Alberto Gonçalves
Uma pessoa tem que ter cautela para não se
misturar com a gente que, concordando em quase tudo com o sr. Trump, inventa ou
distorce fatos para “provar” que discorda imenso
Vamos dizer mal do sr. Trump?
Vamos lá. Ao contrário dos que culpam a globalização pelas desgraças da Terra,
não gosto do protecionismo econômico. Ao contrário dos que privilegiam produtos
indígenas, não gosto de nacionalistas. Ao contrário dos que berram contra a
economia "de casino", não gosto da economia de substituição e menos
da de subsistência. Ao contrário dos que insistem nas virtudes do
"investimento" público, não gosto de trafulhas. Ao contrário dos que
veneram líderes latinos e folclóricos, não gosto de populistas. Ao contrário
dos que se entusiasmaram com a Primavera Árabe, não gosto de revoluções, pelas
armas ou pelo Twitter. Ao contrário dos que confundem Ocidente e imperialismo,
não gosto da ideia de um mundo sem a NATO. Ao contrário dos que aplaudem o
boicote a israelitas, não gosto de segregações motivadas por crença, etnia ou
nacionalidade. Ao contrário dos que elegeram em duas ocasiões o Eng. Sócrates,
não gosto de pantomineiros. Ao contrário dos que se sentem muito confortáveis
com o dr. Costa, não gosto de políticos com vocabulário e responsabilidade
comparáveis aos de uma criança de 7 anos.
Esta declaração de
desinteresses visa separar águas e outros líquidos. Uma pessoa tem de ter
cautela para não se misturar com a gente que, concordando em quase tudo com o
sr. Trump, inventa ou distorce factos para "provar" que discorda
imenso. Nos últimos dias, talvez para não maçar o povo com a subida fulgurante
das taxas de juro, os nossos media, embora não só os nossos, decidiram recorrer
a extraordinários argumentos a fim de demonstrar a vasta perversidade do novo
Presidente americano.
Um dos "argumentos"
prende-se com o muro: o sr. Trump promete erguer um muro ao longo da fronteira
dos EUA com o México. É desagradável? Sem dúvida. Principalmente é mentira, na
medida em que o muro, ou cerca de um terço dele, já existe, e começou a ser
construído nos tolerantes tempos de Bill Clinton. Além disso, as críticas a
muros que impedem entradas são suspeitas quando vêm de apreciadores de muros
que impedem saídas.
Um segundo
"argumento" é o veto da admissão de refugiados. Monstruoso? Ou nem
tanto, se levarmos em conta que após 90 dias o limite anual chegará aos 50 mil,
aproximadamente a média da generosa administração Obama. A despropósito: antes
de 2016, Obama na prática recusou refugiados sírios, cujo sofrimento hoje enche
o noticiário para exibir a desumanidade do sr. Trump. De resto, a empatia de
inúmeras almas pelos deserdados da sorte termina no momento em que fecham à
chave a porta de casa.
Um terceiro
"argumento" refastela-se nas manchetes do tipo: "Todos contra
Trump." Todos excepto a maioria local que, de acordo com as sondagens,
apoia cada decisão do sujeito e, se calhar, até votou nele. É esquisito, mas às
vezes a ralé não obedece à sra. Meryl Streep.
E por aí fora, em patranhas
sucessivas e – esperam os iluminados – suficientes para convencer as massas a
detestar o sr. Trump. Tipicamente, os iluminados não compreendem que foi essa
arrogância que consagrou o homem. E fingem não compreender que, removidas as
patranhas e dois ou três pormenores, o homem representa aquilo de que eles
gostam. E de que eu, repito, não gosto.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Sábado
nº 666, de 2 a 8 de fevereiro de 2017
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