Aparecido Raimundo de Souza
ALOÍSIO PEGARIA o trem
às 7h30 de sexta-feira, impreterivelmente. Nenhum minuto a mais, nem a menos.
Preparou as malas. Reviu item por item o que pretendia levar na bagagem.
Dormiria cedo. Nada de televisão esta noite. Antes de se recolher botou o
celular para despertar às 5h. Ligou para Ana, sua noiva. Meia dúzia de
palavras. Dia seguinte teriam mais de quinze horas para ficarem juntos num
passeio que prometia ser inesquecível. Trocaram carinhos. Beijos e juras de
amor. O essencial para manter acesa a chama do coração. Desligaram
simultaneamente com um meloso “boa noite, durma bem. Te amo”.
As 5h, em ponto, o
celular despertou Aloísio de um sono gostoso. Pulou da cama ligeiro e correu
para o banheiro. Fez a barba, tomou banho, vestiu as roupas novas que havia
comprado. Discou para a noiva às 5h30. Ela estava pronta, esperando a ligação:
— Falta só engolir o
café que a mãe fez, amor, e comer um pãozinho com manteiga.
— O trem sai às 7h30
em ponto.
— Legal. Estarei lá.
— Então, até...
— Até.
— Te amo!
— Eu também.
Do bairro onde ficava
a casa de Aloísio até à estação, meia hora. Dava para fazer o percurso a pé,
caso optasse por não pegar ônibus lotado. Talvez, por isso, Aloísio tenha,
realmente, resolvido caminhar. Geralmente, àquela hora, apesar de ser o último
dia útil, os passageiros dos coletivos andavam iguais a sardinhas em lata. O
quadro não mudava nunca. Somado a isso, o inconveniente da galera, aglutinada
(apesar do desodorante e do perfume baratos), conservava os sovacos cheirando a
bacalhau apodrecido. Pensando nesses contratempos, saiu e se pôs em marcha, com
uma boa margem de antecedência. Quando Ana saltou, do outro lado da pista, ele
igualmente descia as escadas de acesso à estação ferroviária, trazendo, a
reboque, uma bolsa enorme. Foi a jovem quem o avistou primeiro. Levantou os
braços e gritou:
— Beeeeeem... espere.
Aloísio ouviu a voz da
consorte na segunda chamada. Deteve os passos. Ana cruzou a avenida
movimentada, usando a passarela enorme que se estendia de um lado a outro, indo
afluir, de frente, ao átrio de embarque. Depois de um amontoado de beijos e
abraços à volta ao mundo real.
— Vamos nessa?
— Demorô.
— Que horas?
— Sete em ponto.
— Temos ainda trinta
minutos.
— O trem nem
encostou...
— E não chegou muita
gente, pelo visto.
— Mas observe que está
tudo aberto.
— Percebi.
— Dá tempo para
comprarmos alguma coisa para comermos pelo caminho, se você quiser. Embora eu
ache que não seja preciso. Mamãe fez cachorros quentes e sanduíches de
mortadela e queijo.
—Tem razão, amor.
Vamos economizar. Sua sogra mandou frutas, biscoitos e dois litros de
refrigerantes, além daquele bolo de chocolate que você tanto gosta.
O chefe da estação, de
andar lento e cansado (lembrava o velho e obeso sargento Garcia da série Zorro)
barrou os dois à roleta de acesso à plataforma:
— Bom dia, meus
amados. Vocês dois pretendem ir para onde?
— Pegar o trem.
— O trem? Meus filhos, a esta hora ele está bem longe daqui. Outro, agora, só amanhã...
— O trem partiu? Como?
O horário de saída não é às 7h30?
— Perfeitamente. Só
tem um probleminha: que horas aí no seu relógio?
— 7h20.
— E no seu, moça?
— 7h19.
— Desculpem. São 8h25.
Só para lembrar aos pombinhos: o horário de verão começou ontem, à meia noite.
Pelo visto, vocês dois
empacaram no horario velho. Posso dar uma sugestão? Troquem os ticketes para
amanhã ou se preferirem, para o proximo final de semana. Os valores pagos não
se perdem. Valem por um ano.
— Oh, my God...
— Não acredito! Amor,
que mico. Racha a cara!...
Aloísio, na verdade,
se esquecera de adiantar os ponteiros. Ana também, levada pela euforia de saber
que passaria um final de semana inteiro com seu príncipe encantado. Vencido o
impacto do primeiro choque, e depois de trocados os bilhetes, ambos se
retiraram cabisbaixos e chorosos, procurando refúgio na onda gigante da
tristeza frustrante que de repente os envolveu.
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MEUS TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA VIEREM A SER RETIRADOS DO AR, OU OS MEUS
ESCRITOS APAGADOS E CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO SERÁ
PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza,
jornalista, de São Bernardo do Campo, Região do Grande ABC Paulista, São Paulo,
4-2-2017
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