terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Todos contra Trump?

Alberto Gonçalves

Uma pessoa tem que ter cautela para não se misturar com a gente que, concordando em quase tudo com o sr. Trump, inventa ou distorce fatos para “provar” que discorda imenso


Vamos dizer mal do sr. Trump? Vamos lá. Ao contrário dos que culpam a globalização pelas desgraças da Terra, não gosto do protecionismo econômico. Ao contrário dos que privilegiam produtos indígenas, não gosto de nacionalistas. Ao contrário dos que berram contra a economia "de casino", não gosto da economia de substituição e menos da de subsistência. Ao contrário dos que insistem nas virtudes do "investimento" público, não gosto de trafulhas. Ao contrário dos que veneram líderes latinos e folclóricos, não gosto de populistas. Ao contrário dos que se entusiasmaram com a Primavera Árabe, não gosto de revoluções, pelas armas ou pelo Twitter. Ao contrário dos que confundem Ocidente e imperialismo, não gosto da ideia de um mundo sem a NATO. Ao contrário dos que aplaudem o boicote a israelitas, não gosto de segregações motivadas por crença, etnia ou nacionalidade. Ao contrário dos que elegeram em duas ocasiões o Eng. Sócrates, não gosto de pantomineiros. Ao contrário dos que se sentem muito confortáveis com o dr. Costa, não gosto de políticos com vocabulário e responsabilidade comparáveis aos de uma criança de 7 anos.

Esta declaração de desinteresses visa separar águas e outros líquidos. Uma pessoa tem de ter cautela para não se misturar com a gente que, concordando em quase tudo com o sr. Trump, inventa ou distorce factos para "provar" que discorda imenso. Nos últimos dias, talvez para não maçar o povo com a subida fulgurante das taxas de juro, os nossos media, embora não só os nossos, decidiram recorrer a extraordinários argumentos a fim de demonstrar a vasta perversidade do novo Presidente americano.

Um dos "argumentos" prende-se com o muro: o sr. Trump promete erguer um muro ao longo da fronteira dos EUA com o México. É desagradável? Sem dúvida. Principalmente é mentira, na medida em que o muro, ou cerca de um terço dele, já existe, e começou a ser construído nos tolerantes tempos de Bill Clinton. Além disso, as críticas a muros que impedem entradas são suspeitas quando vêm de apreciadores de muros que impedem saídas.

Um segundo "argumento" é o veto da admissão de refugiados. Monstruoso? Ou nem tanto, se levarmos em conta que após 90 dias o limite anual chegará aos 50 mil, aproximadamente a média da generosa administração Obama. A despropósito: antes de 2016, Obama na prática recusou refugiados sírios, cujo sofrimento hoje enche o noticiário para exibir a desumanidade do sr. Trump. De resto, a empatia de inúmeras almas pelos deserdados da sorte termina no momento em que fecham à chave a porta de casa. 

Um terceiro "argumento" refastela-se nas manchetes do tipo: "Todos contra Trump." Todos excepto a maioria local que, de acordo com as sondagens, apoia cada decisão do sujeito e, se calhar, até votou nele. É esquisito, mas às vezes a ralé não obedece à sra. Meryl Streep. 

E por aí fora, em patranhas sucessivas e – esperam os iluminados – suficientes para convencer as massas a detestar o sr. Trump. Tipicamente, os iluminados não compreendem que foi essa arrogância que consagrou o homem. E fingem não compreender que, removidas as patranhas e dois ou três pormenores, o homem representa aquilo de que eles gostam. E de que eu, repito, não gosto.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado nº 666, de 2 a 8 de fevereiro de 2017

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