Aparecido Raimundo de Souza
A PROFESSORA DE PORTUGUÊS CONVOCA SEUS ALUNOS PARA QUE
escrevam um poema romântico como lição de casa. Os trabalhos deverão ser
apresentados na primeira aula vindoura. O melhor, o mais autêntico e criativo,
será afixado por trinta dias no mural da escola, logo na entrada do
estabelecimento, além de ser publicado no jornalzinho semanal. O autor ganhará,
ainda, um livro de sua predileção a ser escolhido numa livraria do shopping e,
de lambuja, ter a chance de ser agraciado com uma bela nota dez.
Aula seguinte, logo que adentra na sala, a mestra, com os
óculos pendurados no pescoço por uma fita preta, percebe a plateia cheia. A
primeira coisa que pergunta antes de cumprimentar a galera é exatamente pelos
trabalhos:
– E então? Fizeram o que pedi?
Um tremendo de um “sim” em uníssono se ouve de um canto a
outro.
– Vamos ver quem apresentará o melhor. Luizinho comece
mostrando o seu.
Luizinho levanta da carteira, pega a folha de caderno e vai
até à frente. A um gesto da professora, se põe a ler:
– “Eu sei...
Talvez eu tenha sufocado teu sentimento
Não consegui sintonizar teu pensamento
Saber o que você queria arrancar de mim”.
Imediatamente a professora interrompe o garoto levantando a
mão branca que se estende como uma língua de sapo seguida com um gesto de desaprovação:
– Luizinho, isso aí não é criação sua.
– Claro que é professora. Fiz ontem à noite.
– Luizinho, mentir é muito feio. Não fica bem para um piá na
sua idade. Você não é mais uma criancinha. Já tem até projeto de bigode. Sem
contar que completou, semana passada, doze anos. Quase um homem. Diga a
verdade: não foi você quem fez esses versos.
– Foi eu, sim, senhora.
– Não foi.
– Não costumo mentir.
– Pois bem: já que insiste em manter a lorota não vejo outra
saída a não ser desmascarar você, aqui e agora, na frente de todos. Esses
versos pertencem a uma música que está em um dos CDs da dupla Bruno &
Marrone.
– Quem?
– Não se faça de desentendido...
– Qual foi o nome que a senhora falou aí?
– Bruno & Marrone.
– Nunca ouvi falar. O que eles fazem?
– Cantam.
– Nossa! Não é do meu tempo...
Um dos guris estica o braço e interrompe o diálogo. Grita:
– Seu burro. Bruno & Marrone são aqueles caras que
dormiram na praça.
– Ué! E eu lá tenho culpa deles não terem casa?
– Chega. Luizinho. Volte para seu lugar.
Pego de calças curtas, na mentira contada, o moleque sai de
fininho. Volta direto para seu lugar. Não consegue evitar uma enxurrada de
vaias.
– Silêncio. Jorginho, sua vez.
Jorginho passa a mão em seu caderno e se empertiga ao lado
do quadro negro.
– Pode começar. Estamos ouvindo.
– “Sempre chega a hora da solidão,
Sempre chega a hora de arrumar o armário
Sempre chega a hora do poeta a plêiade
Sempre chega a hora em que o camelo tem sede”.
A professora volta a interferir, desta vez mais nervosa:
– Jorginho, até você, o mais aplicado da turma? Que
decepção!
– A senhora não gostou da minha poesia?
– Não, não gostei. Aliás, detestei...
– Quer que eu faça outra?
– Não.
– Por quê?
– Essa poesia não é sua...
– Claro que é...
– Quer passar pelo mesmo vexame do Luizinho?
– Professora, por favor, me escuta. Não vou passar por
vexame nenhum. Já disse a senhora que fui eu quem fez...
– Ok. Darei minha mão à palmatória se você me esclarecer o
que significa essa palavrinha que você colocou no seu poema.
– Palavrinha?
– Isso mesmo.
– Que palavrinha?
– Plêiade.
– Plêiade?!
– Sim senhor.
– Chiiiii!... Professora. Me deu um branco. Esqueci...
– Estou muito envergonhada. E decepcionada. Não esperava
isso de você...
– Só porque esqueci o significado da palavra, professora?
– Não. Por querer me dar diploma de burra. Jorginho, esses
versos que você nos apresentou nunca foram seus. É de uma música de Ana Carolina.
– De quem?
– Ainda por cima, um tremendo cara de pau e sonso. Volte
para seu lugar. Gustavinho venha até aqui.
O menino solicitado se ergue num salto em resposta ao
chamado e se prostra, em pé, não ao lado da lousa, mas da mesa onde estão os
pertences pessoais da preceptora. Cuidadosamente desdobra uma folha suja que
traz no bolso e se prepara para ler. A professora, porém, crava o baixinho bem
dentro dos olhos, com ar de profundo nervosismo e praticamente esbraveja:
– Espero, sinceramente, que você não contribua para irritar
ainda mais a minha indignação. Fez a poesia?
– Sim, senhora. Posso...?
–Tirou da sua cabeça ou copiou de algum CD como fizeram seus
coleguinhas?
– Inventei. De verdade! Lá vai...
– Devo acreditar em suas palavras?
– Sim, senhora. Deve.
– Se vocês me aprontarem mais uma – anuncia num gesto quase
formal -, mais uma só que seja, comunicarei à direção da escola e mandarei
chamar os pais de cada um para uma conversa séria. Fui clara, Gustavinho?
– Pra mim está tudo bem, professora.
– Perfeito. Então você vai apresentar agora, para todos nós,
um texto que você fez, sem ter tirado ou copiado de nenhum livro ou CD. Certo?
– Tem minha palavra...
– Em nome dela darei um voto de confiança. Comece.
– “Eu, calado, peido.
Tu, ao meu lado, cagas,
Ele não limpa a bunda.
Nós contamos para a turma
Vós, amada mestra, brigais com a gente,
Eles nos pegam, de porradas, lá fora”.
– Chega! Pode parar Gustavinho. Estou realmente pasma. Sem
palavras, boquiaberta. Horrorizada. Desde quando essa porcaria que você
escreveu pode ser considerada uma poesia romântica?
Na maior das inocências o jovenzinho se vira para a amada
professora e rebate à altura, bastante seguro de si:
– Meu trabalho pode não ser muito romântico professora, até
concordo. Mas a senhora deve convir comigo que, além de ser de minha autoria,
e, o mais importante, de não ter copiado de ninguém, o troço é bastante
criativo e profundo...
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TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA VIEREM A SER RETIRADOS DO AR, OU OS MEUS
ESCRITOS APAGADOS E CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO SERÁ
PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM MEU PRÓXIMO LIVRO
“LINHAS MALDITAS” VOLUME 3.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista, de Vila Velha no Espírito
Santo. 14-2-2017
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