ao diretor do jornal onde escreve – em fúteis tentativas de ser expulso do programa, do jornal, do partido e sei lá mais o quê que permita a publicação do já-há-muito-escrito texto a queixar-se de que o querem calar. Tem grandes probabilidades de, como as baratas, sobreviver a tudo, sagrando-se vencedor do concurso, precisamente por isso, por toda a gente lhe negar a demissão/expulsão que tanto ambiciona.

Há o Rui Tavares, uma espécie de Zé Maria, tipo que vive a Europa com um amor como só o original vivia as touradas de Barrancos, com a intensidade agravada de conseguir desempenhar o papel de cavaleiro e de touro ao mesmo tempo. Inventor da Geringonça, toda a gente se riu quando a propôs. Quando esta se formou, gerou nova risota pela sua inevitável exclusão da agremiação. É o eternamente jovem, apesar de careca. De vez em quando ainda aparece fora dos jornais a queixar-se de que não lhe dão ouvidos (nem votos), que com ele é que ia ser. Grande defensor do papel das mulheres na vida pública, por motivos inexplicáveis, continua a não abdicar da liderança do partido unipessoal em prol de uma mulher.

Há o Francisco Louçã, a Célia do Big Brother. Com argumentação típica de gaja das antigas, as que comentam em vãos de escada sobre quem anda metido com quem no bairro, vai para as televisões e jornais inventar alucinações sobre um país e a Europa com o afinco que a Dona Emília diz que o filho já é doutor no difícil curso de ciências sociais que nem sabe como se chama. Não se cansa de expôr os bibelôs sobre renda, tem uma coleção de chávenas douradas que nunca foram usadas e já chegou a alapar os vastos glúteos no Renault 5 “quase novo” do filho-doutor. Só não leva pontapé do Pacheco Pereira porque é vastamente irrelevante para todos, exceto malucos, que as pessoas tendem a ignorar figuras de ação tipo Batman revolucionário bem-instalado.

Há o Bagão Félix, a Manuela Ferreira Leite e os restantes Ruis Rios, ou, obviamente, a Susana, o amor rame-rame do Zé Maria. Ora amam perdidamente o discurso vazio do Zé Maria/Rui Tavares, ora é preciso rigor para a sustentabilidade da segurança social, ora é preciso que não lhe mexam na reforma, ora é preciso mais Europa, menos Europa, menos dívida, mais dinheiro. Sobretudo, é preciso mais respeito pelo senado balofo que nos trouxe até aqui e que, por mero acaso, é composto por eles. Pois. Tal como a Susana “cabeça-de-ovo”, demonstram grandes dúvidas acerca do querem para a vida dos outros, limitam-se a esperar que o macho-alfa os oriente para o que não devem pensar em seguida.

Há o Raul Vaz, que passou de razoavelmente ponderado para defensor acérrimo da tropa do Costa. Como na tropa. Na tropa. Quando estava na tropa é que era. O Raul Vaz é o Telmo. E lá continua, com a sua pequena empresa de alumínio, a lembrar os dias da tropa. Um tipo capaz de atribuir a palavra “ponderado” a António Costa não pode trabalhar com metais mais pesados. Com uma circulação rondando os 11.000, o Jornal de Negócios lá vai existindo, sendo ligeiramente mais popular que o Jornal do Fundão, com circulação a rondar os 9.000, mas muito abaixo da revista Maria, com 138.000 no pior bimestre de 2016.

Todos os dias, estas figuras e outras que tais lá aparecem no confessionário, para se queixarem do Passos Coelho à Teresa Guilherme que os quiser ouvir e aos leitores. Quando se queixam de outra coisa, como do Trump, queixam-se do Passos Coelho. Não há mais nada. O mundo é o Passos Coelho, até a Le Pen é o Passos Coelho. Surpreendem-se das tiragens e circulação destes embrulhos de castanhas? Eu não.

Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 24-1-2017

Um comentário:

  1. Então, começou no Brasil, até a cor tradicional mudou para "laranja", e o apresentador com voz de taquara fina rachada, tá mal. Não sei o que a Globo viu neste cara! Mas...
    Heitor Volkart

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